segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Respingos da prisão de Daniel Silveira: análise


     Nessa semana, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) postou um vídeo no qual destila fala ameaçadora e de ódio dirigida aos ministro do STF, principalmente Edson Fachin. O vídeo viralizou nas redes sociais, a partir de postagem do próprio deputado.
     Além das ameaças e expressões de ódio em linguagem chula, o deputado caprichou na sua apologia ao AI-5 da ditadura militar. Terra fértil para germinar a decisão do ministro Alexandre de Moraes pela prisão em flagrante, favorecida por 11 a 0 no STF.
     Na Câmara, o tema da prisão ganhou urgência. Arthur Lira, presidente da casa, formalizou votação aberta para o tema. Resultado: 364 votos em bloco a favor da prisão. O presidente Jair Bolsonaro se silenciou sobre o fato. 
     Aliás, de onde saiu Daniel Silveira? Qual o significado legal dessa prisão? Esses e outros tópicos serão analisados aqui.
     
-> A ficha corrida de Daniel Silveira, o fortão inapto

     Daniel Lucio da Silveira (Petrópolis, 1982) teve outas ocupações antes de se entrar na PMERJ em 2012 através de uma batalha judicial. Estudou Direito na Universidade Estácio de Sá. É também professor de muhai thai e defesa pessoal. Mas, o que lhe deu fama foi a indisciplina agressiva.
     Em 2007, como cobrador de ônibus em Petrópolis, explicou na delegacia a origem de várias licenças falsas para faltar ao trabalho. Investigações apontaram que o "homem de branco" que os assinava era um faxineiro do hospital. Em 2012 foi preso pela primeira vez por vender anabolizantes em academias.
     Na sua passagem na PMERJ recebeu duas advertências, 14 repreensões, 60 sanções disciplinares e teve 90 prisões, uma delas de mais de um mês. Obteve novas licenças para evitar a expulsão e driblar a Lei da Ficha Limpa. Mas, a conta chegaria, através de um vídeo que o notabilizou.
     O vídeo foi sobre um patrulhamento em Duque de Caxias (RJ), denunciado à Ouvidoria do MP-RJ como ação paralela. O que motivou a sua expulsão da corporação. Nesse e em outros, Daniel defendia o lema "bandido bom é bandido morto", daí a apologia às violentas operações nas favelas. 
     Em 2018, após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), Daniel e o colega Rodrigo Amorim quebraram uma placa simbólica criada por militantes. Eles alegaram que a placa cobria a de sinalização da praça Floriano Peixoto e para "evitar vandalismo dos psolistas".

Um político meia boca e agressivo
     Eleito na violência do bolsonarismo, Daniel foi um votante favorável a textos deletérios governistas como congelamento salarial de servidores públicos, benefícios a caçadores e atiradores, legalização da grilagem, pacote anticrime de Moro, reforma da previdência, anistia a dívidas das igrejas, etc. 
     Votou contra criminalização dos responsáveis por rompimento de barragens, exclusão de docentes2 da reforma da previdência, aumento do fundo partidário e o Fundeb apenas para ensino público.
     Fez duas propostas ridículas: um "dia nacional em memória às vítimas do comunismo" (oi? Como?), e a doação obrigatória de órgãos de pessoas assassinadas pela polícia.
     Em 2019, como "autoridade", invadiu o Colégio Pedro II alegando uma "cruzada pela educação" para suposta inspeção: a reitoria o denunciou à PF por entrar sem autorização. Depois, publicou fake news sobre a revista AzMina, e foi flagrado insultando o jornalista Guga Noblat e jogando seu celular ao chão.
     Em 2020, pagou com grana pública R$ 110 mil ade consultoria a uma empresa que ainda não estava aberta, segundo a revisa Época. E também participou de atos antidemocráticos contra o congresso e o STF.
     E neste 2021, se destacou em dois vídeos: o que o levou à atual prisão, e outro de cunho racista, no qual ele disse que "só contrata pessoas brancas". Mais um crime na conta.

-> Reflexões finais: os respingos da prisão

     A prisão de Silveira respingou nas instituições públicas e privadas, na opinião pública e até mesmo na presidência e sua ideologia.

Entendendo a decisão do STF
     A decisão de Alexandre de Moraes pela prisão do deputado se valeu em crimes de atentado contra o Estado de Direito com violência; tentar impedir livre exercício dos poderes da União e dos Estados; propaganda pública de atos violentos ou ilegais para alterar ordem sociopolítica; incitar crimes citados na Lei de Segurança Nacional, etc.
     A decisão de prisão em flagrante suscitou debate jurídico. A defesa do deputado ironizou como uma "nova modalidade de flagrante". Enquanto alguns juristas e agentes da PF o neguem, Alexandre de Moraes o justifica na Lei de Segurança Nacional (LSN).
     Criada na ditadura (1973) durante o AI-5, a LSN regulamentou perseguição a opositores públicos e privados, e também, calar deputado crítico do regime. Foi atualizada no governo Dilma no respeito ao Estado democrático de direito, aos três poderes e na adição do dispositivo antiterror de 2013.
     Os crimes atribuídos a Silveira se encaixam em vários atentados ao Estado de Direito e aos três poderes, com ameaças e métodos violentos (terror), e o vídeo prova o flagrante, segundo Moraes. Um caso de jurisprudência, talvez.

