domingo, 25 de outubro de 2020

Devastação e colapso socioclimático

Quinto artigo da categoria #Curiosidades, que se focaliza nas alterações ambientais pelo homem e suas implicações climáticas a nível global.
****

     O governo Bolsonaro tem reiteradamente negado que os biomas brasileiros estão sob ataque humano cuja agressividade jamais foi vista antes. E ainda debocha ao dizer que o Brasil é "exemplo em preservação".
     O que todas as mídias de todas as vertentes negam. Pois 
os próprios fazendeiros não se importam com a sua exposição como destruidores intencionais, com aval do próprio governo.
     A destruição dos biomas brasileiros suscita hoje duas referências de um mesmo debate: a primeira se trata dos significados e implicações do problema, e a segunda, das teorias da conspiração a elevar o tom de um assunto delicado, porém urgente de discussão em ampla escala.
     O mais interessante é saber que enfrentar a conspiração se tornou mais desafiador aos cientistas do que divulgar seus estudos, pois a pseudociência é mais ampla e rapidamente disseminada entre o senso comum do que os achados científicos. Mas, é necessário enfrentá-lo, pois urge a coletividade ter ciência do flagelo e suas implicações, que recaem sobre nós, a biosfera e o clima global.
     O objetivo deste artigo é, pois, descrever as categorias de biomas tropicais e os climas, mencionar os fatores de alteração dos ambientes e as implicações gerais. 

-> Biomas tropicais pluviais

     As florestas tropicais pluviais são biomas arbóreos altos e ocorrem em toda a faixa tropical global (América, África central, sudeste e sul asiáticos, Oceania), cada qual com a sua composição florística e faunística, e cobrem áreas montanhosas e planícies. Abrigam a maior biodiversidade do planeta, com espécies ainda não estudadas e muito ameaçadas.
     Algumas florestas são sempre verdes e perenes, outras perdem folhas em parte ou quase totalmente na estação seca (semidecíduas, decíduas). Algumas são ombrófilas, mal deixam a luz do sol tocar o solo, enquanto outras são mais abertas e ensolaradas.
     O o Pantanal é um misto denso de cerrado, florestas diversas e chaco (estepe pantanosa) na maior planície de inundação do globo, em boa parte coberta por solos que retêm água. As partes florestais ocupam áreas de serra e planície seca, e há grande biodiversidade animal.
     Em geral o clima tem estações úmida e seca definidas. A pluviometria varia regionalmente. Os locais mais chuvosos são o sudeste asiático, Havaí, seguidos pela Amazônia e floresta africana. Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia propicia a maior área de distribuição de chuvas.
     Aliás, o potencial regulador climático dessas florestas é bem conhecido. São enormes os volumes de ciclos d'água1. Toneladas de carbono atmosférico são absorvidas, mantendo médias térmicas agradáveis e umidade equilibrada e distribuída para outras regiões, como o exemplo dos "rios voadores", da Amazônia, que atingem o Brasil e vizinhos.
     Tais "rios" irrigam vertentes leste dos Andes, chaco boliviano-paraguaio, pantanal e cerrado, onde encontram as frentes úmidas oceânicas do leste-sudeste e frentes frias do sul brasileiro, gerando mais chuvas aos fragmentos de mata atlântica do litoral até as áreas fronteiriças da Argentina, a favoecer rios perenes em áreas de clima subúmido.


