segunda-feira, 27 de abril de 2020

Moro e Bolsonaro, a treta sem vencedor


     Após o estrondoso sucesso popular pela condenação de Lula em 2018 pelo nebuloso caso do tríplex de Guarujá, Sergio Moro foi convidado pelo então candidato Jair Bolsonaro para ser seu ministro da Justiça caso fosse eleito. Certo, dito e feito.
     Apesar do derrame de provas forjadas na citada condenação pelo The Intercept, o casamento entre o "herói contra a corrupção" e o "político honesto" pareceu bem ter sido harmonioso. Até essa semana.
     A treta veio quando Bolsonaro exonerou Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF. Na sua primeira tentativa de autodemissão, Moro foi convencido por Bolsonaro a ficar, após o chefe prometer manter o diretor. Engodo.
     Em 25/4 se noticiou a exoneração definitiva de Valeixo e de Moro. A primeira foi política, o que levou Moro a se demitir. Bolsonaro se desmentiu ao assumir o motivo político, diferente do postado no Decreto publicado no DOU* no mesmo dia. 
     Tudo isso foi público, na coletiva ao vivo em canais fechados como a Globo News.
     A negação pública do ex-ministro em ter assinado a exoneração de Valeixo abriu portas para se apontar a falsificação de sua assinatura: afinal, Bolsonaro assumiu ter interferido.
     O ex-ministro ainda revelou diálogo trocado com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, que tentou convencê-lo de aceitar Ramagem para substituir Valeixo. Na conversa, ele disse "não estar à venda". A conversa foi publicada pelo Jornal Nacional.
     Sergio Moro revelou ter aceito o convite ao MJ só porque Bolsonaro havia lhe dado a carta branca para nomear o diretor da PF. Normal: a instituição está subordinada ao ministério. 
     Braço-direito de Moro, Valeixo substituiu o diretor anterior, que investigava a morte de Marielle. Em suas investigações, descobriu a ligação de Carlos Bolsonaro com o gabinete do ódio, que divulga fake news. Ponto perigoso.
     A revelação sobre Carlos e o gabinete do ódio levou às vias de fato já mencionadas e de conhecimento público.
     Avaliação: a princípio, Bolsonaro se sai vitorioso na treta. No aparelhamento da PF e do MJ pelas nomeações respectivas de Alexandre Ramagem e Sérgio Oliveira, ambos próximos dos Bolsonaro, e ao conseguir apoio da maior parte do Centrão (PSD, DEM, MDB).
     O apoio do Centrão foi por conta dos muitos pedidos de impeachment pelos vários crimes do presidente. Somente um pedido foi apreciado pelo presidente da Câmara, o Rodrigo Maia (PSD-RJ), antes desse apoio.
     Os pedidos protocolados foram feitos por movimentos diversos como os partidários (de esquerda e direita), associações de juristas e magistrados, movimentos sociais, etc. 
     Com relação aos partidos políticos, há duas curiosidades: o ex-partido de Bolsonaro, PSL, protocolou também; já o PT não, por desconsiderar necessidade de impeachment.....
     A exclusão do PT, partido majoritário em cadeiras na Câmara, pode contribuir para rachar a sua própria popularidade enquanto partido de oposição ou, na origem, de esquerda. Esse seria um momento propício para o PT e toda a esquerda.
     Já Moro, atualmente sem cargo judiciário ou político, pode parecer perdido a princípio. Ele sabe que sua impopularidade cresceu graças ao irascível fã-clube do presidente ao sair do MJ, se juntando paradoxalmente à esquerda, mas por causas distintas.
     Mas deseja prosseguir na vida política, mesmo sabendo se incerta a sua vitória logo numa primeira eleição. Ainda assim, sabe que vale a pena encarar o momento.
     Mas, há triunfos na manga: ele sabe das condutas duvidosas dos Bolsonaro, e que tem sido bengala de parte importante da popularidade do presidente, e daí este ter maior rejeição agora.
     Sabe de seu público fiel, que acredita em sua ética enquanto ministro, apesar da conduta ilegal condenada por juristas renomados, sobre o caso Lula. E é esse público, mais concentrado no seu natal Paraná, que pode elegê-lo politicamente.
     Por ter jogado merda no ventilador, conforme dito popular, não só fez aumentar a rejeição popular ao presidente. Também o fez com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, que quis demovê-lo de sair usando conduta bastante duvidosa.
     E, finalmente, ter se saído vivo e ileso da complicada convivência com a política duvidosa dos Bolsonaros e de sua furiosa parte aliada no Congresso. E aí pode estar a sua incerteza. No fundo, sabe que está exposto, a sombra da morte à sua espreita.
     No final, o duelo não tem vencedores. Mas muita incerteza quanto ao futuro dos dois agora inimigos. O presidente não saberá se continua politicamente, e o ex-ministro não sabe até quando se manterá longe de possíveis ameaças futuras.

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*DOU - Diário Oficial da União, acessível somente on-line.
     

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