quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Crise econômica e extremos da direita

     Quando eclodiu a 'crise' econômica de 2008, nos EUA, e seu eco na União Europeia, houve muitos movimentos de direita conservadora de economia liberal e de extrema-direita contra as então vigentes centro-direita e centro-esquerda.
     Não é surpresa: o nazismo surgiu no contexto da depressão econômica de 1929-33, que afetou em cheio a Alemanha, que já era uma nação central na Europa nesse campo. E o integralismo no mesmo período no Brasil.
     Surgida após a II Guerra, a guerra fria entre EUA e URSS foi uma forma de sustentação da direita capitalista frente ao bem armado "comunismo" soviético, assimilado e regionalizado no Camboja, Vietnã, China, Mongólia, Coreia do Norte, Cuba e outros.
     A guerra fria foi sustentáculo de um debate que nunca se acaba porque não tem vencedores mesmo no capitalismo globalizado: a dicotomia direita-esquerda e a diversificação nas duas vertentes.
     Em artigos anteriores, foram abordadas análises sobre ideologias conhecidas de extrema-direita como fascismo e nazismo relativos a Bolsonaro, e o mais recente, sobre o Tradicionalismo, que uniu Trump, Bolsonaro e Putin.
     Este artigo se centra na resenha sobre as diversas facetas dos movimentos político-ideológicos de direita. Mas, para esse objetivo central, vale um breve apanhado sobre essa dicotomia.

-> A dicotomia direita-esquerda: discussões

     Apesar de ser intensivamente explorada nas redes sociais (com frequentes erros interpretativos), a dicotomia direita-esquerda é mais antiga do que se parece, e sua compreensão pode não ser tão fácil devido à complexidade do próprio tema, conforme interpretação de diferentes autores.
     Laponce aponta quatro dimensões para distinguir ideologicamente direita e esquerda: econômica, política, religiosa e temporal. A direita se identifica com capitalismo, livre mercado, a fé dominante e o passado. A esquerda, com economia principalmente estatal, bem-estar social, intelectualismo, laicidade e mudança (futuro).
     Norberto Bobbio já simplifica a distinção de direita e esquerda na "diferença da atitude dos homens face ao ideal de igualdade", e discorda de Laponce: "há governos democráticos de direita, e nem toda esquerda é igualitária". Ou seja, evita generalizações.
     Nogueira Pinto vê na esquerda o "otimismo antropológico, utopismo, igualitarismo, economicismo, democracia, internacionalismo", e na direita "pessimismo antropológico, antiutopismo, direito à diferença, elitismo, antieconomicismo, nacionalismo".
     O consenso geral é a direita como tradição, neoliberalismo, conservadorismo, reacionarismo, religiosidade, anarcocapitalismo e nacionalismo; e a esquerda como progressismo, social-liberalismo, socialdemocracia, ambientalismo, socialismo libertário, secularismo, comunismo e anarquismo, com adaptações regionais.

Breve história dessa dicotomia ideológica
     Na Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa (1879-99) participaram os partidários do rei à direita do presidente do evento, e populares simpáticos à revolução à esquerda. Houve a máxima do deputado Barão de Gauville:
"Nós começamos a reconhecer uns aos outros: aqueles que eram leais à religião e ao rei (imperador) ficaram sentados à direita, de modo a evitar os gritos, os juramentos e indecências que tinham rédea livre no lado oposto".
     Apesar da discordância de muitos presentes, o Barão imortalizou essa dicotomia direita-esquerda, que emplacaria na Assembleia Legislativa de 1791 e no século XIX, ela marcou os monarquistas de direita e republicanos de esquerda. Até hoje, pois se verificou na polarização brazuca em 2018.
     Embora muitos autores considerem essa dicotomia insustentável e antidemocrática atualmente, o sociólogo Faria Pereira aponta ser uma práxis sustentada pelos próprios políticos em nome de seus interesses financeiros e de poder, verificados na direita dominante no Brasil e no mundo.
     Isso é reflexo do terror tocado pelas ditaduras em países ocidentais em desenvolvimento, em submissão aos interesses capitalistas dos EUA, acusando opositores de subversão comunista. Daí, mesmo na democracia se persiste a adversidade ideológica a impedir a eliminação dessa dicotomia.