Nos canais de mídia
     Não é segredo para ninguém que o jornalismo não é isento de ideologia. É essencialmente humano, com matizes de direita (elite) e esquerda (popular). Há canais independentes1, sem ligação a partidos ou fundações.
     A prisão foi noticiada à larga, inclusive na plataforma Youtube e correlatas. Em geral foi bem vista, mas com matizes diferentes. As mídias de esquerda deram como vitória contra o bolsonarismo, já as da direita a exploraram para tapar as notícias das reformas draconianas de Guedes.

Em Bolsonaro et caterva
     Bolsonaro e seus lacaios se calaram por algum tempo como reação à prisão de Silveira. Seguidores deste interpretaram como abandono - que pode ser real, normal num líder nacional que se destacou no extremo desprezo às mais de 240 mil vítimas da C19.
     Depois o presidente respondeu com evasivas, talvez num sinal de que ficou mexido: menos um de sua ala ideológica na Casa, além de alguns de seus famosos seguidores na equipe do gabinete do ódio.
     Embora se saiba que o bolsonarismo sobreviverá à morte da era Bolsonaro, a exemplo do nazismo, hoje criminalizado, não é possível negar que o STF enquadrou o modus operandi da ideologia, num claro recado à família Bolsonaro et caterva de estarem entre os próximos alvos.
     Que o digam dois nomes da ala bolsonarista, a pastora assassina Flor de Lis e a mitomaníaca Carla Zambelli no inquérito das fake news.
     Mas a agenda econômica parece não ter sido atingida, exceto no adiamento das votações das tão ansiadas reformas, devido aos protocolos relativos à prisão. Mas, podem ser adiadas de novo, devido aos dois casos supracitados.

Na opinião pública
     A opinião pública segue o rumo das correntes do oceano de informações difusas. E uma determinada mídia a informar o fato mostra com muita facilidade a profunda polarização política popular. É aí que verificamos o mosaico reativo, da alegria dos antibolsonaristas ao lamento dos eleitores do ex-PM, que corre risco de cassação.
     Entre os bolsominions houve avaliação mais pró-Daniel: "pelo menos ele não rouba", na esteira do mote da corrupção. Entre os "neutros" e os "contra Bolsonaro e PT", domina a análise da conduta do deputado, com base em possibilidade psiquiátrica, como possível personalidade antissocial. 
     Foi em meio à opinião pública que apareceram alguns perfis "juristas" nas redes a debater sobre a natureza dos crimes cometidos pelo parlamentar e a atuação do STF. Alguns ironizaram a decisão do STF em defender a democracia enquadrando o ex-PM numa lei criada na ditadura. 
     Mas, se verificou ligeira maioria assente à afirmação de que a conduta de Daniel foi bem agressiva e ilegal, de fato configurando crime de natureza política e contra o Estado de direito. E a compreensão de que o STF dá seus recados a Bolsonaro e sua ideologia - e não é o primeiro.
    
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Imagem: Google.

Notas da autoria:
1. Os recursos financeiros provêm de assinantes populares.
2. Docentes = professores.

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Silveira
- https://www.brasildefato.com.br/2021/02/17/quem-e-daniel-silveira-o-deputado-bolsonarista-preso-apos-ameacas-ao-stf
- https://extra.globo.com/noticias/brasil/atestados-falsos-prisao-repreensoes-na-pm-folha-corrida-de-daniel-silveira-24887731.html
- https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/deputado-daniel-silveira-resiste-a-usar-mascara-no-iml-e-levanta-a-voz-para-policial-civil-veja-video.shtml
- https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/prisao-de-deputado-mostra-os-custos-do-bolsonarismo-para-os-poderes.shtml
- https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2021/02/6087079-deputado-daniel-silveira-e-preso-apos-apologia-ao-ai-5-e-ataques-ao-stf.html
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/02/17/prisao-de-deputado-indica-que-guerra-bolsonarista-a-democracia-sera-longa.htm
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/02/17/defendido-por-daniel-silveira-ai-5-nasceu-para-punir-discurso-de-deputado.htm
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/02/18/video-de-daniel-silveira-e-aula-de-como-o-bolsonarismo-manipula-a-violencia.htm
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/02/19/silveira-perde-poder-mas-se-fortalece-na-disputa-de-sociedade-diz-freixo.htm
- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/eu-so-vou-contratar-pessoas-brancas-diz-daniel-silveira-em-video-editado/
- https://theintercept.com/2021/02/21/com-prisao-do-deputado-daniel-silveira-stf-enquadrou-modus-operandi-bolsonarista/
- https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2021/02/daniel-silveira-stf-familia-bolsonaro/


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