sábado, 26 de dezembro de 2020

O Congresso entre o Centrão e... Centrão

     Com a perda do direito à reeleição à presidência parlamentar por decisão do STF, em respeito à constituição, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (ambos DEM) buscaram nesses dias os substitutos respectivos e os apoios suprapartidários.
     Maia conversou com colegas e escolheu Baleia Rossi (MDB) favorito, mas encara outros nomes com boas chances de vencer, como os governistas Arthur Lira e Marcos Pereira, Fábio Ramalho e Fernando Coelho Filho.
     
Já Alcolumbre encara uma situação mais difícil. Ele acena positivo para Eduardo Braga (MDB), favorito de Renan Calheiros, e há outros nomes como Eduardo Gomes (MDB), os tucanos Antonio Anastasia e Tasso Jereissati, e Álvaro Dias (Podemos), caciques tradicionais na casa, cuja influência é inegável.
     Mas vale salientar que não é tão simples quanto parece: a escolha de determinados nomes deparará com as preferências ligadas às bancadas temáticas, que já exerceram poder de fogo decisivo em várias votações importantes nas plenárias.

-> A influência das bancadas temáticas

     Alguns desses nomes compõem as bancadas temáticas, agrupamentos políticos suprapartidários que defendem temas que lhes sejam comuns e considerem relevantes. As mais conhecidas são a da bala ou segurança pública, a da bíblia, a ruralista, a ambientalista, a de minorias e a feminina.
     Nomes femininos fora da bancada da mulher defendem pautas conservadoras. Já a ambientalista e a de minorias defendem pautas progressistas, agregando projetos comuns à esquerda. Mesmo minorias, podem fazer barulho suficiente para brecar votações importantes.
     Liberais na economia, as bancadas conservadoras são maioria e têm alguns nomes do centrão. Mas o voto das progressistas tem poder, devido ao recente apoio a Baleia Rossi. O problema é o vacilo do PT por conta do voto favorável de Rossi ao impeachment de Dilma Rousseff.
     Tal apoio parece contradito, mas não é. Existe um clima de consenso sobre dois temas valiosos no momento: a corrida pelo plano de combate à C19 e o meio ambiente, assuntos que certamente sofrerão solene desdém em caso do presidente ser um bolsonarista.
     Nessas duas pautas, já houve diálogos entre nomes da oposição, como Jandira Feghali (PCdoB), Paulo Pimenta (PT) e Marcelo Freixo (PSol) com Rodrigo Maia, que já acenou positivamente sobre os temas antes mesmo de o STF dar seu veredicto contra a reeleição dos atuais presidentes.
     E não é só isso.

-> Os governistas Lira e Pereira: poderes e dificuldades

     O deputado federal Arthur César Pereira de Lira (PP-AL) é formado em Direito, tendo exercido a advocacia. É também empresário e pecuarista. Entrou na política na década de 1990, pelo extinto PFL, depois passou pelo PSDB, no PTB e no PMN, até o atual PP.
     Permanece bastante próximo do presidente Jair Bolsonaro, independentemente da saída deste do PP nos tempos de deputado. Hoje é um dos nomes mais fortes da sigla na Câmara e da turma do Centrão.
     Entretanto, pesam sobre seus ombros várias acusações, como improbidade administrativa, obstrução da justiça (participação em esquema de fraude- operação Taturana), enriquecimento ilícito, violência doméstica sobre a ex-mulher, e em crimes financeiros sobre a Petrobrás na operação Lava Jato.
     Tamanha quantidade de acusações não impediu a sua sólida permanência na vida pública, mas pode implicar em sérias dificuldades na corrida eleitoral na Câmara, junto a colegas sobre os quais pesam acusações mais leves ou sem evidências que os desabonem.
     Já o deputado Marcos Antônio Pereira tem formação em direito (exerce a advocacia), professor de Direito e bispo licenciado da IURD1. Foi ministro da Indústria e Comércio de Temer e atualmente é o primeiro vice-presidente do Congresso.
     A vida pública de Pereira é inexpressiva, comparada com a de Lira. O que não impediu a menção de seu nome na Lava Jato por ter recebido propina da Odebrecht. Tal acusação lhe valeu renúncia ao então cargo de ministro da Indústria e Comércio.
     Ser bispo da IURD é uma faca de dois gumes: se por um lado tem apoio da ala evangélica inclinada por Bolsonaro, por outro enfrenta ferrenha oposição por não ser um nome tão expressivo, indo mais por indicação de Edir Macedo, dono da IURD.
     Mas a indicação não foi somente do chefão da IURD; é também fruto de antiga reivindicação da parte evangélica da bancada da bíblia, que sempre lutou para ter representante de igreja em posto de liderança política.
     Entre os dois, Arthur Lira é aparentemente mais forte. Para Bolsonaro, tanto faz, ainda que prefira o alagoano. Até por sua imensa chance de ganho, segundo projeção publicada pelo Poder360.

