Curiosidade- Brasil treme: tremor de terra ou terremoto?
Neste segundo artigo da categoria Curiosidades, o tema sugerido por amigo é: tremores de terra no Brasil. Com linguagem acessível ao leitor leigo, o objetivo se focará em desmistificar a crença de que no país não tenha terremotos, e porque a preferência pela expressão "tremor de terra".
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IntroduçãoNo amanhecer de 30/8/2020, moradores de Amargosa, no Recôncavo baiano, acordaram com ronco indescritível de segundos do fundo da terra, e um tremor que danificou suas casas. Amedrontados, saíram de suas casas e se prepararam para a rotina diária. Mais tarde souberam se trata de um tremor de 4,6 magnitudes Richter, seguidos de réplicas.
No Globo de 17/9/2020, em um estudo do Serviço Geológico do Brasil levantou uma série histórica de registros de tremores na Bahia, e o recente ocorrido foi considerado o mais forte.
Em 19/9/2020, um terremoto de 6,9 Richter ocorreu no arquipélago de São Pedro e São Paulo, na costa potiguar. O fenômeno, de epicentro no oceano, foi registrado pelo Laboratório Sismológico da UFRN (LabSis). Houve danos materiais, mas não há menção de vítimas.
Com as notícias nas redes sociais, pipocaram comentários com diversas visões sobre os sismos no Brasil. "No Brasil tem terremoto, mas a maioria não percebe", "é mentira, no Brasil não tem terremoto", ou mais conspiratórios como "será que vai ter vulcão?".
Impressiona a maioria de comentários negacionistas, revelando a desinformação sobre as ocorrências de sismos e seus potenciais de estrago e vítimas. Em geral creem no "abençoado berço esplêndido" onde "não tem terremoto, furação nem vulcão". Doce engano.
Embora os registros brasileiros dignos de nota sejam raros, o que facilita a ignorância geral, a verdade é que os sismógrafos das universidades brasileiras anotam em seus gráficos muito mais tremores do que se pensa. É que essa quase totalidade não é sentida.
Causas
Aprendemos que a Terra é formada em camadas de dentro para fora: núcleo, manto e crosta. Nesta última é onde vivemos e extraímos e aproveitamos os seus recursos.
Composto principalmente de ferro e níquel, o núcleo é a parte mais metálica da Terra. O interno é a fonte de calor emitido por radiação e de gravidade. O externo interfere no campo e polos magnéticos. Tecnologias sismológicas detectaram uma zona núcleo externo-manto, uma provável origem de pontos quentes que sobem pelo manto e atingem a crosta.
Com mais de 2000 km de espessura, o manto é dividido em dois: superior e inferior, que se distinguem quimicamente. É sólido sob pressões imensas, mas se liquefaz nos "reservatórios de magma", para ser liberado como lava nos eventos vulcânicos. A viscosidade da lava é ligada à composição química do magma.
A maioria dos vulcões está nos continentes, onde a crosta oceânica mergulha por baixo da continental (subducção). Os de ilhas distantes nos oceanos, como as do Pacífico e do Atlântico, se originam de irrupções de bolsões de pontos quentes (hot spots) surgidos nas profundezas.
Variando de 5 km (oceanos) a 150 km (continentes), a crosta é fraturada em várias placas tectônicas (do grego tékton = construtor), que sempre se friccionam, se pressionam ou se afastam, e com isso ocorre tensão crescente, até que há uma liberação de energia como tremor sentido na superfície e com som: é o terremoto - nesse caso, de limites entre placas.
Os eventos mais fortes ocorrem nessas zonas limítrofes. Mas o corpo da placa toda tem as linhas fraturadas (falhas), que vemos na superfície como serras que, erodidas por vento, gelo e água, geram sedimentos que se depositam em camadas para as planícies. Embora estejam em áreas menos ativas, as falhas refletem ondas de eventos nas zonas mais ativas, ou ser epicentros de terremotos com quebra de sedimentos.
A movimentação das placas é contínua, mesmo após a liberação da energia do terremoto. Essa energia é refletida em ondas vibratórias horizontais nas falhas que, na área menos ativa da placa, também podem se tornar novos epicentros de terremotos locais, às vezes importantes.
Se próximos dos limites de placas os terremotos são mais intensos e frequentes devido à instabilidade geológica local, os ocorridos nas falhas "do interior" do corpo também podem se dever à acomodação de subsuperfície das camadas sedimentares sobrejacentes, podendo haver quebra das mesmas.
Assim se desenham os fatores para os terremotos.
Os mais fortes no Brasil
Os registros históricos de grandes terremotos são de países da Ásia oriental (China, Japão), Índia, todo Himalaia, Indonésia, parte do Oriente Médio, África oriental (em especial na zona etíope de Afar e Grande Vale do Rift), nossos vizinhos andinos, América Central e México.
Os terremotos mais fortes ocorreram no Chile (1960, magnitude 9,5), Indonésia (2004, 9,4), e no Japão (2011, 9,0), sendo o segundo o mais catastrófico, com mais de 250 mil mortos e um tanto de desaparecidos, e grandes danos materiais.
No Brasil, o terremoto mais forte com epicentro no território foi em 1955 no Mato Grosso, com 6,6 magnitudes Richter validadas pelos sismogramas de então. A não menção de vítimas se explica no local então desabitado, ou sem descrição sobre nativos na área.
