Petismo ou lulopetismo?
O resultado final das eleições municipais levou ao debate sobre a situação dos partidos de esquerda, como a ascensão do PSOL e a queda relativa do PT. Nas capitais os PT elegeu mais vereadores, mas em 130 cidades do interior se elegeram prefeitos petistas. Uma clara mostra de que o partido não está tão morto como gostariam bolsominions e outros antipetistas declarados.
Por outro lado, os resultados finais levam à reflexão sobre o que ocorreu ao PT de perder espaço no poder executivo nas capitais. Daí a montagem ao lado e a pergunta-título.
Embora tenha sido forte o suficiente para eleger Bolsonaro, o antipetismo não matou o PT, nem retira dele algo que se tornou, para o senso comum, sua essência: Lula - apesar da alta rejeição deste.
Em debates, muitos parecem traçar confusão de PT com Lula, como se ambos fossem um só. Será isso a gerar rejeição ao partido ou ao ex-presidente, entre os bolsominions e outros? O partido tem personalidade própria ou a de Lula?
São essas perguntas que levam à confecção deste artigo, para respondê-las no objetivo final de desfazer o nó que une pessoa e instituição.
-> Lula: trabalho, sindicato e política
Nativo de Caetés, distrito de Garanhuns, sertão de Pernambuco, Luís Inácio da Silva, o Lula, é um dos oito filhos dos lavradores Eurídice (Lindu) e Aristides. Aos 7 anos, 3 anos após ver a partida do pai, Lula e família foram para o litoral paulista a bordo do pau-de-arara1, em viagem de 13 dias.
Conviveram com Aristides por algum tempo, mas logo a 1ª família foi para a capital, exceto Lula e o irmão, o Frei Chico, indo morar num cômodo atrás de um bar. No litoral, Lula dividiu sua infância entre a escola Marcílio Dias e o trabalho de vender laranjas e catar caranguejos, lenha e mariscos no mangue.
Aos 12 anos já estava na capital com à família. Trabalhou numa tinturaria, de engraxate e auxiliar de escritório; aos 14 num armazém (primeira labuta formal), e cursou torneiro mecânico no Senai, sendo obrigado a deixar a escola ao trabalhar numa siderúrgica de parafusos, onde sofreu acidente que levou à amputação do dedinho da mão esquerda.
Indenizado em 350 mil cruzeiros, comprou um terreno e móveis para a mãe. Por 6 meses trabalhou numa empresa de carros, sendo demitido por recusar trabalho aos sábados. Após meses desempregado, entrou como metalúrgico em São Bernardo do Campo, onde, em 1968, iniciaria a vida sindical.
No Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, em 1972 ficou à frente da Diretoria de Previdência Social e FGTS, onde se destacou, e em 1973 depois cursou sindicalismo na Federação de Trabalhadores e Congresso de Organizações Industriais dos EUA.
Em 1978, em pleno AI-5, foi reeleito líder sindical e passou a guiar as greves do ABC paulista de 1978-80. Em 1980 foi preso no DOPS-SP por 31 dias e foi cassado do sindicato. Mas seu tino de líder político o fez decidir por fundar um partido para as classes populares: o PT. Pelo qual seguiria sua vida política, de ativista, deputado federal e presidente da República.
-> O PT, ontem e hoje
Após a anistia de 1979, Lula foi solto, e após absolvido da acusação de desordem coletiva na Lei de Segurança Nacional2, juntou-se a intelectuais, sindicalistas, movimentos sociais e católicos da Teologia da Libertação3 e artistas para fundar o Partido dos Trabalhadores (PT).
Foi fundado em 1980 por nomes de peso como Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa, Antônio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Hélio Bicudo, Chico de Oliveira, Luiza Erundina, Eduardo Suplicy e outros, e apoio dos Freis Betto e Leonardo Boff4. O TSE só o reconheceu partido em 1982.
O PT teve apoio da CUT, central sindical independente da pressão do Estado sobre os sindicatos. Mas o partido não queria a pressão dos sindicatos, com clara visão política de socialismo democrático, contrário à URSS e China.
Com esse time e direção política, o PT surge ancorado em uma filosofia ética pela qual se ramificou pelo país, por lideranças locais, no sinônimo de democracia e ética após anos de ditadura corrupta. Em 15 anos, já era reconhecido o principal partido de esquerda no país, junto ao PCdoB.
Com Lula constituinte em 1988, o PT cresceu mais, tornando-se possível de conquistar a presidência da República, o que teria sucesso somente em 2003, quando Lula foi eleito presidente, em sua quarta tentativa, após três derrotas.
Lula presidente inicia a era petista, que seria marcada por tema de dar dor de cabeça: a corrupção. Justo o que clamava tanto combater.
