Milton Ribeiro e a educação punitiva
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro nomeou para ministro efetivo do MEC o santista Milton Ribeiro, de 62 anos. A posse foi nesse dia 16/7.
O homem de aparência bonachona, bigodinho a destacar no rosto bochechudo e careca, é um pastor presbiteriano graduado em Teologia - até Malafaia tem, em escola 0800 para ser pastor antes de se graduar psicólogo especializado em gerar catarse apocalíptica aos seus fiéis.
Milton se graduou no Seminário Presbiteriano do Sul e em Direito na Instituição Toledo de de Ensino, ambos em Santos. É ativo nas duas áreas, sendo professor na área de Teologia. É mestre em Direito pela Univ. Presbiterana Mackenzie, e se declara doutor em Educação pela USP.
A despeito da afirmação de doutor, a USP nega existir tese. A negação partiu de professores que pesquisaram os dados da biblioteca on-line da instituição. De fato, não se encontra nenhuma referência ao doutorado ou à tese de Milton Ribeiro na minuciosa busca na citada página. Os professores relataram inacessibilidade.
Tudo indica ser o segundo caso de inexistência de dados referentes a um título referido. O que acrescenta mais um péssimo detalhe que se volta contra a reputação, não só do governo Bolsonaro, mas do próprio Ribeiro.
Se a nomeação de um pastor agrada a significativa fatia política e popular evangélica, por outro gera controvérsia. Afinal, as instâncias públicas são laicas, como reza o princípio da República instaurado desde a sua primeira Constituição, de 1891. Mas há outros detalhes além desse amplo conhecimento público.
Trata-se da educação punitiva, que segundo Ribeiro, é o caminho para a "cura" da criança indisciplinada, com objetivo de "engrandecer a Deus", conforme vídeo de enquete em culto na sua igreja, que viralizou na internet e virou alvo de um massacre crítico público, que levou o pastor a pedir a retirada do mesmo no Youtube e das redes sociais.
A reação pública se deu pela crítica do ministro à Lei da Palmada e revalorização do antigo professor punitivo. Será que os castigos físicos e psicológicos de antigamente retornarão?
Por muito tempo, professores puniam a indisciplina por permissão legal e autorização dos pais, com castigos físicos (palmatória, varas de marmelo e bambu e régua), e psicológicos (castigos com bullying* por colegas). Foram definitivamente proibidos em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No Brasil, o castigo físico se restringe a certas escolas particulares confessionais, e públicas muito isoladas no interior sem internet. Mas a avaliação discriminatória negativa por notas e contra alunos críticos e questionadores, para homogeneizar o coletivo, são generalizados.
A defesa de Ribeiro ao castigo físico se deve à Torah judaica e ao Antigo Testamento bíblico que exaltam tal punição pelos pais aos filhos e senhores aos escravos. Como na antiguidade os povos eram analfabetos, Ribeiro interpretou na extensão do poder auferido aos docentes.
Se para os crédulos a retirada do vídeo foi uma submissão às críticas de oposição política, por outro lado a defesa à laicidade pode ficar só no papel, a depender da conduta de Ribeiro. A razão é o projeto Escola sem Partido, defendido pela bancada da bíblia no Congresso.
Este texto propõe, na verdade, a adoção de uma pedagogia que impeça o debate político na alegação de "respeito às crenças religiosas e políticas dos alunos", prevendo punições severas aos docentes, da advertência à demissão ou exoneração sumárias.
A bancada se viu impulsionada pela aprovação, pelo STF, da adoção do ensino religioso na modalidade confessional nas escolas públicas, mas facultativo conforme a Constituição. Em razão da diversidade de crenças e fé e da laicidade estatal, as escolas públicas que têm ensino religioso continuam na forma histórica e laica.
Agora ministro, Ribeiro percebe que está numa encruzilhada, para tentar pacificar, a duras custas, num ministério sensível e destroçado, mundos muito diversos que se digladiam há com tempo: docentes, bancada da bíblia, Constituição e até o olhar atento do STF. Será que sai um conflito interno, entre o ministro e o presbítero?
Aí poderá se desdobrar um conflito interno: o pastor que entende as proposições do Escola sem Partido, e o ministro que tem ciência da laicidade cuja proteção constitucional ao colorido de fé e crenças está muito acima de interesses pessoais e de grupos pequenos, mas poderosos.
Duas figuras oponentes em muitos aspectos, mas não na sua totalidade. Por sua abertura ao diálogo, típico de um líder religioso e da carreira docente, Ribeiro pode tirar um bom proveito desse valioso ponto em comum, que pode significar a diferença para o futuro educacional do nosso país.
E o que impera é o anseio pela educação científica e pela liberdade crítica, e não da punição anticientífica e acrítica que, ele sabe, nunca resolveu o flagelo das infrações de alunos e ex-alunos, elemento mais gritante de uma nação que grita: Educação por amor, por favor!.
Quem viver, verá.
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Notas:
*Bullying - termo inglês que designa violência psíquica e/ou física nas escolas, para depreciar determinado aluno em virtude de suas diferenças, sendo uma forma de discriminação.
