segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A vacina que matou Bolsonaro 


     São Paulo, 17 de janeiro de 2021. Num saguão amplo, a enfermeira Mônica Calazans, do I. Emílio Ribas, foi a primeira pessoa a receber a vacina no Brasil. O governador João Doria acompanhou, e aproveitou um palanque, de boa.
     A vacina inaugural foi a Coronavac-Sinovac, produzida no Instituto Butantã. Além de Doria, estavam presentes o prefeito Bruno Covas e representantes do citado Instituto.
     A vacinação de Mônica foi realizada após a aprovação para uso emergencial das vacinas Coronavac e AstraZeneca/Fiocruz pela Anvisa - que fora acompanhada de declaração do seu diretor com crítica incisiva à atuação omissiva e mentirosa do MS na sindemia da C19.
     Tudo foi transmitido ao vivo pela mídia na TV fechada e na internet, para todo o Brasil, e acendeu a cálida chama de vela da esperança em meio às trevas de uma tragédia antes evitável, que hoje escancara a intenção de genocídio.
     A aprovação do uso emergencial das vacinas e a vacinação inaugural com Coronavac numa mulher negra, profissional de saúde, servidora pública e portadora de comorbidade, foram fatos suficientes para que houvesse um rebuliço geral em Brasília.

-> Breve resumo histórico da mixórdia

     Desde que a C19 foi declarada pandemia pela OMS, a comunidade científica global se mexeu para novas pesquisas. que descobriram o comportamento do vírus, a gravidade e sistemicidade que explicam a natureza complexa da doença e, enfim, a corrida das vacinas. 
     É claro que, por ter sido palco midiático do início da pandemia, a China foi também a primeira em desenvolver vacinas com a necessária ética científica e muitos voluntários. Dois laboratórios, a Sinovac (Coronavac) e Sinopharm, lançaram seus produtos, o primeiro em parceria com o Butantã.
     Mais recentemente, o ministro Pazuello declarou, ao responder a um jornalista na coletiva, que a vacinação vai acontecer "no dia D, na hora H". Ou seja, não respondeu nada, e por isso foi zoado nas redes sociais. Mas, a zoeira minou com o foco em Manaus.
     A geral se calou com as imagens fortes da tragédia: totalmente colapsada, a saúde em Manaus era pacientes com C19 graves no chão ou em macas improvisadas, servidores exaustos e adoecidos, e sem oxigênio. Numa ala inteira, 51 vítimas morreram no mesmo dia. Um cenário de guerra, o caos.
     O MS acusou as autoridades locais de "faltarem com o tratamento precoce" com o esdrúxulo kit-C19. Na live de 14/1, mentiras reiteradas sobre o caos e a defesa do kit levaram à crescente indignação popular. O Congresso começa se dar conta do efeito da panela de pressão.
     Foi a gota d'água: explodem protestos virtuais, panelaços e buzinaços, e surge a notícia: o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, se solidariza a oferecer oxigênio, a partir de Manaus. A pressão popular pró-impeachment aumenta sobre o Congresso. Afinal, ali há muitos cúmplices na tragédia.
     Mesmo tonto, o governo continua na iniquidade. Sem plano de vacinação, sem nada, ao saber da solidariedade do vizinho "comunista", ordena à FAB levar carga de oxigênio ao Amazonas. Maduro não recuou: a sua carga já chegou ao estado.

-> E a vacina matou Bolsonaro

     Por meses Bolsonaro desfrutou de razoável popularidade, em plena sindemia de C19. Inversamente proporcional ao seu desempenho de governante, de nota 0,1 na escala de 0 a 10. Foi ligada à estratégia de marketing pessoal "paz e amor" sobre algumas obras do PAC lulista e do auxílio emergencial.
     O conivente silêncio do Conselho Federal de Medicina diante do crime de prática médica ilegal de Bolsonaro se revelou num bom apoio velado de marketing. Todavia, encontrou em médicos altamente científicos um adversário cada vez mais imperioso.
     Mas a fonte foi secando: derrotas para a ciência, destruição ambiental mais agressiva, fim do auxílio emergencial e outros cortes sucessivos de Guedes na área social1, muitas aglomerações, a segunda onda da C19 após a falsa queda2 marcada pela crescente frieza sociopática do presidente.
     O apoio esperado da parte das azeitonas das FFAA não veio a contento. Talvez com a exceção dos capachos Pazuello e dos zumbis Augusto Heleno e Villas-Boas, que não são nada entre os demais nos órgãos. Se calaram na aprovação das vacinas pela Anvisa, feita por um... servidor público estável. 
     A politização da C19 em cima do sacrifício de milhares de profissionais da saúde hoje exaustos e adoecidos, o avanço da mortandade e da vacina, o incentivo à aglomeração nas igrejas, eleitores hoje arrependidos e críticos, e prefeituras sem bolsonaristas foram outros fatores de secagem.
     O auge da rejeição a Bolsonaro veio com o horror na saúde amazonense e na explosão de protestos virtuais, panelaços e nas ruas. E mais dois fatos selariam a agonia política do presidente: a chegada dos enormes galões de oxigênio venezuelano (e de famosos), e a vacinação inaugural em São Paulo.
     Mesmo moribundo, Bolsonaro reage: a Coronavac não é de Doria, é do Brasil", mas disse que não a comprará (?). E fechou: "as FFAA decidem se vamos continuar na democracia". Até prova contrária, não há apoio amplo na instituição a um golpe, por conhecerem bem o perfil sociopático do presidente.
     Baqueado pela aprovação das vacinas pela Anvisa e as críticas desta ao inútil e perigoso kit-C19, Pazuello tentou ajudar o chefe, num discurso corrigido: em vez de tratamento precoce, "atendimento precoce". Só não dá para saber se vai ser uma volta por cima.
     Bem, é fato que, passada a ressaca da comemoração do oxigênio venezuelano e da vacinação em Sampa, Brasília está em choque. Bolsonaro está praticamente morto. O oxigênio "comunista" foi um tiro grosso, é verdade, mas a chinesa Coronavac, a única ainda disponível, foi o tiro de misericórdia.

----
Imagem: Google

Notas da autoria
1. Em plena tragédia, Paulo Guedes ordenou cortes de fundos de investimentos públicos para a C&T, indústria, MPEs, saúde, sistema de aulas home office, etc.
2. Tratada como queda pela mídia, o MS de Pazuello desconsiderou as subnotificações, restringindo dados a confirmações de internados.

Para saber mais
- https://oglobo.globo.com/sociedade/primeira-vacinada-enfermeira-do-emilio-ribas-em-sp-24842682
- https://www.poder360.com.br/governo/pazuello-associa-colapso-em-manaus-ao-clima-e-a-falta-de-tratamento-precoce/
- https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/01/pazuello-diz-que-periodo-chuvoso-e-falta-de-tratamento-precoce-pioraram-cenario-de-manaus.shtml
- https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,contrariando-bolsonaro-diretores-da-anvisa-refutam-remedios-ineficazes-e-defendem-a-ciencia,70003584926
- https://www.youtube.com/watch?v=3pS8RLATucc (Ghiraldelli)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...