-> Faces da direita: os extremos hoje criminalizados em lei

     Os fatos históricos desde o século XIX até hoje atestam a sobrevida de diversos movimentos, não obstante alguns serem ilegais. E outros que tiveram guinada ideológica por alegação prática, como o PSDB, PSB e PDT, originalmente de centro-esquerda para se assumirem centro-direita hoje.
     Essa guinada aparentemente não foi observada na Europa. Afinal, as visões práticas de direita e de esquerda europeias diferem das nossas. Mas a criminalização dos partidários extremistas por lá vem sendo rigorosa, mesmo nas democracias à direita. 
     A lei brasileira criminaliza extremistas de direita, mas a fraqueza fiscal e a cultura policial repressiva facilitam a sua sobrevida, o que se fortifica no atual governo, que teve nesses movimentos extremos amplo apoio, junto aos movimentos neopentecostais,
     Os movimentos de extrema-direita se caracterizam pela visão radical em anticomunismo, xenofobia, racismo, anticiência, antidiversidade, antidemocracia, nacionalismo e em referência religiosa. Seguem os principais, globalmente conhecidos, e um ligado a nichos militares e paramilitares.
     Fascismo- movimento político autoritário, estatal, nacionalista, xenófobo, anti-intelectual e violento. Surgiu na Itália no século XIX, com referência em Mussolini. É crime na UE e no Brasil.
     Nazismo- é ideológico, de nacionalismo étnico-racial, cristocentrismo, violência contra as minorias (também políticas, religiosas, sexuais), anti-intelectualismo, estatal-capitalista. Referenciado em Hitler, é crime na maior parte do Ocidente, inclusive na Alemanha, onde surgiu.
     Neofascismo e neonazismo- são versões modernas dos movimentos clássicos supracitados. Por aqui houve apoio deles à eleição de Bolsonaro em 2018. Também são crimes por lei.
     Integralismo- defende a convergência de elementos sociais, culturais, políticos e religiosos a ser imposta como política integrada na ordem nacional. No Brasil foi muito valorizado no início da era Vargas (1932-37). Não é crime, mas também não reconhecido na atual lei brasileira.
     Neointegralismo- versão moderna do integralismo. Mostrou apoio à eleição de Bolsonaro.
     Franquismo- com referência ao ditador general Francisco Franco, derivou do falangismo, fascismo à moda espanhola. Militarista, ultracatólico, violento, anticomunista e anti-anarquista. No Brasil chegou por uma minoria de imigrantes espanhóis. Hoje é crime.
     Neofranquismo- centrado na Espanha, é cristocêntrico genérico islamofóbico. É irrelevante, em comparação ao neofascismo, neonazismo e neointegralismo. Crime por lei.
     Arditismo- surgido entre militares italianos de baixa patente, se baseia em visão radical de resolver pelas armas os flagelos socioeconômicos. Embora militarista e anticomunista, não tem bem definidos outros elementos típicos dos supracitados, como nacionalismo, xenofobia, etc. É crime por lei.
     No Brasil, o arditismo tem simpatia entre militares e paramilitares1. E, nisso, revela uma importante estreiteza com a situação encontrada no momento atual.

-> Arditismo, Tradicionalismo, Bolsonaro: reflexões

     O compilado nos principais movimentos de extrema-direita teve como principal intenção mostrar a sua diversificação ao longo da história via regionalização a partir da Europa, até se chegar ao radical arditismo, que veio ao Brasil pela imigração.
     O arditismo entrou nos círculos militares brasileiros muito provavelmente a partir da admissão dos filhos de alguns imigrantes italianos nas corporações, mas ainda não se sabe quando. Mas, foi fácil a assimilação na cultura militar a partir de então.
     Os motivos possíveis seriam o encorajamento sugerido para intimidar descontroles pela violência e o caráter indiferente do arditismo em relação a elementos como nacionalismo, diversidade, xenofobia, religião determinada, etc. Dai as milícias serem também serem arditistas, pois dominam seus espaços pela violência.
     Na ditadura militar (1964-85), as forças militares usaram a força bruta contra presos políticos e em dissolver grupos de populares nas ruas. E, como já abordado neste blog, após o regime as polícias se viraram contra os mais pobres, periféricos e maioria não brancos, desencadeando a guerra urbana.
     É nesse contexto que surge a força política de Bolsonaro, no apoio das classes mais abastadas que viam nas intervenções das PMs nas favelas o pretexto de segurança a merecer bom olhar político. Foi a sacada de mestre que o elegeu, somada à estreita relação com o movimento neopentecostal.
     De fato, Bolsonaro acredita que a violência das forças de segurança "é um mal necessário" para arrasar com o mal a dar lugar para o bem, por sua vez representado nas virtudes diárias da fé cristã da maioria. Sob a sua sombra, a nação tradicionalista ressurgida das cinzas por bala, fogo e doença.
     Tradicionalista. Nessa nova ideologia Bolsonaro se sustenta, e se explica ao defender as milícias nas comunidades do Rio e a PM que "mata e põe ordem na coisa". Essa ideologia dos fins justificar os meios é a herança direta do arditismo que o elegeu. 
     Ou seja, o tradicionalismo de hoje (Bolsonaro, Trump e Putin) foi o arditismo de ontem.
     
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Notas da autoria:
1. Milícias de militares expulsos (ou não) das corporações, ou de "missionários" evanjas neopentecostais, como os Gladiadores do Altar da IURD.

Montagem: da autoria (imagens creditadas do Google: integralismo, fascismo, nazismo e arditismo. A seta indica a direção política desses movimentos)

Para saber mais:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Esquerda_e_direita_(pol%C3%ADtica)#:~:text=Os%20termos%20%22esquerda%22%20e%20%22,da%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20sua%20esquerda.
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Extrema-direita
- https://www.justificando.com/2018/10/16/pior-do-que-parece/
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/tradicionalismo-politica-e-misticismo.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-12/benjamin-teitelbaum-destruicao-e-a-agenda-do-tradicionalismo-a-ideologia-por-tras-de-bolsonaro-e-trump.html
    
     

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