O homem de aparência bonachona, bigodinho a destacar no rosto bochechudo e careca, é um pastor presbiteriano graduado em Teologia - até Malafaia tem, em escola 0800 para ser pastor antes de se graduar psicólogo especializado em gerar catarse apocalíptica aos seus fiéis.
Milton se graduou no Seminário Presbiteriano do Sul e em Direito na Instituição Toledo de de Ensino, ambos em Santos. É ativo nas duas áreas, sendo professor na área de Teologia. É mestre em Direito pela Univ. Presbiterana Mackenzie, e se declara doutor em Educação pela USP.
A despeito da afirmação de doutor, a USP nega existir tese. A negação partiu de professores que pesquisaram os dados da biblioteca on-line da instituição. De fato, não se encontra nenhuma referência ao doutorado ou à tese de Milton Ribeiro na minuciosa busca na citada página. Os professores relataram inacessibilidade.
Tudo indica ser o segundo caso de inexistência de dados referentes a um título referido. O que acrescenta mais um péssimo detalhe que se volta contra a reputação, não só do governo Bolsonaro, mas do próprio Ribeiro.
Se a nomeação de um pastor agrada a significativa fatia política e popular evangélica, por outro gera controvérsia. Afinal, as instâncias públicas são laicas, como reza o princípio da República instaurado desde a sua primeira Constituição, de 1891. Mas há outros detalhes além desse amplo conhecimento público.
Trata-se da educação punitiva, que segundo Ribeiro, é o caminho para a "cura" da criança indisciplinada, com objetivo de "engrandecer a Deus", conforme vídeo de enquete em culto na sua igreja, que viralizou na internet e virou alvo de um massacre crítico público, que levou o pastor a pedir a retirada do mesmo no Youtube e das redes sociais.
A reação pública se deu pela crítica do ministro à Lei da Palmada e revalorização do antigo professor punitivo. Será que os castigos físicos e psicológicos de antigamente retornarão?
Por muito tempo, professores puniam a indisciplina por permissão legal e autorização dos pais, com castigos físicos (palmatória, varas de marmelo e bambu e régua), e psicológicos (castigos com bullying* por colegas). Foram definitivamente proibidos em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No Brasil, o castigo físico se restringe a certas escolas particulares confessionais, e públicas muito isoladas no interior sem internet. Mas a avaliação discriminatória negativa por notas e contra alunos críticos e questionadores, para homogeneizar o coletivo, são generalizados.
A defesa de Ribeiro ao castigo físico se deve à Torah judaica e ao Antigo Testamento bíblico que exaltam tal punição pelos pais aos filhos e senhores aos escravos. Como na antiguidade os povos eram analfabetos, Ribeiro interpretou na extensão do poder auferido aos docentes.
Se para os crédulos a retirada do vídeo foi uma submissão às críticas de oposição política, por outro lado a defesa à laicidade pode ficar só no papel, a depender da conduta de Ribeiro. A razão é o projeto Escola sem Partido, defendido pela bancada da bíblia no Congresso.
Este texto propõe, na verdade, a adoção de uma pedagogia que impeça o debate político na alegação de "respeito às crenças religiosas e políticas dos alunos", prevendo punições severas aos docentes, da advertência à demissão ou exoneração sumárias.
A bancada se viu impulsionada pela aprovação, pelo STF, da adoção do ensino religioso na modalidade confessional nas escolas públicas, mas facultativo conforme a Constituição. Em razão da diversidade de crenças e fé e da laicidade estatal, as escolas públicas que têm ensino religioso continuam na forma histórica e laica.
Agora ministro, Ribeiro percebe que está numa encruzilhada, para tentar pacificar, a duras custas, num ministério sensível e destroçado, mundos muito diversos que se digladiam há com tempo: docentes, bancada da bíblia, Constituição e até o olhar atento do STF. Será que sai um conflito interno, entre o ministro e o presbítero?
Aí poderá se desdobrar um conflito interno: o pastor que entende as proposições do Escola sem Partido, e o ministro que tem ciência da laicidade cuja proteção constitucional ao colorido de fé e crenças está muito acima de interesses pessoais e de grupos pequenos, mas poderosos.
Duas figuras oponentes em muitos aspectos, mas não na sua totalidade. Por sua abertura ao diálogo, típico de um líder religioso e da carreira docente, Ribeiro pode tirar um bom proveito desse valioso ponto em comum, que pode significar a diferença para o futuro educacional do nosso país.
E o que impera é o anseio pela educação científica e pela liberdade crítica, e não da punição anticientífica e acrítica que, ele sabe, nunca resolveu o flagelo das infrações de alunos e ex-alunos, elemento mais gritante de uma nação que grita: Educação por amor, por favor!.
Quem viver, verá.
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Notas:
*Bullying - termo inglês que designa violência psíquica e/ou física nas escolas, para depreciar determinado aluno em virtude de suas diferenças, sendo uma forma de discriminação.
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