O primeiro registro histórico é de 1690, de autoria do padre Samuel Fritz, em catequização de indígenas no Amazonas. A descrição é de forte tremor que gerou grandes ondas no rio que inundaram e destruíram aldeias. O pesquisador geólogo responsável estima que tenha sido de 7 magnitudes. Se confirmada a estimativa, este evento passará a ser o mais forte registro histórico no Brasil, de epicentro local.
Se houver confirmação da magnitude 7 no evento de 1690, este passará a ser o registro mais forte do Brasil. Para saber mais sobre registros históricos de sismos brasileiros, ver aqui.
Classificação dos terremotos
Os terremotos são classificados conforme a localização de seu epicentro e o processo.
Pela localização, são continentais, marinhos e insulares. Os primeiros têm epicentros nos leitos de rios, lagoas, lagos, represas, etc. Os dos segundos, em solo oceânico, foram o antigo "maremoto", que depois foi desusado por confusão com o tsunami. Os terceiros ocorrem em ilhas, em geral oceânicas.
Pelo processo, pode ser: cisalhantes (por atrito horizontal nos lados da falha ou limites das placas), de falhamento (atrito vertical em inclinação normal que escorrega, ou cavalgante), de rifte (afastamento de limites das placas), distensão (maior abertura da falha), de subsidência (porção de terra que abaixa por quebra da falha), de subducção (uma placa mergulha por baixo de outra com atrito), de colisão (de duas placas), de elevação (porção de terra que se eleva em zona de falha ou limite de placa).
Os terremotos marinhos podem ocasionar as tsunamis, por agito de grande volume de água. As tsunamis vagam no oceano a 800 km/h e, próximas à costa, perdem velocidade e ganham grandes alturas. Invadem ilhas e continentes destruindo tudo à frente e mudando a paisagem.
Mas as tsunamis ocorrem quando o terremoto tem epicentro raso na crosta e magnitudes geralmente acima de 7. Um evento de grau 7 gera tsunami se seu epicentro ocorrer em 10 km ou menos. Isso revela que tudo depende da do poder da energia liberada, da profundidade do epicentro na crosta, e mesmo da distância da terra emersa.
Tremor de terra ou terremoto?
Há muito se pergunta se os registros brasileiros são meros tremores ou terremotos de fato. Os termos geram confusão natural, mas explicável, se houvesse investimento real em difusão científica sólida e de longo alcance por mídias educativas e pela imprensa ao noticiar os fatos.
Basicamente, tremor de terra e terremoto são a mesma coisa. Bem no meio de uma placa tectônica, o Brasil tem eventos geralmente fracos, sem potencial de grandes danos e vítimas, daí a preferência por "tremor de terra". Mas na geologia não há regra, é terremoto ou sismo.
A explicação é simples: o meio de uma placa tectônica não é imune a tremores fortes com potencial catastrófico com mortalidade elevada. É bem provável que o evento de 1690 tenha causado mortes*, dada a descrição explicitada pelo pesquisador de Geociências da UnB, Roberto Veloso.
E, dado que na geologia não há regra obrigatória que distinga tremor de terra de terremoto, como processo ou sua causa, as acomodações de sedimentos mal consolidados na fratura do leito rochoso subjacente podem proporcionar eventos fortes, alterando a superfície ou o curso de rio próximo, se houver.
Portanto, pode-se concluir facilmente que tremor de terra brasileiro é, sim, terremoto. Sem choro.
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*Nota: não foi possível encontrar fonte com mostra original do diário de Samuel Fritz. (N. da A.)
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Para saber mais sobre o tremor no Recôncavo e matérias relacionadas:
- https://www.painelglobal.com.br/
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_sismos_no_Brasil
- https://www.cartacapital.com.br/carta-explica/o-que-causa-um-terremoto/#:~:text=Eles%20acontecem%20quando%20as%20placas,s%C3%A3o%20chamadas%20de%20placas%20tect%C3%B4nicas.
- https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/brasil-tem-sim-terremotos-e-ha-registro-ate-de-tremor-com-pequenos-tsunamis,0e52e4d35a98db8dc60435085a944a47v4bdlj9w.html
- https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/30/tremor-reconcavo-baiano.htm
- https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/08/30/moradores-relatam-tremor-de-terra-em-varias-cidades-da-bahia.ghtml
- https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/bahia-registra-tremor-de-terra-pelo-terceiro-dia-consecutivo,1e33ae364d966c56f20ec35c47c73dd02ut4w6cq.html
- https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/17/terremoto-registrado-no-reconcavo-e-considerado-maior-evento-sismografico-da-bahia-aponta-servico-geologico-do-brasil.ghtml.
- https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/apos-tremor-recorde-na-bahia-terremoto-de-69-graus-e-registrado-na-costa-nordestina/
- https://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/23/ult23u1983.jhtm
- http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2015/09/moradores-relatam-tremor-de-terra-em-cidades-do-litoral-de-sp.html
- https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/predios-sao-evacuados-apos-tremores-em-santos-sp.ghtml
- https://www.jcnet.com.br/noticias/nacional/2007/11/662616-terremoto-no-chile-reflete-em-sp.html
- http://www.labsis.ufrn.br/noticias/20754905/30-anos-do-terremoto-de-joao-camara#:~:text=O%20sismo%20de%20Jo%C3%A3o%20C%C3%A2mara,%3A%204.3%20e%204.4%2C%20respectivamente.
- https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/tremor-de-magnitude-6-4-na-escala-richter-atinge-cidade-do-acre-afirma-instituto-geologico
- Histórico: https://amazoniareal.com.br/pesquisa-atesta-que-terremoto-na-amazonia-em-1690-foi-o-maior-do-brasil/ (o 1º registro de terremoto no país)
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