#Curiosidade: duas versões dos "esquisitos"
Conhece alguém que seja assim... esquisitão e/ou excêntrico? Claro, sempre nos deparamos com gente assim, e nunca sabemos porque são assim. São dois tipos nesse artigo da categoria #Curiosidades, subcategoria Transtornos de Personalidade.
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Beatriz é uma jovem ativa: é auxiliar de escritório durante o dia e estuda Direito à noite. Sua irmã, Berenice, é uma professora da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. Beatriz é introvertida, muito "na sua", e Berenice vê razão mística para muitos acontecimentos, com fama de excêntrica entre os colegas.
Nesse momento da sindemia de C19, as duas irmãs se dedicam aos afazeres principalmente por home office. Beatriz aparece mais no trabalho, às vezes, quando solicitada pelo seu chefe, enquanto Berenice cumpre na escola vazia alguns encontros burocráticos.
O home office para Beatriz e Berenice é ótimo; para a primeira por ser solitário, e para a segunda, uma facilidade esperançosa de que nada está perdido. A primeira não se importa com o que pensam sobre a sua aparente indiferença; a segunda idem, mas "tudo se resolve", pois "os deuses conspiram a nosso favor". Mas bem que poderia ser diferente...
A geral não sabe, mas Beatriz e Berenice têm uma história de psicologia difícil. Sim, ambas, cada uma com uma versão própria de um transtorno psíquico de personalidade. Não são agressivas, mas, sim, "esquisitas". Essas duas versões da "esquisitice" são temas deste artigo.
-> Transtornos de personalidade esquizoide (TPEqz) e Esquizotípica (TPEqzt)
O Transtorno de Personalidade Esquizoide tem a sigla TPE no MSD-V1, mas para evitar confusão com o de personalidade esquiva (TPE), este artigo usará a sigla TPEqz.
Para o TP Esquizotípica, será usada a sigla TPEqzt para distinguir do tipo esquizoide (TPEqz) e do TPE (esquiva). Também sigla TPE no DSM-V.
O quadro geral do TPEqz é de desinteresse por relações sociais e emotividade limitada em relações interpessoais. É um transtorno de características estáveis ao longo da vida.
O quadro geral do TPEqzt, por sua vez, é de desconforto em relacionamentos íntimos, percepção distorcida (florida) dos fatos e um comportamento excêntrico. É da subclasse dos TPs excêntricos.
Clínica, comorbidade, prevalência, diagnóstico, tratamento
A pessoa TPEqz não aparenta interesse em relações sociais amplas, nem com parentes, com exceção da família e parentes próximos. Prefere hobbies sem interação social, como caminhadas solitárias ao ar livre ou sentar-se num banco ou diante da janela para ver o movimento das ruas ou da natureza.
Relações interpessoais são limitadas, sem amigos confidentes. Não se importa com o que pensam dele, se bem ou mal, passando a impressão de autoabsorvido. Devido ao distanciamento aparente, seus namoros são raros e tende-se a ficar solteiro; o interesse sexual é eventual ou esporádico.
Não demonstra reação a fatos importantes e parece passivo diante de certas circunstâncias. Mas, ao se sentir à vontade em algum momento com alguém, pode revelar seu sofrimento nas relações sociais ou interpessoais mais íntimas. Tem cognição e consciência normais, sem alucinações ou paranoias.
A pessoa TPEqzt também tem limitação social, mas por acreditar que não foi aceita por ser diferente, e fica ansiosa em momentos sociais, mais ainda com desconhecidos. Atribui poder mágico aos fatos ou em relação a alguém (ideias de referência), e poder protetor mágico se fizer algo três vezes ao dia ou antes de algum afazer, por exemplo.
Na comunicação, usa linguagem e maneirismos estranhos ou bizarros, e não olha direto para o seu interlocutor. Sua vestimenta é também assim, ou descuidada. Pode ter conduta rígida por não entender ou não se adaptar às dicas sociais habituais. Tende a ser fora do convencional. Por vezes acredita que os outros quere interferir em sua vida.
Prevalência: para o TPEqz chega a 5% da população geral, e para o TPEqzt, até 4%. Ambos, mais presentes no sexo masculino (EUA). No Brasil, faltam dados atualizados.
Etiologia: para o TPEqz é principalmente ambiental (indiferença ou negligência na infância); para o TPEqzt, sobretudo biológica por compartilhar algumas alterações cerebrais da esquizofrenia.
Comorbidades: a principal é a depressão maior (até 50% das pessoas TPEqz tem 1 episódio, e entre os TPEqzt igual incidência, mas pelo menos 2 episódios). Transtorno psicótico leve pode ocorrer em algumas pessoas TPEqzt sob estresse. Mais raramente, pessoas TPEqz podem ter TPL2.
Diagnóstico: critério clínico pelo DSM-V; sinais no início da vida adulta (abaixo, conforme tópicos para cada TP em tela):
TPEqz: desinteresse por relações sociais; impressão de autoabsorvido; preferência por atividades e lazer solitários, passividade aparente frente às oportunidades; desinteresse afetivo e/ou sexual.
TPEqzt: limitação social por se acreditar mal visto; comunicação, pensamento e vestes bizarros; crenças idem; falta de adaptação a dicas sociais habituais; suspeição com aparente interferência na sua vida.
Tratamento: para ambos, psicopterapia comportamental e de habilidades sociais. Medicação: só em casos específicos graves, a critério clínico (TPEqz), e antipsicóticos de 2ª geração e antidepressivos a pacientes TPEqzt, como tratamento primário, para aliviar a ansiedade.
Geralmente, os pacientes dos dois TPs tendem a aceitar os transtornos, após uma resistência inicial.
-> Reflexões finais
O diagnóstico de esquizoide e esquizotípico não é fácil, assim como os demais transtornos. Para o esquizoide, por exemplo, o profissional procura observar principalmente desinteresse generalizado e passividade aparente aos fatos, oportunidades e pessoas, e não a introversão.
Sujeitos muito tímidos ou introvertidos em geral têm habilidades sociais e interesses normais, bem como reagem a fatos ou circunstâncias. O tímido tende a se embaraçar numa conversa, e o introvertido é mais ouvinte do que falante.
Já o esquizotípico pode ser confundido com pessoa de humor crítico e teatral, que tende a se vestir de modo muito peculiar, não necessariamente descuidado ou espalhafatoso.
A prescrição de medicação é determinada pelo profissional em especial para esquizotípicos classe comórbido grave, com mais episódios depressivos ou de caráter psicótico. É excepcional prescrever para o esquizoide comórbido, dada a ausência de visão distorcida da realidade.
De qualquer forma, mesmo que deparemos com um paciente desses, devemos nos lembrar de que cada um de nós é único, com reações próprias às pressões exercidas pelo mundo atual, e habilidades precípuas. Portanto, de maluco, todos temos um pouco. Preconceito não cabe aqui.
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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)
Notas da autoria
1. Manual Diagnóstico de Doenças Mentais, sigla em inglês. O V é a 5ª edição.
2. Transtorno de personalidade limítrofe ou borderline.
Para saber mais
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/transtorno-de-personalidade-esquizoide-tpe
- http://www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/person2.htm
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