Ecos atuais da reforma trabalhista
Antes de sua votação, milhares de trabalhadores foram às ruas, já enxuricados pela reforma da previdência, que estava em pauta no mesmo período. A intenção era mostrar aos congressistas e a Temer a sua indignação.
Temer dissera que os direitos seriam preservados, mas ninguém ligou. E, indiferentes aos indignados protestos populares e a muitos especialistas em trabalho, governo e congressistas levaram a cabo as votações e promulgaram a EC 55, a citada reforma. E ficou por isso mesmo.
Bolsonaro entrou com o anarcoliberal Paulo Guedes a tiracolo como ministro da economia, já prometendo novas mudanças no regime trabalhista na alegação de desonerar os empregadores e a proposta de 1º emprego para jovens de 18 a 24 anos, a carteira Verde Amarela.
A carteira Verde Amarela foi revogada em decorrência da crise e da falta de acordo com congresso, daí haver novas mudanças no regime reformado por Temer. ainda assim, Guedes está insatisfeito na alegação formal de 'desoneração das empresas'.
Quais mudanças, implicações e reflexões são objetivos deste artigo.
-> Breve história da CLT; e a EC 55
Toda a massa trabalhadora era regida pela CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, do Decreto-Lei 5.452, de 1º/5/1943, na era Vargas (1930-45). Foi assinada no estádio de futebol São Januário, no Rio, então capital federal, lotado de trabalhadores que foram comemorar o feito.
A CLT unificou toda a legislação trabalhista e incluiu direitos trabalhistas no conjunto legal geral, regulamentando o vínculo entre empregador e empregado em nível individual e coletivo. Foi legado do Congresso Brasileiro de Direito Social, das convenções internacionais e da Encíclica Rerum Novarum ("coisas novas") da Igreja Católica, de 1891.
Por décadas, ela foi o único regime jurídico trabalhista, abarcando até servidores públicos de órgãos da Administração Pública direta e indireta, até ser substituída pela Lei 8.112/1990, ou Estatuto do Servidor Público, previsto na Constituição de 1988.
Embora não tenha impedido algumas tretas nas relações entre empregado e patrão e tenha sido algo burocrática, a CLT varguista por 7 décadas permitiu a mediação e acordos em que as partes tivessem o mínimo de prejuízo.
Mas, com o capitalismo financeiro tomando aos poucos o lugar do industrial, e com as TICs1, os megainvestidores cobraram do poder público medidas de mudanças nas leis trabalhistas, alegando a "desoneração e desburocratização". Mas, há uma inverdade nessa história.
Os megainvestimentos sempre tiveram incentivos fiscais do Estado, sem pagar encargos por algum tempo, conforme a lei. Até já houve incentivos permanentes, aí irregulares. Mas foram ouvidos pela classe política, no governo Michel Temer, para mais essa. E daí surge a PEC que levou à EC 55.
A EC2 55 foi elaborada pelo governo Temer e apreciada, modificada em alguns pontos, votada e promulgada em 2017. Foi uma resolução rápida - característica adquirida pelo congresso, que ainda se mantém.
A reforma afetou só a CLT. O texto de Temer mantém os direitos pétreos, invioláveis, como férias, 13º salário, licenças. As maiores mudanças foram em acordos patrão-empregado (negociado acima do legislado), ações judiciais, contratos intermitentes e demissões.
Uma caixinha de surpresas - muitas desagradáveis
Os acordos acima do legislado sugerem liberdade e desburocratização, mas não é bem assim. Na prática, o patrão decide e o trabalhador se limita a acatar, para evitar a demissão sumária. Por isso que, em assuntos financeiros, o empregado fica sujeito a perdas.
Isso porque o empregador geralmente conhece os meandros da lei, geralmente ignorados pelo seu trabalhador, que pode ser convencido por promessas. Por isso, no final, há relatos de "não cumprimento da palavra" que motiva ações judiciais - que podem ser verdadeiras armadilhas.
Ações judiciais: na CLT antiga, o trabalhador beneficiário da justiça gratuita não pagava honorários, mesmo perdendo processo. A reforma extinguiu essa proteção, tendo o ex-empregado que pagar tudo, inclusive honorários da parte contrária e custos de perícia.
Um ponto controverso da reforma é a tarifa do dano moral, cujo valor é medido pelo valor salarial do empregado a ser indenizado por acidente, por exemplo. Para a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a tarifa é inconstitucional, e pode induzir a distorções meritórias.
Não por acaso, é em situações como essa, que os trabalhadores se dão conta da profundidade das mudanças. Sem falar na tradição de "dois pesos, duas medidas", comum ao meio jurídico, a favorecer quem tem dominância financeira e decisória.