-> Biomas subúmidos e semiárido 

     O cerrado é um tipo de savana, que se diferencia da africana pela maior densidade2 e mais porção arbórea. Em geral as árvores do cerrado têm porte menor que as das florestas. Limites: a oeste, pantanal; ao norte, Amazônia; a sudeste, mata atlântica e a nordeste, caatinga. 
     Sua área o torna o segundo maior bioma brasileiro, já fragmentado e descaracterizado pelo homem em mais de 50%. As Chapadas dos Veadeiros, Guimarães, Diamantina e Serra da Canastra estão entre os mais importantes parques de cerrado. 
     A caatinga3 possui uma vegetação adaptada a longas secas, com espécies que reservam água em seu interior como as cactáceas e árvores como a barriguda. Formações mais arbóreas são vistas em zonas limítrofes com cerrados ao sul e oeste, mata atlântica a leste e mata dos cocais ao norte.
     Abrangendo um vasto interior de 8 dos 9 estados do Nordeste e o norte de MG, a caatinga é o único bioma 100% brasileiro. Metade desse total foi deteriorada pelo homem e 20% correm sério risco de desertificação.
     Clima no cerrado: duas estações definidas, a seca nos meses de inverno e a úmida nos de verão, e com influências de encontros dos rios voadores, frentes frias e ventos oceânicos úmidos. Nas áreas arbóreas mais altas as chuvas alimentam nascentes de água a abastecer a maior parte das bacias hidrográficas.
     Na estação seca há incêndios que, naturalmente, se findam nas tempestades da estação úmida. O fogo é usado por muitas espécies da flora nativa para a sua perpetuação.
     Clima da caatinga: tropical semiárido; distribuição pluviométrica irregular (poucos meses de chuva intermitente ou alternância de anos mais úmidos com mais secos) por fatores diversos como El Niño ou La Niña no Pacífico. As chapadas da Borborema e Diamantina atuam como barreiras às frentes úmidas, daí a natureza do clima local.

-> Efeitos socioclimáticos da destruição do meio natural

     A exploração dos recursos naturais visando necessidade e conforto suficientes é hoje vista como inerente à própria vida, desde que não se priorize a capitalização. Mas, com notável exceção dos povos tradicionais e originários, o curso tomado pela ala "civilizada" foi bem outro.
     De conhecimento público recente, o aquecimento global já instaura modificações climáticas há milênios, graças à agricultura e às cidades. 
A seguida explosão civilizacional reverteu um resfriamento global há 6,5 mil anos atrás.
     A Revolução Industrial inglesa levou à migração de muitas famílias rurais para Londres, que cresceu rapidamente, desmatando o entorno, e a população dobrou em poucos meses. Sem gestão ambiental à época, a cidade ficou muito poluída devido aos dejetos domésticos e industrial e à fumaça preta e tóxica do carvão.
     É a inauguração da forma atual de devastação ambiental urbana. 
O uso de combustível fóssil4 para alimentar mais fábricas criou microclimas locais. E foi em 1850 que se iniciou a série histórica das médias térmicas, graças às primeiras análises sobre efeitos da poluição pela indústria e os moradores. 
     Esse estudo à época foi impulsionado pela percepção dos naturalistas de a cidade ser mais quente do que o campo. Ainda que muita descoberta estivesse por vir, os achados de então foram suficientes para haver preocupação com as implicações ambientais da atividade industrial e da superpopulação.
     No Brasil, a devastação ocorre desde a colonização. Mas foi na expansão industrial há 80 anos que a agressividade atual se mostrou e está aí. Ainda movidas a carvão, algumas indústrias são alimentadas pela madeira queimada em carvoarias improvisadas, algumas clandestinas, próximas às matas adjacentes.
     Assuntos ambientais desde os anos 1960-70 não sensibilizam governos e megainvestidores. Aqui, o ufanismo das "grandes obras" (maioria parada) da ditadura militar piorou a degradação da água, ar e solo. O uso de agrotóxicos, então já alto, hoje isola o Brasil em liderar o consumo desses venenos terríveis à saúde - nossa e de todos os elementos do ambiente.
     Embargos ambientais e fiscalização de órgãos ambientais na era PT (2003-16) mitigaram a média geral do ritmo destrutivo. Após 2016, o ritmo voltou aos níveis da era FHC (1995-2002). No governo atual, a agressão ao meio natural atingiu níveis inéditos: Brasil virou líder do triste ranking nesse critério.
     Já operam consequências climáticas importantes: a atmosfera amazônica está mais seca, e as massas de ar seco e quente de alta pressão ganham mais tempo e extensão. Na última, a umidade relativa ficou menos de 20% no vasto interior do país. Mesmo de origem natural (La Niña), a massa árida e duradoura é consequência do maior ritmo da destruição ambiental.
     Engana-se quem acredita que há regiões mais sensíveis do que outras às mudanças. Não há uma regra, pois elas já são sentidas tanto em locais mais habitados e ativos (fator humano), quanto nos desabitados: degelo acelerado, mais extremos atmosféricos (ciclones5, secas ou tempestades) e sazonais, etc.
     Isso sempre atualiza a série histórica das médias térmicas globais, além de evidenciar os nefastos efeitos da atividade antrópica sobre o clima a partir do meio natural, sem desconsiderar a origem natural do aquecimento global: este é apenas intensificado pelo homem, como salienta a NOAA6.
     Apesar de secular, a série histórica das médias térmicas só voltou à toma na mídia após os polêmicos apontamentos do IPCC6 sobre os efeitos do aquecimento global sobre o homem e o meio natural: perda da água doce, aumento do nível dos mares, acidificação da água oceânica, extremos sazonais, perda da biodiversidade e prejuízos finais na segurança alimentar, habitacional, na saúde, economia, etc. 
     Embora divirjam em certos detalhes sobre o citado fenômeno, IPCC e NOAA se complementam nas informações sobre efeitos físicos e químicos da atuação antrópica no meio natural e na biodiversidade. Portanto, ambas são valiosas.
     Analistas afirmam que a degradação ambiental se liga diretamente a violações dos direitos humanos, como os genocídios de povos originários no Brasil e na África, locais que sofrem intensa exploração de recursos naturais. A degradação ambiental espalha miséria, fome, sede, desabrigo e barbárie, cenário da anomia que derrete o sentido de sociedade e de civilidade.

