#Curiosidade: a dependência sufocante
Este é o décimo artigo da categoria #Curiosidades, na subcategoria Transtornos de Personalidade, que visa desmistificar os transtornos e ajudar alguém.
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Ele está no meio familiar: o filho que não consegue cortar o cordão umbilical que o prende afetivamente à mãe. A mulher que não tolera o divórcio. O idoso que não supera o luto da morte de algum familiar, seja filho, esposa ou irmão.
Ele também está nos relacionamentos amorosos: a jovem que persegue o rapaz, ou vice-versa; o esposo que se apavora à simples imaginação da possibilidade de viver sem o(a) parceiro(a); o casal inseparável, que troca juras de amor eterno e que se entrega incontrolavelmente.
São cenários que sinalizam uma espécie de distúrbio, o transtorno de personalidade dependente, sobre o qual este artigo se dedica.
-> Conceito, características, comorbidades, diagnóstico e tratamento
O afeto é uma propriedade emocional desenvolvida em várias espécies animais, e na humana atinge a sua dimensão mais desenvolta, fomentando relacionamentos estáveis mesmo em situações de atrito.
O Transtorno de Personalidade Dependente (TPD) é uma desordem psíquica sobre o controle emocional nas relações afetivas, com submissão, comportamento "pegajoso" com o outro, inadequação na habilidade de resolver as coisas por si e de independência do sentir.
O paciente se acredita incapaz de autocuidar e se submete ao outro para isso. Só toa decisão após conselhos, opiniões ou sugestões do parceiro ou familiar, que fica responsável por grande parte de sua vida. Pode concordar com algo errado por temer perder o parceiro, ou crítica de familiar ou amigo.
No trabalho, prefere tarefas de pouca responsabilidade por se achar incompetente e necessitar de apoio constante. Só acha seu trabalho bom se o colega supervisor aprova. Essa dependência não só o incapacita de se promover, como pode torná-lo inconveniente nas relações produtivas.
As interações sociais se ligam às relações de dependência. Se termina uma relação amorosa, logo de imediato procura outro que lhe corresponda às suas muitas necessidades, para perpetuar no "conforto" da submissão e da dependência.
Comorbidades: são comuns somas com depressão maior ou distímica, transtorno ansioso, ou outro de personalidade como o TPB ou o histriônico (TPH)1.
Prevalência: em média, menos de 1% na população geral; mulheres parece ser maioria, mas pareia com os homens (1:1), segundo dados nos EUA. Casos comórbidos são comumente internados. Brasil: atualizações indisponíveis (não publicadas).
Etiologia: ainda não bem esclarecida; já se observou em contextos familiares muito solidificados afetivamente e comportamento discreto (hereditário ou ambiental?).
Diagnóstico: critérios específicos; sintoma-chave: forte necessidade de cuidado do outro, submissão e apego; outros: precisar de conselhos e opiniões; dificuldade de discordar num debate; medo do abandono; sentimento de desamparo quando sós; nova relação urgente após o fim da anterior.
Tratamento: principalmente psicoterapia (cognitivo-comportamental e dinâmica), e antidepressivo a depender do caso.
-> Reflexões finais
O TPD lança luz na reflexão sobre a contradição do humano enquanto ser gregário, que explica os muitos episódios de solidariedade viralizados na mídia e nas redes sociais, e as dores de perdas de parentes e amigos muito próximos. Somos dependentes emocionalmente por isso?
Na verdade, temos um toque de dependência afetiva saudável que nos gera estabilidade de vivência sem prender o outro em nossas necessidades. Nossos laços afetivos em família são os mais sólidos, mas nem por isso doentes.
Como aponta a Psicopatologia, o doentio está na exacerbação, no descontrole emotivo, exagero de apego ao apoio ou cuidado de alguém, ou na relação afetiva em que o paciente TPD não suporta a ideia da perda. São sinais, e mesmo assim nem sempre muito fáceis de distinguir do normal.
Vale salientar que o diagnóstico supracitado não é universal, pois depende das características de comportamento relacional em diversos grupos étnico-culturais. O supracitado é válido para as culturas ocidentais, que valorizam a individualidade, a iniciativa e a independência.
No tratamento, o TPD é outro que gera desânimo adicional pela carência de acesso a psicoterapeuta, o que leva à covardia sobre o paciente que, na luta para melhor qualidade de vida, acaba dependendo de medicamentos, em muitos casos possivelmente desnecessários.
Ainda assim não se deve perder a esperança: apesar da dificuldade, ainda há terapeutas em alguns centros públicos de saúde em médias e grandes cidades. A informação sobre quais unidades e dias de disponibilidade é uma boa dica.
E, para finalizar, é necessário enfraquecer ou combater preconceitos contra os pacientes TPD: isso não é frescura, é uma luta difícil para ter ou restaurar a qualidade de vida. Difícil pela dificuldade de ter psicoterapeuta disponível, ou uma medicação mais acessível ou adequada à sua gravidade.
Espero que, com este artigo resumido, possa ajudar alguém ou alguém próximo.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. Será tratado neste blog a posteriori.
Para saber mais
- https://www.msdmanuals.com/pt-pt/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/transtorno-de-personalidade-dependente-tpd
- http://www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/person3.htm#:~:text=Os%20poucos%20dados%20de%20estudos,ao%20utilizar%20uma%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20estruturada.
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