-> Reflexões finais: quem ganha, quem perde

     É interessante o apoio da oposição a Rossi. Mas se explica em dois pontos: a união de forças contra os bolsonaristas, e discussão de pautas como política ambiental e combate à pandemia de C19, muito caras ao pessoal da esquerda. Resta apenas a decisão final do PT: mantém o ranço ou vai apoiar?
     A discussão e criação de propostas de lei, ou mesmo decreto legislativo, sobre o SUS e C19 e meio ambiente, por exemplo, já seriam vistas como vitórias primárias pela oposição, enquanto o grupo de Maia, especificamente, tem foco na votação de reformas2 e de privatizações.
     Como se imagina que em fevereiro a C19 ainda esteja em alta, é possível que se voltem as atenções para o plano de vacinação e injeção de recursos ao SUS e a questão ambiental - temas que uniram Maia e oposição contra Bolsonaro. 
     Essa discussão é certa se Baleia Rossi ganhar, mantendo o poder do centrão de Maia, e se aprovado o plano contra a C19, já será meio caminho andado. Se o eleito for Lira ou Pereira, o tema se voltará para as reformas tributária e administrativa, deixando as políticas mais urgentes para trás, derrotando a oposição.
     E quanto à população? Bem, esta segue perigosamente alheia a essa corrida. E pode perder mais do que já tem perdido e agora vive a se lamentar. Pois os temas supramencionados importam muito para o bem-estar geral.
     A presente vacinação em vários países, inclusive aqui no Cone Sul, vai gerar pressão. Bolsonaro ligou o foda-se, mas pagará a conta3. Pois a maior parte da população ainda é favorável à vacinação. Enquanto isso, a imprensa poderia ajudar o STF a neutralizar os negacionistas mediante campanhas.
     A injeção de recursos ao SUS segue na esteira da C19, bem como outras doenças, desde a atenção primária nas unidades básicas à terciária em hospitais de alta complexidade. A presente tragédia tem feito boa parcela da população reconhecer o valor do SUS que, mesmo alquebrado, salvou milhares de vidas.
     A política ambiental é também muito cara aos brasileiros: a conservação das áreas naturais mantém não só a estabilidade climática relativa, como também a produção e segurança alimentar. Mais de 70% dos alimentos consumidos pela população provêm de pequenos produtores e não dos latifundiários.
     Na questão de direitos humanos, está em pauta a discussão sobre a sobrevida de povos indígenas e populações tradicionais como ribeirinhos e quilombolas. O TPI4 recebeu muitas denúncias contra Jair Bolsonaro de crimes de genocídio5, acatando análise das mesmas.
     Agora, supondo-se Marcos Pereira o eleito presidente da Câmara, as pautas moralistas passam a ser focadas, e há o perigo de problemas graves de saúde pública serem mais desprezados ainda por isso. Seria um representante teocrático, mas a sua baixa expressão política rebaixa muito as suas possibilidades. 
     Finalizando, na conjuntura, o maior vitorioso será o centrão, pois qualquer presidente eleito vai dar força aos seus interesses mais específicos. Agora, os temas com aceno dos progressistas são valiosos no momento, e podem dar à nação um gostinho, ainda que discreto, de vitória. Para o centrão também, claro.
  
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Notas da autoria:
1. Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em Niterói no fim da década de 1970 por Edir Macedo e um grupo de amigos.
2. Rossi é favorável à reforma administrativa, contra o que o PT se posiciona - o que piora na indecisão do partido.
3. Sofrerá sucessivas derrotas e pode ser afastado do governo.
4. Tribunal Penal Internacional, em Haia, Holanda, responsável por análise de crimes contra a humanidade.
5. O genocídio pode se estender também à tragédia da C19, devido ao reiterado desprezo de Bolsonaro à sua gravidade.

Crédito da imagem: Google imagens.

Para saber mais:
- https://www.gazetadopovo.com.br/republica/quem-ganha-forca-com-o-veto-a-reeleicao-de-maia-e-alcolumbre-para-o-comando-do-congresso/
- https://www.gazetadopovo.com.br/republica/senado-eleicao-presidencia-favorito/
- https://www.poder360.com.br/congresso/conheca-quem-esta-no-pareo-para-assumir-as-presidencias-do-senado-e-camara/
- https://www.politize.com.br/bancadas-tematicas/?https://www.politize.com.br/&gclid=Cj0KCQiAuJb_BRDJARIsAKkycUkpHs6EsbQxsZXRDvTp1TXpLSzGT4zWwdQJCmH8BTnNN9APTd1Np2caAmygEALw_wcB
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Lira
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcos_Pereira_(pol%C3%ADtico)
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/12/15/interna_politica,1220716/tpi-analisa-denuncia-contra-bolsonaro-por-crime-contra-a-humanidade.shtml
- https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/tribunal-penal-internacional-de-haia-aceita-denuncia-contra-jair-bolsonaro1


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