O imbróglio político do perdão às igrejas endividadas
Nessa semana, o Congresso aprovou uma proposta legislativa, cujo texto previa o perdão concedido pela Receita Federal às igrejas em relação às dívidas acumuladas de quase R$ 1 bilhão. A aprovação do projeto reaviva um assunto recorrente na opinião pública.
O não pagamento de impostos pelas igrejas evangélicas é tema polêmico na boca do povo. As líderes são as neopentecostais e as pentecostais, que arrebanham 85% dos 43 milhões de seguidores no Brasil. Mas não é o contingente o fator de discussão.
É a relação entre entidade filantrópica e imposto. Entre os de encargos trabalhistas e de aquisição de material, há o imposto de lucro líquido (CSLL), pago pelos demais entes filantrópicos como abrigos sociais, ONGs, hospitais... E então?...
Estes impostos são pagos pela pessoa jurídica (a entidade em questão) ou a pessoa física responsável. E o CSLL, imposto alvo da dívida em tela, não foi isentado pela Constituição para o ente filantrópico. O que constitui sonegação, que a geral não sabe.
Esta sonegação também ajuda a enriquecer muitos líderes evangélicos, que ostentam um patrimônio financeiro e material vultoso, de mansões a aviões. Fazem na cara dura, aos olhos de todos. O grande poder econômico e de influência os promoveu à classe política.
Mas como, se as igrejas não têm fins lucrativos? Eles abrem conta em nome da entidade. O rendimento é contínuo, via depósitos assíduos de dizimistas e ofertantes, somados à sonegação do CLSS e dos impostos das aquisições dos bens pessoais citados. O valor da citada dívida se refere, portanto, à soma dessa dupla sonegação.
Os pastores mais influentes figuram entre os mais ricos do Brasil, conforme a revista Forbes. O campeão Edir Macedo tem hoje R$ 2 bi. Waldomiro (2º), Malafaia (3) e RR Soares (4º) têm centenas de milhões de reais cada. Todos da linha neopentecostal.
Isso virou uma febre em muitas das mais de 200 denominações de portes menores, algumas de nomes bem esquisitos. A maioria do povo percebeu nisso um negócio muito rentável, mas desconfiável: com liberdade política, algumas igrejas criaram partidos, como o Republicanos e o PRB, da IURD, Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo.
Daí ocorrer a participação em desvio de grana pública municipal, como a presente série de fatos a envolver o prefeito carioca Marcelo Crivella (Republicanos), em valor bilionário. Uma gestão que só fez definhar os serviços públicos essenciais e entregou o Rio ao abandono. E... Crivella é bispo licenciado da IURD e sobrinho de Macedo.
O caso Crivella-IURD é só um spoiler para entendimento. Vamos ao objetivo: o perdão às dívidas das igrejas foi aprovado com a participação, também, de deputados da ala de oposição. Após bom tempo de hesitação, o presidente Bolsonaro vetou o perdão. Pode-se aí perceber as duas faces da "moeda da treta": a da oposição, e a do presidente.
Na oposição, a maioria votou conforme orientação das respectivas siglas. PT, PDT, PSDB e Novo votaram contra em peso. PSOL foi todo contra. Já o PCdoB de Jandira Feghali votou a favor e foi criticado por "trair a esquerda". O líder Orlando Silva justificou a orientação na Constituição (citação).
A líder do PSOL, Sâmia Bomfim, justificou a orientação de sua sigla de "não ter sentido anistiar essa quantia num contexto de pandemia". Compreensível, visto que a Carta prevê recursos extras em contextos de emergência como o do Covid, houve, pelo governo, muitos cortes à saúde em plena crise e PECs antieconômicas de Guedes em curso.
Entre alguns círculos bolsonaristas houve, de início, a hipótese de o veto ter sido dado por pressão de Guedes, mas o presidente alegou seu veto em outro ponto: a anistia seria dada como crime de responsabilidade a descambar em impeachment certo. Mas o veto não foi total.
Basicamente, o veto se deu por motivos legais em discussão. Multas previdenciárias foram perdoadas, e há possibilidade de diálogos para novas isenções. Mas, politicamente, ele temeu perder apoio da briguenta bancada da bíblia. Apoio tão valioso não pode ser perdido.
Pura bravata: não há dispositivo na Carta que o condene à deposição a sancionar a favor da anistia, que o próprio apoia plenamente. Ele quis provocar o PCdoB. O problema é na lacuna legal, que necessita de regulamentação específica a templos religiosos.
Foi ruim para o PCdoB. Mas, para seu público de esquerda. Em parte, pela incompreensão deste sobre certas permissões pelo Estado às igrejas. Aos parlamentares faltou discernir melhor sobre a inclusão, na dívida, de valores da ilicitude tributária dos pastores muito ricos.
Mas, essa história só mostra como é delicado na política tratar de assuntos de instituições religiosas com imparcialidade. Ainda mais envolvendo questões como essa. Sempre haverá a sobra de imbróglio político, para uns, outros ou todos.
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*Nota 1: links das fontes nos escritos em azul.
*Nota 2: a Constituição Federal cita que “determina ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto” (justificativa de Orlando Silva ao voto favorável do PCdoB). Mas tal veto da CF não inclui os impostos explicados no início do texto, nem a incoerência de somente igrejas evangélicas não serem cobradas.
*Nota 3: fotomontagem - logo do PCdoB, caricaturas de pastores ricos e Bolsonaro (fotos via Google). O X sobre o logo simboliza a negação de "ser esquerda" na crítica ao partido pelo voto pela anistia da dívida em tela.
Fontes:
- https://www.poder360.com.br/congresso/de-24-partidos-apenas-o-psol-votou-contra-anistia-de-divida-das-igrejas/
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/13/bolsonaro-veta-perdao-de-dividas-tributarias-de-igrejas-informa-governo.ghtml
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