quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Feminicídio: a atualização de um antigo flagelo sociocultural

     Como referência no artigo Fatores da violência: uma teia bem entranhada de fatores, de minha autoria, a violência é um problema tão historicamente arraigado que se tornou um marco de nossa sociedade, com várias formas a depender do tipo de crime. Entre essas formas, uma delas se destaca no cenário contemporâneo: o feminicídio.
     O nome já descreve o crime: a morte ou a invalidez permanente da mulher decorrente da violência desferida contra ela em função de gênero. Seu reconhecimento recente como crime no nosso código penal deriva de “feminicídio” ser um termo descritivo novo, ainda que seja há muito conhecido e criminalizado nas legislações de vários países da Europa e América do Norte.
     Embora a tipificação como crime no código penal brasileiro em 2016, a luta das mulheres para isso já dura há muitos anos. Hoje, feminicídio é cerne na Lei Maria da Penha de 2006, tornando-se referência para refinamento estatístico, cujos dados obtidos, somando-se denúncias e subnotificações, revela o país entre os 10 mais perigosos do mundo para as mulheres.
     Sua relevância confronta a política de “conservadorismo de costumes” do novo governo, que tem se concentrado na retirada de conteúdos didáticos como sexo e reprodução humanos, sociologia, filosofia e referências a nomes conhecidos de ideologia progressista e de esquerda; a obrigatoriedade do ensino religioso confessional e a exclusão dos LGBTQs das novas diretrizes de direitos humanos.
     O MEC atual excluiu qualquer assunto referente a discussão de gênero e... feminicídio. O que preocupa, diante de números assustadores. Em 2017 morreram pouco mais de 5000 mulheres, a maioria nas mãos de homens próximos (namorado, cônjuge, padrasto, vizinho). Só neste janeiro/2019 se confirmaram 91 casos novos. Média de 3 casos/dia. Fora as subnotificações. Parece pouco, mas é muito.
     A causa de tantos feminicídios no país é multifatorial. Ao machismo secularmente assimilado por tantas mulheres se aliam outros fatores, como a impunidade policial e até jurídica, e a omissão popular dos que seguem o ditame “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. A afirmação “com certeza houve motivo” soa no mínimo cruel, se não sórdida de tamanho cinismo e insensibilidade.
     O momento urge muita reflexão sobre discussão de gênero. É necessária a sua compreensão e reflexão educativa, visando eliminar a política de ódio ao progresso social da mulher, que distorce o tema como “ideologia de gênero” e alimenta o ódio misógino. Pois é essa política que, adotada pelo atual governo, que agudiza as relações destrutivas e em sua consequência, a violência de gênero.
     Daí ser tão necessária a tenaz resiliência dos contrários à misoginia. O equilíbrio delicado se sustenta na confrontação de forças opostas. Deve-se resistir a essa política de ódio que incita à violência misógina que mata, até que os ultraconservadores se sintam enfraquecidos pelo lento sucesso da mitigação do ódio e das mortes resultantes.
     É necessário que a população seja conscientizada de que o feminicídio não é mimimi, é tão hediondo quanto violações sexuais em geral, sequestro, latrocínio e tráfico. Deve-se ter ciência de que a lei sozinha não resolve o problema, deve ter a educação cidadã como aliada, pois ambas se somam para redirecionar a vida social, contribuindo para que a cidadania plena, crítica, justa e solidária, possa combater o feminicídio.

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