-> Brasil: o que está por trás do negacionismo
     Os efeitos da mudança climática - e social - também já são sentidos no Brasil
     Assim como na pandemia de C19, o governo usa a anticiência para distorcer ou brecar o conhecimento público da realidade atual dos biomas. Ao negar incêndios na Amazônia e Pantanal "porque são úmidos", Bolsonaro expõe o caráter criminoso da degradação nesses ambientes.
     Sempre ocorreram secas, como as de 2005 e 2010, consideradas as mais severas. Ainda assim, não houve tamanho estrago, e olha que há incêndios criminosos há muito tempo. A seca de 2020 não justifica a devastação jamais imaginada, oque a torna notoriamente antrópica
     Hoje há 6% da extensão original da mata atlântica, m fragmentos por toda a faixa litorânea e interior, a maioria em áreas privadas, e os maiores nos estados de SP, RJ, BA. São os últimos refúgios de espécies exclusivas de fauna e flora, seriamente ameaçados de sumir pelas ordens do ministro Ricardo Salles.
     A revogação da lei de proteção a manguezais e restingas foi impulsionada pelo prazer de afrontar os princípios constitucionais conservacionistas e suas motivações científicas, visando somente desregular a especulação imobiliária, cujas consequências socioambientais serão imprevisíveis.
     Manguezais e restingas são delicados berçários de vida e geoestabilizadores. Qualquer modificação impacta as formas de vida e os terrenos, que são um risco às edificações: que o diga o fracassado Campo da Fé da JMJ-2013 em Guaratiba (RJ), no qual a água do mar desestabilizou o aterro que substituiu o manguezal que sustentava muitas famílias locais.
     Por isso, o negacionismo de Bolsonaro e Salles não é só ideológico, é fruto da ganância irracional e da mentalidade tacanha ou suspeita, compartilhadas com empresários de setores da especulação imobiliária, do setor financeiro e da extração indiscriminada das riquezas escondidas pelos meios naturais.
     Apesar de inviável conclusão prévia, a dimensão da devastação ambiental de 2020 já dá pista sobre as possibilidades alimentares das classes populares em 2021-2. Além da depressão econômica pós-Covid, o risco de seca severa causará crise agropecuária e hídrica, gerando ainda mais inflação e fome7.
     Mesmo sendo inviável concluir algo prévio, a dimensão da devastação ambiental deste ano já dá pista sobre as possibilidades alimentares das famílias de classes populares em 2021. Além do down econômico pós-C19, o risco de seca poderá prejudicar muitas culturas e escassear a água, resultando em mais famílias atingidas pela fome7, que volta com força.
     As notas na mídia sobre o somatório de danos ambientais em 2020 são pouco detalhadas. A total da área devastada da Amazônia supera a cidade de São Paulo e no Pantanal, 21% da extensão. Empresas do mercado financeiro já olham mal o país, que ainda corre risco de isolamento econômico internacional, algo muito desfavorável a nós.
     É. O cenário geral preocupa. Socioambiental, institucional, político e econômico. Triste Brasil.
     

