domingo, 20 de dezembro de 2020

Tradicionalismo: política e misticismo


     Quando ocorreu de os EUA elegerem Donald Trump e, mais tarde, Brasil escolher Bolsonaro, se decretou a guinada para um viés bem conservador e de economia bastante liberal, e a sinistra aliança entre os dois presidentes.     
     Quando Trump se declarou contra o Maduro da Venezuela e Bolsonaro seguiu a mesma toada, a Rússia de Putin declarou apoio ao venezuelano. 
     Bastou para a polarização nas redes sociais, com o destaque para os bolsominions de "lacrar" que Putin apoia Maduro "por ser comunista".
     Se tal fala fosse na era soviética, talvez tivessem quase razão: Putin foi chefe da KGB, a polícia política da URSS. Mas, pelo verdadeiro conceito de comunismo, o politburo soviético foi capitalismo de Estado. Mas, isso é outra história para outro possível artigo.
     Mas, se Putin não é comunista de fato, que vertente política ele segue hoje em dia? E Bolsonaro e Trump, tachados de fascistas pelos opositores, são mesmo típicos? Bem, tudo indica que os três sejam tradicionalistas, e Orbán não. E é sobre isso que este artigo objetiva analisar.

-> Breve revisão: fascismo, nazismo, nazifascismo

     A revisão abaixo é um resumo da análise explanada em artigo deste blog de 7/6/2020, a respeito do movimento político do fascismo, o movimento ideológico do nazismo e a vertente nazifascista.
     O fascismo é definido por Robert Paxton, em Anatomia do Fascismo, como "mistura de patriotismo e nacional-socialismo com propensão a ataques violentos, anti-intelectualismo, rejeição a soluções de compromisso e desprezo à sociedade estabelecida", mesmo tendo "diferenciações específicas em cada governo fascista", segundo aduz Gustavo Monteiro, da UFJF1
     Trump e Bolsonaro assimilam características fascistas em comum, como a anticiência e a violência, e o primeiro mais robusto devido ao grande tamanho do Estado em seu país, diferente do segundo. Já Putin não é anticientífico, embora seja violento e governe um Estado forte.
     O nazismo, por sua vez, é uma ideologia extremista de nacionalismo convertido na unidade étnico-racial de determinado povo, a justificar violência contra os demais grupos socioculturais. Diferencia do fascismo de Mussolini na indiferença ao tamanho do Estado e boa ligação com grandes empresas.
     Se o fascismo foi um movimento político e o nazismo ideológico, a convergência de ambos se deu nos traços político-ideológicos em comum, daí o nazifascismo. O citado artigo creditou a Bolsonaro a tendência nazifascista, até surgir uma nova luz sobre o que une o brasileiro a Trump e... Putin. 

-> Tradicionalismo: o novo que é um perigo velho

     A nova luz veio de um estudo do professor Benjamin Teitelbaum, Guerra pela eternidade, que se baseou em entrevistas a ideólogos conservadores próximos a nomes como Olavo de Carvalho, Steve Bannon e Aleksandr Dugin, ligados respectivamente a Bolsonaro, Trump e Putin. 
     O estudo, que virou livro, surgiu da captação de particularidades visionárias dos ideólogos acima citados e seguidores, na infiltração da transmutação espiritual na vida política. Daí Teitelbaum desenhar o conceito de uma teoria, o Tradicionalismo.
     Um desenho de traços obscuros, que Teitelbaum chamou Tradicionalismo, com T maiúsculo para distinguir do conservadorismo tradicional, movimento político sem envolvimento religioso em si.
     O professor o define como um populismo antimodernista de extrema direita com viés autoritário e carga religiosa, que foca a política radical de costumes. A cena econômica pode ser neoliberal ou não, desde que seja capitalista. Se o foco nazista é étnico-racial, o tradicionalista é a moral de costumes e valores sociais.
      O Tradicionalismo se origina de "escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho [...]; a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser findado com destruição e renascimento". Daí o cataclismo, "para restaurar o que os tradicionalistas acreditam ser a verdade". Portanto, "há o elemento de destruição [...] que não necessariamente está no fascismo", aponta.
     O tom do professor é de alerta. ao apontar os sinais práticos, exemplificando a destruição ambiental e a violência no Brasil, e o negacionismo sobre a atual pandemia em vários locais do mundo, sendo um importante desafio aos governos progressistas.
     Ao se referenciar a líderes com perfil como o de Bolsonaro, Paulo Ghiraldelli resume essa ideologia a um conceito de capitalismo de bandidos que apenas visa o lucro próprio, às custas da destruição das instituições. Ele exemplifica o aparelhamento destas, por exemplo, como prova destrutiva.
     Bolsonaro, Trump e Putin são, respectivamente, católico romano, protestante e ortodoxo oriental, três vertentes cristãs que têm na Bíblia (mesmo com variações respectivas) como referência, e cujo último capítulo, o Apocalipse, trata de destruição e renascimento em plena virtude nos rígidos valores judaico-cristãos. 
     Se o brasileiro e o estadunidense têm estreitas relações com pastores e figuras evangélicas ilustres, Putin se aproximou da Igreja Ortodoxa para "mostrar serviço" contra o aborto e os manifestos públicos de LGBTQ+, entre outras "modernidades", enquanto investe pesado nas FFAA e no armamentismo.
     Ghiraldelli aponta Bolsonaro como legítimo antimoderno ao defender a criminalização do aborto independente de qualquer fator: a mãe que morra pela vida do filho. Filosoficamente ele é pela vida, mas para isso implica na possível morte da mãe. É uma forma de biopoder. 
     O biopoder é elemento compatível ao Tradicionalismo no sentido de que o novo ser vai representar o futuro de valores restabelecidos, outrora perdidos no período de sua mãe. A possível morte da mãe simboliza, portanto, o fim da decrepitude para dar lugar aos valores morais creditados pelos seguidores.