-> Lula na política, petismo e lulopetismo: reflexões
Idealizador e fundador, Lula influencia o ambiente interno do PT. Ajudou a eleger nomes como José Dirceu, José Genoíno, Paulo Paim, Olívio Dutra, Eduardo Suplicy. Foi maior ainda após sua aplaudida participação em coletivo popular pela democracia no Rio em 1982, junto a intelectuais, juristas, artistas e da Igreja.
Ainda em 1982, Lula voltou a SP para disputar o governo paulista, mas perdeu. Em 84 foi aplaudido no movimento Diretas Já!, e em 86 foi eleito deputado federal com recorde de votos, sendo constituinte em 88, quando se tornou presidente nacional do PT - que ficou mais bem armado eleitoralmente.
Foi após a Constituição e na presidência do PT que Lula deixaria a sua marca no partido, dando as últimas palavras nas tomadas de decisões internas. Eleito líder da República em 2003, ele deu lugar a Ricardo Berzoini no PT, se tornando presidente de honra por decisão do colegiado.
Como presidente do Brasil, Lula fez o melhor governo desde a redemocratização, no destaque no campo social que, mesmo tímido pelo neoliberalismo, foi reconhecido em vários títulos de honoris causa. Foi indicado 2 vezes ao Nobel da Paz, uma na luta contra a fome e outra na prisão recente.
A despeito da mancha da corrupção, foi na era PT que as instituições investigativas, entre outras, tiveram liberdade, indiciando nomes de vários partidos, ainda que a grande mídia, em plena liberdade, preferisse os petistas. Notícias de corrupção foram muitas no período Dilma.
Uma ironia: o famoso pacote anticorrupção foi proposta antiga do PT, mas foi ignorado por esbarrar nos interesses do Congresso dominado pelo centrão e as radicais bancadas da bala, da bíblia e do boi, cujos votos valem uma fortuna - porta aberta para todo crime contra o erário público.
Foi durante os dois governos que o povo passou a fundir Lula ao PT. Ora se atribuía sua atuação ao partido, ora ao próprio. Até os fãs de Lula (lulistas) são considerados petistas. É nesse contexto que se criou o termo lulopetismo, para designar esse fenômeno de fusão.
O termo foi criado pela grande mídia na intenção de criticar os governos Lula e a atuação do PT. Sem saber ou entender o seu significado, o povo o viu como "fusão Lula-PT": um exemplo é até os fãs do ex-presidente serem frequentemente chamados de petistas.
Mas, a melhor definição de lulopetismo é se basear na essência de Lula nas decisões internas do PT. O que, teoricamente, pode gerar ruptura na democracia interna, como na escolha de nomes para liderar internamente, de candidatos para as corridas eleitorais e até modificar princípios ideológicos.
Mas, isso é possível? Sim. A essência social democrata lulista não impede a projeção de políticos desligados dos valores de base, o que gerou conflitos internos e saída de nomes como Chico Alencar e Heloísa Helena, entre outros. Mas, nem todos esses desligados são necessariamente "do mal".
Eduardo Suplicy é um herói da resistência do velho PT popular, e Fernando Haddad é a marca do lulismo, conciliador e com inteligência aguçada por sua formação e docência. Nele Lula confiou para a eleição de 2018. Candidato tardio, sem dúvida teve uma bela campanha, mas não foi dessa vez.
A derrota eleitoral do PT em 2018 e nas prefeituras das capitais neste ano é uma oportunidade de reflexão dos petistas. Com 75 anos, Lula certamente confiará a Haddad a empreitada de 2022, mas será necessário despertar nele o espírito de liderança com pulso firme.
É bom salientar que essa reflexão cabe individualmente, não ao partido. Partido não se autocritica. Embora seja difícil se distanciar do jeito classe média devido aos atores de sua formação, o PT pode se voltar à grande massa popular que assiste à espera de diálogos, para viabilizar o caminho da conquista de um poder mais holístico.
E, quem sabe, Lula possa sorrir diante do PT holístico que possa viabilizar o país à volta do clima democrático e soberano, antes de, um dia, virar estrelinha.
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Notas da autoria:
1. Transporte irregular com caçamba adaptada para passageiros, ainda comum no interior nordestino.
2. No Brasil, visa hoje o combate à subversão da lei e da ordem e crimes de ataques à soberania nacional. Na ditadura foi usada para eliminar opositores políticos.
3. Filosofia progressista católica, pelos direitos humanos e contra toda injustiça social, fundado por Leonardo Boff. Rejeitada pela ala conservadora do Vaticano, é defendida pelo papa Francisco.
4. A biografia de cada um está disponível no site Wikipedia (pt.wikipedia.org, no qual se faz a busca)
Crédito das imagens: Google.
Para saber mais:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_In%C3%A1cio_Lula_da_Silva
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Seguran%C3%A7a_Nacional_(Brasil)
- https://www.youtube.com/watch?v=9FR3eLAQdTA
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Lulismo
- https://www.dicionarioinformal.com.br/lulopetismo/
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