quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Reflexão: a real ameaça da bravata 


     A semana mal começou, e o presidente Jair Bolsonaro declarou em tom ameaçador: "As nossas Forças Armadas decidirão se ainda viveremos na democracia ou numa ditadura". A fala deixou muita gente ouriçada, já imaginando tanques de guerra a desfilar nas ruas.
     É uma reação compreensível, afinal é um temor de algo que as pessoas na mais sã consciência não desejam de volta. Mas, foi uma reação irracional, instantânea, ou seja, puramente impulsiva.
     Pois vale concatenar vários fatos, dos quais a maioria possa não ter noção ou acredite não haver ligação. Mas há, e este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre as motivações da fala e as suas possíveis implicações.

-> Bolsonaro: um poder realmente militar?

     Ao nomear vários militares para vários órgãos, inclusive estratégicos em matéria de importância nacional, Bolsonaro passou para a patuleia aquela boa e enganosa impressão de que "finalmente as coisas vão funcionar". Bem, não necessariamente.
     A ocupação de cargos por militares em instâncias do governo não é novidade. Sempre houve alguns, mas nem na ditadura de 1964-85 foram tantos nomeados como agora, que conta com mais de 10 mil deles. Em maioria, a única atividade é ter adendo nos seus já vultosos soldos.
     Há um regimento disciplinar do pós-ditadura, segundo o qual as FFAA não devem participar de atividade política. O que, pelo visto, tem sido desrespeitado, ou foi revogado e ninguém soube.
     A pose de mando dos militares é enganosa. Bolsonaro foi claro: eles são subordinados. O que tem se mantido, independente de eventuais roubos de cena pelo vice Mourão, o chefão do GSI1 Augusto Heleno e o ministro da saúde Eduardo Pazuello.
     Aliás, Pazuello é mostra inconteste de que qualificação não interessa para ocupar cargos de chefia. Bolsonaro poderia chamar um oficial médico, mas espertamente negou: o médico seria uma barreira a seus propósitos mais instintivos. Uma mostra de que as flores da relação são escolhidas a dedo.
     Em janeiro de 2019 vários saíram, ofendidos pelo histriônico Olavo de Carvalho, e Bolsonaro nada fez por eles. Os militares têm olhado com reserva as políticas tortas de seu líder. Eles conhecem bem a sua passagem nada alvissareira no Exército, e seu assustador laudo psicológico clínico.
     O caos na saúde amazonense parece tê-los reaproximado. Mas é só por conveniência financeira e de poder. E só. Quarteis continuam sem comida para os soldados e sem munição e armas à larga, por falta de tradição guerreira - apesar da ampla publicidade para atrair os jovens.
     A falta de recursos materiais suficientes é um indicativo de que a ideia de Bolsonaro não seja mais do que outra de suas intermináveis bravatas para distrair a geral, em plena segunda alta da C19.

-> Utilidade das FFAA e a real de Bolsonaro
 
     Mera bravata ou intento de golpe real, a fala de Bolsonaro, segundo Juan Arías, não deve ser vista como brincadeira, mas como perigosa ameaça à democracia, na tentativa de ele tentar se manter no poder a todo custo, por se acreditar "enviado e blindado por ele", como alguns pastores já disseram.
     Isso revelaria a utilidade dos militares no governo Bolsonaro: uma barreira contra todo intento de impeachment pelo parlamento. Deus usa farda e porta arma. Uma ideia de efeito especial entre jovens interessados na carreira militar ou ideólogos militaristas. 
     Não é tão por acaso que o ministro Paulo Guedes, em 22/4/2020, fez a perigosa proposta sobre alistamento de jovens para treinar nas FFAA por um ano e, também, a recente proposta de Bolsonaro junto aos parlamentares sobre as polícias regionais mais... autônomas.
     Todavia, vale ressaltar que não há publicação de reação das FFAA às propostas de Bolsonaro. Reina um silêncio sepulcral, que dá margem a interpretações muito diferentes. 
     A mais possível delas seria o famoso "quem cala consente"; outra pode ser um "deixa disso". O mais provável, no entanto, pode ser o silêncio a mando de algum dos milicos mais leais ao presidente, para evitar vazamento na mídia.
     Mas há outra circunstância interessante a lembrar: a bravata serviu como reação do presidente ao próprio nocaute devido à aprovação da famigerada Coronavac e às críticas ao Kit-Covid pela direção da Anvisa. E os militares que infestam a agência reguladora nem se lixaram para a manifestação.
     A aparente inação desses militares na Anvisa é um indicativo que não deve ser descartado. Ela pode dizer muita coisa, sendo a mais palpável a posição neutra em relação aos arroubos do líder atual. Até parecem distantes da ideia de impeachment: "ah, isso não é com a gente".
     Por tudo isso, a boquinha é o grande elo a ligar os militares a Bolsonaro. Um elo tão tênue que, ao menor sinal, tiram o seu da reta. Mas, e o golpe? Golpe? Ah, mordeu sim, mas logo assopra. Guedes não usa farda e é muito pior.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Sigla de Gabinete de Segurança Institucional, um adendo à Abin, por sua vez um substituto do SNI da ditadura.

Para saber mais
https://www.defesanet.com.br/pr/noticia/33480/Bolsonaro-x-Militares---Cada-um-no-seu-quadrado/
https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/crise-na-amazonia-reaproxima-bolsonaro-e-militares/
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/01/bolsonaro-e-as-pms-prenuncio-de-golpe.html
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-01-18/o-desafio-arrogante-de-bolsonaro-que-acredita-ser-blindado-por-deus.html

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