quinta-feira, 13 de agosto de 2020

100 mil pelo Covid: uma tragédia política

     O dia 8/8/2020 pegou o mundo e o Brasil: no Libano, mais de 100 mortos, milhares de feridos, prejuízo estrutural e gases tóxicos pela megaexplosão na capital Beirute.
     No Brasil, o Covid alcançou um patamar trágico, no patamar de 100 mil vítimas fatais. Um tema que merece uma análise crítica, que perpassa as diferentes reações na mídia, na população e, mais ainda, na classe política.
     O Brasil perde Dom Pedro Casaldáliga, o bispo dos índios, quilombolas e pobres, um gigante da Teologia da Libertação, que bate de frente contra a ala conservadora da ICAR. E a teledramaturgia perdeu a atriz e mãe-de-santo Chica Xavier. 
     Chica e Dom Pedro não morreram pelo Corona, mas o Brasil perdeu: ela defendia os seguidores da fé afro-brasileira, e ele, os alvos mais vulneráveis do terror de Estado engrossado no governo Bolsonaro. E eles temiam o terror do Covid sobre esses povos.
     Por sorte, eles deixaram seu legado, inspirando os lutadores que ainda vivem como Ivanir dos Santos e outros para os afro-brasileiros, e padre Júlio Lancelotti, Eduardo Suplicy (um político das bases) e líderes indigenistas e quilombolas.
     O trágico patamar do Covid é ainda mais tétrico a partir do fato de esses 100 mil, agora rumando rápido a 110 mil, serem dados oficiais, que se sabe muito bem, exclui muitos doentes graves que não tiveram o socorro necessário ou adequado.
     E junta-se a isso o fingimento das autoridades: ao apertar o botão "foda-se", Jair Bolsonaro dá de ombros: "toca a vida"; Paulo Guedes prioriza reformas e mais cortes na área social. No Congresso, seus presidentes ordenam luto hipócrita de 3 dias, e o STF, de 5 dias. 
     Muitas reações de internautas sobre a tragédia dos 100 mil. A maioria indignada, claro, e notícias de homenagens póstumas no país e repercussão no exterior. A OMS vê no Brasil e EUA, e na 2ª onda europeia exemplos da plenitude pandêmica.
     Entre o luto das famílias e o horror geral, Bolsonaro terceirizou a culpa desta vez ao STF, por lhe ter "tirado poder de atuar nas regiões". Todavia, todos sabem que isso é mentira e só agrada aos seus fãs mais aguerridos. 
     Na prática, o STF apenas reiterou cláusulas constitucionais que dão autonomia a prefeitos e governadores de atuarem nas respectivas regiões (links abaixo). E cabe à maior entidade do judiciário brasileiro, resguardar e reiterar a Carta Magna.
     Por outro lado, não merecem elogio os governadores e prefeitos que, mesmo sendo críticos de Bolsonaro, fazem igual ao liberar atividades propensas a criar aglomeração como praias, bares, igrejas. Devem carregar responsabilidade pelas consequências econômicas, humanas e materiais do flagelo em suas regiões de atuação.
     As pessoas também deveriam carregar a sua culpa: a cena do boêmio Baixo Leblon daquele sábado, em que jovens de classe média-alta se aglomeravam como nos velhos tempos, sem máscaras e se abraçando, é uma mostra clara. Por quê?
     Historicamente dominantes, as classes mais abastadas poderiam ter mais instrução, porém exemplos como o do Leblon têm mostrado a necessidade de reflexão sobre os significados reais de um simples termo: instrução. Complicado? Não.
     O que tem se observado nas classes dominantes, na prática, não é maior instrução, mas maior grau de escolaridade, que significa mais anos de estudo. A possibilidade de ter curso superior completo é também maior devido às chances financeiras.
     Instrução é o poder de reflexão desenvolvido pela pessoa. Embora o maior grau de escolaridade facilite a sua aquisição, essa habilidade se liga ao grau de senso crítico. Não é genérico, mas é possível ver ricos tão fãs de Bolsonaro e populares analíticos. 
     Pelo menos esse spoiler explica em parte por que muto do povo não se importa em se proteger. Governadores e prefeitos retornaram à normalidade que na prática nunca cessou. Um erro crasso que apenas revelou a prioridade à economia em detrimento da vida.
     Essa reflexão tem sido importante na compreensão de muitos brasileiros sobre a realidade da Covid-19 no país e, dai, aderirem mais às medidas profiláticas. Mas, por que então a maior parcela das vítimas fatais de Covid são de camadas populares?
     Não é difícil. O programa de auxílio emergencial foi repetidamente fraudado, e a maioria dos envolvidos não devolveu nada. E o governo já fez troça disso. Milhares de populares que não foram demitidos voltaram ao trabalho, com máscara artesanal ou nada. Muitos, sob livre pressão e ameaça de seus patrões.
     Essa massa também vive a promiscuidade habitacional, dividindo espaços exíguos com vários familiares, sem devidos recursos de higiene, nas favelas. Álcool gel nesses lugares é artigo de luxo. Problema também nas escolas locais, expondo os alunos e educadores a mais risco.
     Tudo isso explica a dimensão da tragédia e quem ela mais afetou. Quando o líder da nação diz "lamento, mas vamos tocar a vida" deve, como maior autoridade do país, assumir ser o maior culpado, tanto pelo péssimo exemplo de desrespeito à Carta Magna e pelas consequências econômicas.
     Consequências econômicas? Sim. Afinal, está morrendo quem realmente aquece a economia, a movimenta conforme o desígnio de oferta e consumo do capitalismo. E o anarcocapitalismo de Guedes não só emperrará a economia de vez como acelerará o ritmo da tragédia.
     Triste Brasil. Quem viver, verá.
      
     
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Crédito da foto: O Globo de 8/8/2020 (via Google imagens). 

Fontes
-https://www.conjur.com.br/2020-mar-30/constituicao-poder-cf-estabelece-cooperacao-federativa-crise-covid-19;
-https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-reafirma-competencia-de-estados-e-municipios-para-tomar-medidas-contra-covid-19-15042020;
-http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1;
-https://www.migalhas.com.br/quentes/324791/stf-governadores-e-prefeitos-podem-estabelecer-medidas-contra-pandemia;
-https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado;
Outras disponíveis no Google.



     
     

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