#Curiosidade: psicose e esquizofrenia
Eventualmente se noticia sobre pessoas que, alegando mando insistente de vozes em suas cabeças, cometem algum ato insano. Alguns são penalizados, mas há casos que terminam condenados ao manicômio, para se tratar. Esse será assunto no canal #Curiosidades, subcategoria Transtornos psiquiátricos.
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Há algum tempo a sra. Aldine observa o jeito estranho do filho Felipe. Ele sempre foi tranquilo e sem vícios, mas ultimamente está esquisito: olha apavorado para a parede vazia da sala sem ter nada nem ninguém e diz algo desconexo. Com suspeita, ela iria tirar a limpo em momento oportuno.
Quando Felipe, bem lúcido, foi visitar o pai, ela procurou minuciosamente algum indício de droga no quarto dele. Nada. Mais tarde, se assusta: o jovem chega em crise, trazido pelo pai, que contou ter procurado por droga, sem sucesso, ao perceber a conduta alucinada do filho. Ambos decidiram ser necessário fazer algo.
No dia seguinte levaram Felipe ao ambulatório hospitalar. Pelo histórico contado pelos pais, o psiquiatra confirmou hipótese de transtorno psicótico ou esquizofrênico. Seu Chico, o pai, já esperava: teve um tio esquizofrênico. Mesmo tristes com a constatação, os pais se uniram para lutar pelo filho.
-> Psicose e Esquizofrenia
São dois transtornos agregados em características clínicas-chave a desconexão com a realidade (desrealização); comportamento, pensamento e fala bizarros; disfunções cognitiva, social e laboral; e achatamento emocional-afetivo.
Psicose
É uma síndrome com perda de contato com a realidade (desrealização) e alteração de consciência de seu eu (despersonalização) e do mundo em que o paciente se insere, que incorrem em pensamento e fala desorganizados e comportamento motor bizarro.
O Manual de Doenças Mentais (DSM-V) também define a psicose como um quadro sintomático importante na esquizofrenia, mas como síndrome diferencial pela Associação Norte-americana de Psiquiatria, modificando o tradicional conceito de loucura.
A psicose tem fases: precoce (sintomas ativos e às vezes piores), intermediária (episódios de crise e remissão visíveis e contínuos, com piora funcional) e tardia (padrão de transtorno, com incapacidade funcional estável ou a diminuir), importantes na classificação do transtorno da esquizofrenia.
Prevalência: entre 0,5 e 1% na população geral.
Etiologia: neurobiológica (alteração estrutural do cérebro e alterações neuroquímicas, genética); ambiental (risco social amplo).
Comorbidade: a psicose é comórbida da esquizofrenia.
Diagnóstico: diferencial, em seu conjunto clínico.
Tratamento: ver abaixo em Esquizofrenia.
Esquizofrenia
Importante transtorno com alucinações visuais e/ou auditivas, delírio (crença falsa ou bizarra), fala e pensamento desorganizados, déficit cognitivo (raciocínio, memória e resolução de problema), conduta motora bizarra ou inapropriada, e embotamento emocional ou afetivo. Muitos desses sintomas são da psicose que acompanha o transtorno.
Sua gravidade é variável, desde crises mais brandas até as mais agressivas e incapacitantes. Se inicia no fim da adolescência ou no começo da fase adulta, e pode ser progressiva até incapacitar o paciente. Pode progredir em fases, com duração e padrão variáveis: prodrômica, prodrômica avançada, psicótica (precoce, intermediária e tardia - supracitadas em Psicose).
Prodrômica- sintomas desorganizados mais leves, ainda sem prejuízo social ou laboral, a serem reconhecidos retrospectivamente, e pode se agravar trazendo tal prejuízo.
Prodrômica avançada- sintomas subclínicos de isolamento, irritabilidade, desconfiança, distorções perceptivas, pensamentos incomuns, desorganização. Delírios e alucinações podem surgir em dias ou em anos.
A categorização sintomática é positiva (distorção funcional, incluindo delírios e alucinações), negativa (diminuição ou perda das funções e afeto), desorganizada (pensamento e conduta bizarros) e cognitiva (déficit no processamento de informações e resolução de problemas).
Fala pobre e concisa; olhar vago/ sem contato e face inexpressiva; anedonia (atividade sem prazer ou propósito); sociabilidade baixa ou nula; perda de objetivos; deficiência cognitiva (velocidade de processamento, atenção, memória de trabalho/ declarativa, abstração, resolução de problemas, entender interações).
Os delírios são convicções errôneas em relação à realidade. Podem ser persecutórios (achar que está sendo enganado, perseguido ou vigiado); de referência (acreditar que textos de livros, jornais ou letras musicais sejam ligadas a ele), e de retirada/ inserção de pensamento (crer que outros leem seus pensamentos ou que estes vão para outras pessoas).
