terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Reflexão: o BBB expõe o mal


     Há 20 anos atrás, a Rede Globo de Televisão, junto à produtora holandesa Endemol de entretenimento, estrearia um programa bem diferente na área, que lhe proporcionaria ibope e muito dinheiro: Big Brother Brasil, o popular BBB.
     O BBB é um reality show (traduzindo, mostra da realidade de um domicílio tal como república), cujos participantes não têm parentesco entre si. O programa também foi um marco da Globo para mostrar uma novidade no século XXI. 
     Desde então (2001), a Globo exibe religiosamente o programa na TV aberta, com direito a uma versão em TV fechada. E com a mesma religiosidade, um séquito de público o acompanha, parte do qual na versão fechada, para ultimamente postar o tema e comentar nas redes sociais.
     As críticas a esse programa, o rotulando de "desnecessário" ou "inútil", são muito mais numerosas do que comentários. Os motivos são vários, entre eles a frivolidade que fomenta comentários que não ajudam, e a acusação de manipulação midiática para mascarar fatos tenebrosos. É aí que entra o objetivo deste artigo.

-> Entre o sucesso e a crítica

     Os realities shows surgiram nos EUA no fim dos anos 1990, com imediato sucesso, por mostrar as experiências de participantes inicialmente em ambientes naturais (versão externa, como o global No Limite). Hoje há a versão doméstica (como BBB e A Fazenda) e a musical (The Voice Brasil, por exemplo).
     Em todas as versões existe uma regra comum: os participantes devem renunciar à sua respectiva privacidade, para que se chancele o foco dos espectadores na convivência com o outro e nas relações com o ambiente.
     A diversidade das versões dos reality shows são uma forte evidência de que esses programas são, de fato, um sucesso de público. E não é só no Brasil: em todo o Ocidente eles possuem um público fiel, e até existem produções do tipo em países do Oriente Médio, cuidadosamente adaptadas aos preceitos islâmicos.
     Sucesso de público de um lado, de grana de outro. As regras dos contratos das emissoras de TV com empresas de produção são feitas para ninguém perder. E a paulatina diminuição de público parece não afetar o volume de ganhos esperados nas regras contratuais. Daí a insistência das emissoras.
     Uma pequena parte desse dinheiro se destina aos participantes, ao vencer alguma prova ou a final do reality, como prêmios. Alguns ainda conseguem ganhar material, como um carro. O prêmio maior é do vencedor final. Famosos, todos tomam rumos distintos: arte, política, vida comum ou... se perde. 
     Apesar da popularidade dos programas, se observa paulatina diminuição de admiradores e aumento da parcela oposta. Motivos não faltam: desprezo à sugerida frivolidade; maior tempo de internet para home office ou entretenimento em plataformas de música ou vídeo; e busca de programas diferentes na TV fechada. 
     As críticas não são de agora. Muito antes do episódio atual do BBB, instituições como a CNBB já se manifestaram contra os reality shows em geral. Em 2011, a confederação considerou um "atentado à dignidade humana" tais programas, por causa da supressão da privacidade moral e outros valores.
     Mas a maior relevância dos críticos aparece com o episódio BBB 21, que conta com nomes como Karol Conká, Nego Di, Projota e outros, que têm se destacado com preconceitos de toda classe, alvejando também doentes anônimos e famosos, e a notória intolerância contra as religiões afro.
     Além da intolerância religiosa e piadas contra doentes, o grande público manifestou repúdio contra as declarações homofóbicas, sexistas, racistas, de aparência e costumes e aporofóbicas1 advindas dos nomes acima, que aparecem entre os famosos.
     A enxurrada de preconceitos no BBB 21 repercutiu negativamente no exterior, principalmente nos países latinos da Europa, onde a versão brasileira tem feito sucesso. Os portugueses e espanhóis pelos preconceitos, e os italianos pela má interferência dos brasileiros no seu reality, o Gran Fratello.

-> Reflexões finais: os realities shows ensinam algo para nós?

     Se a renúncia à privacidade é o regramento imposto aos participantes para tornar mais atraente para os espectadores, há motivos palpáveis vistos pelos responsáveis: primariamente é um bom negócio. Mas há motivações de ordem diretamente pessoal, como o costume das pessoas de se atentar à vida alheia, muito forte nos brasileiros.
     Esse costume é muito debatido no mundo acadêmico, seja como ethos (comportamento, na biologia, psicologia e sociologia), seja na filosofia. Na biologia pode se explicar na natureza gregária da espécie humana e na relação ecológica, na psico e sociologia, como elemento sociocultural, e na última, uma reflexão.
     Na relação com os realities shows, o BBB 21, em especial, aparentemente oportunizou aos fãs da série a reflexão sobre sentimentos como empatia, que nos evoca a sensibilidade e respeito, e a ações solidárias e de justiça. Detalhe: entre o pessoal da produção há psicólogos, que avaliam os partícipes.
     Por conta da percepção da natureza de negócios, muitos críticos entre o público têm relacionado as grosserias e as vitórias de prova de Karol Conká com os holofotes da Globo, envolvendo o veterano responsável-chefe Boninho, como justificativa para a emissora moldar a opinião pública e distrair a geral das políticas nefastas em andamento.
     Outra crítica é os realities virem coincidirem com momentos importantes, como a divisão do STF sobre as mensagens de Moro e Dallagnol no caso Lula na Lava Jato, os decretos armamentistas de Bolsonaro, vários PLs e PECs destrutivos no Congresso, o depoimento de Pazuello sobre o grave caos na saúde, etc.
     Numa análise mais fria e direta, na prática os realities shows pouco mostram da intimidade tão visada pelo público, pois a regra de renúncia também a afeta - um tiro pela culatra para os produtores. Mas tais programas não se revelam totalmente inúteis, e os psicólogos sabem disso.
     Afastada possibilidade de farsa, o maior ensinamento dos realities são os participantes: eles ali se despem dos personagens simpáticos e maravilhosos da business life e das redes sociais. Que o digam, entre outros, Conká e Nego Di: eles mostram exatamente o sucesso da indústria do ódio representada por essas produções.

----
Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria:
1. Relativas ao preconceito contra as camadas mais pobres das classes populares.

Para saber mais
- https://acessocultural.com.br/2020/03/o-brasil-e-os-reality-shows-o-que-faz-com-que-este-formato-de-programa-seja-um-sucesso/
- https://www.estadao.com.br/noticias/geral,cnbb-critica-reality-shows-da-tv-brasileira-imp-,681141
- https://canaltech.com.br/series/a-febre-dos-reality-shows-e-por-que-gostamos-de-cuidar-da-vida-dos-outros-160999/
- https://www.scielo.br/pdf/anaismp/v4n1/a02v4n1.pdf (acadêmico-estudo da atenção à vida privada, 1996)
- https://www.ufjf.br/pensandobem/programas/filosofando-o-cotidiano/cafe-filosofico/2006-2/ (acadêmico-filosofia 2006)
- http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/6504/12645 (biologia da atenção ao alheio)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...