-> Orbán vs Tradicionalismo; Reflexões finais

    Vale analisar neste item por que o professor Teitelbaum não relacionou o líder húngaro Viktor Orbán como tradicionalista, mesmo tendo afinidades com os três supracitados líderes na proximidade com as igrejas respectivas (Orbán é ortodoxo) e no antimodernismo.
     Orbán defende política nacional-conservadora de extrema-direita, com discurso anti-imigração e contra os direitos LGBTQs e sexuais e reprodutivos das mulheres. Exatamente como Bolsonaro, Trump e Putin.
     Em duas ocasiões em 2019, Orbán organizou encontros com governantes conservadores como ele para traçar políticas que fortalecessem as igrejas nas decisões de Estado, apesar da laicidade reinante. A aliança com Bolsonaro minou ao se perceber a péssima gestão brazuca em meio ambiente e na C19.
     O líder húngaro não é favorável a políticas destrutivas para impor valores moralistas. Ele se alia à igreja local por interesse político e afinidade de valores, mas não na práxis apocalíptica. Daí ter razão o professor Teitelbaum ao negar Orbán como tradicionalista.
     Vale ressaltar que a Hungria integra a União Europeia, que defende a democracia, impedindo o ideal tradicionalista; e a ruptura de Orbán com o ex-deputado Jószef Szájer, artífice da Constituição húngara, flagrado em recente orgia gay numa boate em Bruxelas. Detalhe: é casado com uma juíza.
     A atual Constituição da Hungria defende o conservadorismo de costumes e prevê leis a restringir direitos de minorias, LGBTQs, e os sexuais e reprodutivos femininos ao criminalizar o aborto, exceto o espontâneo, desde que com prova médica oficial. Também é anti-imigração, pela identidade étnica.
     O fato da orgia gay revela o quanto o conservadorismo de costumes é frágil e questionável, tal como a teocracia. Ao impedir a nossa essência mais básica, a humanidade, o conservadorismo, tradicional de Orbán ou tradicionalista de Bolsonaro e cia., se torna uma ditadura do obscurantismo que apaga a luz no fim do túnel.
     Assim, o tradicionalismo, se em plena prática, não permitirá o renascimento, mas o Armageddon que é, simbolicamente, o fim de tudo. Sem volta.
     
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Notas da autoria:
1. Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
2

Fotomontagem: autoria deste artigo (crédito das imagens isoladas: Google imagens).

Para saber mais:
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/06/bolsonaro-nazifascismo-brasileira.html
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Putin (sobre Putin)
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Viktor_Orb%C3%A1n (sobre Orbán)
- https://brasil.elpais.com/internacional/2020-12-05/ascensao-orgia-e-queda-do-homem-forte-de-orban-em-bruxelas.html
- https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-12/benjamin-teitelbaum-destruicao-e-a-agenda-do-tradicionalismo-a-ideologia-por-tras-de-bolsonaro-e-trump.html
- https://www.youtube.com/watch?v=cmHCObRBE1c




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