Esquizofrenias com sintomas negativos dominantes são as com déficit, e as com dominância dos positivos, sem déficit. Até 6% dos esquizofrênicos se suicidam, 20% são tentativas, e a ideação forte é mais comum, sendo os mais susceptíveis os de início tardio e bom funcionamento pré-mórbido.
A violência geralmente se restringe a esquizofrênicos com história de abuso de psicoativos, que não se tratam e os com delírios persecutórios; ainda assim as ameaças sem consumar são mais comuns.
A violência é rara na esquizofrenia, é mais comum ameaçar de violência, sem consumar. Os com abuso de psicoativos, os que não se tratam e os com delírios persecutórios tendem a cometer delitos.
Comorbidade: TOC, personalidade borderline, depressão maior em até 40% dos casos.
Prevalência: 1% na população geral.
Etiologia: ver acima, em Psicose.
Diagnóstico: critério clínico DSM-V; combinação de sinais e história, com ajuda de família ou amigos. Quanto mais precoce, melhor o prognóstico de sucesso no tratamento. Diferencial na distinção com psicoses oriundas de outros distúrbios médicos ou por abuso de psicoativos.
Tratamento: antipsicóticos; reabilitação com retificação cognitiva, interação comunitária e serviço de suporte; psicoterapia para treinar a resiliência.
-> Mediunidade e esquizofrenia
A esquizofrenia e a psicose são temas que reacendem debates em grupos que reúnem religiosos (especialmente espiritualistas), alguns intelectuais (em parte céticos) e leigos sobre os significados de um fenômeno observado em várias crenças espiritualistas: a mediunidade.
Esse debate não é nada novo, na realidade. Já houve até apresentações televisivas no passado em referência a esses assuntos, como o Pinga-Fogo da extinta TV Tupi, entre o fim dos anos 1960 e início dos 70, que deu ao médium mineiro Chico Xavier projeção nacional com suas participações.
Em algumas entrevistas, o famoso médium dissera que alguns "loucos" (como eram chamados os esquizofrênicos) poderiam ter "grande abertura para mediunidade" - o que explicaria muitos espíritas acreditarem seriamente numa relação, e a forte reserva científica sobre isso.
Segundo publicação do Arquivo de Notícias da UFJF1 (2010), estudiosos do Nupes2 até admitem haver semelhanças entre manifestos psicóticos e mediúnicos, mas afirmam haver independência entre ambos. Eles se basearam em experimentos com um grupo de médiuns e outro de psicóticos.
Os 100 médiuns psicografaram textos de autoria de falecidos e própria, e os estudiosos notaram ligeira diferença de zonas cerebrais ativadas. Comparando com imagens obtidas dos psicóticos, viram novas diferenças locais, o que os levaram à citada conclusão de independência.
O estudo fez parte da tese de doutorado de Adair Menezes Jr., que pretendeu ver se a experiência espiritual é, ou não, uma forma específica de transtorno mental, daí ter chamado os 100 médiuns para averiguação minuciosa caso a caso.
Dessa averiguação Menezes Jr. enumerou nove critérios diferenciais: ausência de sofrimento psicológico; ausência de prejuízo social e ocupacional; curta duração do manifesto; criticidade (dúvida da realidade objetiva da vivência); compatibilidade cultural-religiosa; ausência de comorbidade; ajuda ao outro; controle sobre a experiência e crescimento pessoal ao longo do tempo.
O psiquiatra do Nupes, Alexander Moreira-Almeida ainda verificou relação da mediunidade com transtorno de personalidade múltipla, mas as imagens e o bom ajustamento geral dos médiuns estudados afastou hipótese de qualquer transtorno mental. E acrescentou:
"Os médiuns, assim como qualquer pessoa, podem sofrer de transtornos mentais. Mas os estudados exibiram bom nível de ajustamento social e uma prevalência de problemas psiquiátricos menor do que na população geral".
Apesar da tese afirmar a mediunidade como fenômeno independente e não patológico, o professor alertou que a crença na aliança da mediunidade com surto psicótico deve ser apenas pessoal, para se evitar, entre os fiéis, a minimização dos transtornos psiquiátricos em geral como problemas de saúde pública, sendo a psicose e esquizofrenia entre os mais importantes.
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Imagem: Google (site A Psicanálise)
Notas da autoria
1.
Para saber mais
- https://www.apsicanalise.com/index.php/blog-psicanalise/48-artigos/370-pequenas-explanacoes-sobre-psicose-esquizofrenia-neurose-e-psicanalise
- http://www.psiquiatriageral.com.br/psicopatologia/sindromepsicotica.htm
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/esquizofrenia-e-transtornos-relacionados/esquizofrenia
- https://www.ufjf.br/arquivodenoticias/2010/05/pesquisa-revela-que-mediunidade-nao-esta-atrelada-a-esquizofrenia/
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