----
Notas da autoria:
1 O conhecido ciclo da água: vapor, condensação, chuva ou neve, armazenamento, e sucessivamente. Todas as florestas do mundo fazem isso, mas as tropicais têm a maior cota.
2 Em espanhol, cerrado é "fechado", significado também usado na nossa língua.
3 Do indígena ca'ai - branca; ting'a - mata, relativa à cor desbotada e aspecto ressequido da vegetação em longas secas.
4 A descoberta do valor industrial do petróleo amplificou e diversificou do uso de combustíveis fósseis. Hoje se usa o gás natural na indústria.
5 Furacões, tufões, tornados, trombas d'água.
6
IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas de cientistas do mundo todo; e NOAA, laboratório Administração de Oceanos e Atmosfera do Depto de Comércio dos EUA. 
7
A fome teve índices menores no petismo, na junção dos programas Fome Zero Bolsa Família. Com o desemprego e fim do Fome Zero, a curva sobe a partir de 2017.

Para saber mais: (informações, artigos acadêmicos)
https://global.mongabay.com/pt/rainforests/kids/402.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Floresta_estacional_semidecidual
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Pantanal
- http://cristalinolodge.com.br/pt/the-southern-amazon/vegetation/deciduous-forest/
https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/floresta-tropical.htm
https://periodicos.ufsm.br/remoa/article/download/15213/pdf
- https://colatina.ifes.edu.br/images/tccs/AdmPub2018/TCC_AdmPub_2018_RomilsonRodriguesDeLirio.pdf
- http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=2861
- https://www.scielo.br/pdf/sn/v25n2/a06v25n2.pdf
- https://revista.fct.unesp.br/index.php/cpg/article/view/4749
- https://www.universidadebrasil.edu.br/portal/_biblioteca/uploads/20200313204119.pdf
- https://brasilescola.uol.com.br/brasil/problemas-ambientais-sociais-decorrentes-urbanizacao.htm
- https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/cerrado.htm
- https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/o-cerrado-agua-no-brasil.htm
- https://www.researchgate.net/publication/291798539_Caracterizacao_climatica_do_bioma_Cerrado
- https://www.fundaj.gov.br/index.php/conselho-nacional-da-reserva-da-biosfera-da-caatinga/9193-saiba-quais-sao-as-caracteristicas-da-caatinga#:~:text=O%20clima%20da%20Caatinga%20%C3%A9,com%20longos%20per%C3%ADodos%20de%20seca.
- https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/caatinga.htm
- https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/aquecimento-global-interrompeu-65-mil-anos-de-resfriamento-revela-estudo.phtml
- https://sciam.com.br/quando-os-humanos-comecaram-a-alterar-o-clima/
- https://www.bbc.com/portuguese/geral-46424720
- http://www.inpe.br/faq/index.php?pai=9 (série histórica de médias térmicas)
- https://www.ecodebate.com.br/2019/11/13/estudo-da-nasa-indica-que-atividades-humanas-estao-secando-a-amazonia/
- https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2020/02/brasil-ja-sente-impactos-das-mudancas-climaticas-e-situacao-pode-se-agravar





Nenhum comentário:

Postar um comentário

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...