FGTS: a multa aos ex-empregadores foi desonerada por alteração de artigo na reforma em 2019, baixando de 40 para 20%, e nos acordos o empregador ganhou sua margem de direito em até 50% do fundo.
Jornadas: embora o padrão constitucional de 8h/dia e até 44h semanais, a reforma trabalhista gerou novas jornadas que podem ser de até 12h, como plantões, mas somando as 44h semanais. Porém, sem fiscalização, surgiram muitos casos de hiperexploração, que pararam na justiça.
Demissão: embora a constituição de 1988 vete as demissões sumárias, sem justa causa, a reforma trabalhista deu brecha para flexibilizar em forma de acordos entre as duas partes, o que desencadeou alguns casos sumários - outra dor de cabeça para algumas ações judiciais.
Férias: a reforma as prevê em até 3 períodos conforme livre acordo. Mas, na prática, os acordos são muito raros: é o patrão que determina como e quando elas serão, geralmente em cima da hora, restando ao trabalhador acatar, mesmo a contragosto.
O contrato intermitente é quando um trabalhador é chamado pelo empregador para prestar serviço por tempo(s) determinado(s), sendo pago pelo período prestado. Propagandeado como desburocrático e moderno, esse tipo compõe menos de 1% do total de contratos formais, e pode ser uma armadilha.
Segundo estudo do DIEESE3, de 2019, a média salarial nessa modalidade é bem inferior ao salário mínimo, em torno de 64%, e em 22% dos contratos analisados, não havia renda nenhuma - talvez por falta de trabalho de fato, ou resultando de não cumprimento do acordo pela parte empregadora.
-> Ecos da reforma e reflexões finais
Muitas das principais promessas da reforma trabalhista de Temer, como a flexibilização das relações produtivas e a maior empregabilidade pela desoneração da folha, na prática não resultaram a contento.
A reforma de fato desonerou em alguns pontos, mas não foi significativa: Na prática, não resultou em mais empregos, não alterando os 12% no índice de desemprego em 2018 (excluindo subempregos, segundo o DIEESE), o que aumentou para quase 15% em 2020.
A crise econômica é sempre a alegação mais fácil, mas há outros motivos, entre eles o desinteresse do empresário em empregar, por se voltar para o sistema financeiro como forma de compensação de lucro.
A liberdade de acordos entre patrões e empregados, propagandeada como garantia de participação dos trabalhadores nos lucros da empresa, na prática não decolou. Como foi pontuado no item anterior, as negociações livres, quando existem, são manipuladas pelo empregador, ou não existem.
Essa inflexibilidade patronal está na cultura da higidez do mandante, chefe ou patrão, como forma de "impor ordem na casa" para "a empresa produzir com organização e racionalidade". É histórico, mas a reforma bem que poderia prever como o patrão deve mudar sua conduta... só que não.
O veto constitucional não impediu o aumento de demissões sumárias, com muitos trabalhadores se indenização. A maioria vai na justiça, mesmo no risco, dada a perda da antiga gratuidade.
A reforma refletiu em queda das ações judiciais, atingindo advogados trabalhistas, que passaram a diversificar seus préstimos para não perder seu ganho. Alguns justificam na moralização da reforma, que "freou improcedências", mas outros já alegam a falta de recursos financeiros dos trabalhadores.
Dada a inoperância dos resultados, a reforma trabalhista veio muito mais como um engodo do que como desburocratização das relações produtivas.
Concluindo, a reforma trabalhista não gerou praticamente nada de positivo, apesar de alguns pontos positivos - só no papel. Dada a perda que implicou aos trabalhadores, a reforma não deveria substituir a antiga CLT, que por 70 anos protegeu a classe operária sem prejudicar os patrões.
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Notas da autoria:
1. Sigla de Tecnologias de Informação e Comunicação, a partir da informática com internet.
2. Emenda Constitucional. Antes da promulgação é PEC (proposta de emenda constitucional).
3. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, que junta dados censitários e econômicos.
Crédito da imagem: Google (editada)
Para saber mais:
- https://eieiri.jusbrasil.com.br/artigos/684585687/a-reforma-trabalhista-e-o-registro-em-carteira-de-trabalho
- https://trt-24.jusbrasil.com.br/noticias/100474551/historia-a-criacao-da-clt
- https://veja.abril.com.br/economia/reforma-trabalhista-o-que-muda-nas-acoes-trabalhistas/
- https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48830450
- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/trabalho-intermitente-paga-abaixo-do-minimo-e-22-dos-contratos-nao-pagam-nada-por-vitor-nuzzi/
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