quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Intolerância: uma discussão necessária

     Nos últimos tempos, testemunhamos o desenvolvimento de um clima de extrema reatividade das pessoas em relação a tudo que cause discordância. Adotou-se a prática da tolerância zero instantânea.
     É compreensível que muitos considerem essa reação extrema como uma novidade, algo recente. Não, caros leitores, não é tão recente assim.
     Em 9 de outubro foi publicado um artigo do colunista Elio Gaspari na Folha de São Paulo, intitulada Quando foi que isso tudo começou.
     No artigo, o colunista, com experiência no jornal O Globo, fez uma interessante abordagem apontando o possível despertar no período petista, a partir das reações do público no filme Tropa de Elite.
     A posterior indicação do filme ao Oscar atestou o talento de toda a equipe no filme, desde os artistas e diretor até toda a equipe no desenvolvimento da obra. 
     No filme de José Padilha, Wagner Moura encarna o rigoroso Capitão Nascimento, do Bope, tropa de elite da PMERJ, em operação em favela submetida ao Baiano, chefe local do tráfico.
     Cenas de asfixia de jovens com sacos plásticos para forçar confissões sobre ligações deles com o chefe e o paradeiro deste. Espancamentos. Ameaças. Tiroteio terminando com o fim trágico do Baiano. E cada cena era bem aplaudida.
     É exatamente nessa relação entre o público e os desfechos das cenas e do filme que o colunista traça a sua análise crítica acerca das origens da intolerância de hoje, o que determinaria a escolha de nomes como Bolsonaro e Witzel:

     "[...] Jair Bolsonaro está no Planalto e Wilson Witzel (Harvard Fake '15) governa o Rio de Janeiro. Durante a campanha do ano passado o capitão-candidato foi a um quartel do Bope, discursou e repetiu o grito de guerra de "Caveira!". Durante a sua campanha, Witzel anunciou a sua plataforma para (executar) bandidos que empunhassem armas [...]: 'A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!'", escreveu. 

     Embora as linhas deste parágrafo da presente resenha não estejam inteiramente de acordo, não se pode negar o quão compreensível é a posição de Gaspari quanto às intolerâncias do brasileiro.
     Sim, é verdade que o aplauso externou o forte desejo popular de segurança pública capaz de combater o banditismo protagonista da violência urbana diária. E também que quem aplaudiu finge não saber da ligação do gesto com o forte ódio atual.
     Mas não soa verdadeiro, por outro lado, que tamanho sentimento negativo tenha se originado de quando o filme lotou as salas de cinema do Brasil todo.
     Todavia, mesmo implicitamente, o artigo nos mostra a direção da intolerância do brasileiro: ao bandido comum, ao sem teto que pede esmola ou comida, ao não branco e pobre, ao LGBTQ assumido e bem resolvido. E também ao índio.
     A intolerância a tais grupos advém do construto escravista, econômico, religioso e cultural, permanece na falta de educação e é expandida pelo contexto tecnológico e político. 
     O brasileiro agride as bases mais pobres, frágeis e expostas dos grupos, mas admira e teme os que estão à vontade na elite da política, no mega empresariado e nas grandes igrejas. Uma cultura elitista.
     O que os governantes Bolsonaro e Witzel, entre outros, fizeram - a começar pelas cenas aplaudidas no citado filme -, foi abrir a caixa de Pandora que ressurgiu o pior lado da humanidade dos brasileiros. 
     
      
     

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