Análise: um orçamento às custas de vidas
A intensa discussão entre os parlamentares sobre escolha de nomes para liderar na CPI do genocídio nesse momento de aumento inexorável da mortandade pela sindemia de C19, seguido da ideia fixa de Guedes em realizar cortes em ministérios alegando respeitar o teto dos gastos1, motivaram adiamentos na votação do texto do Orçamento de 2021.
A ideia fixa do ministro, acompanhada de intensa ansiedade pela votação do texto, provocou nova discussão, centrada em quais ministérios se deveria fazer alguns ajustes, mais conhecidos como cortes mesmo. Os ministérios atingidos foram os da saúde, educação, C&T. Em plena alta da sindemia de C19.
Essa escolha por contingenciar (termo que Guedes adora) os ministérios responsáveis pelos serviços públicos essenciais (sim, a C&T é também essencial, por subsídios aos demais serviços) é explicada pela imprensa da casa grande por serem os receptores dos maiores volumes de recursos. Mas vale salientar que isso em motivo.
Por que no MEC e MS?
Quem realmente observa o comportamento do ministério da Economia nesses tipos de medidas se pergunta, com certeza, por que tanta ideia fixa de Paulo Guedes em cortar os recursos destinados aos ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS).
Uma resposta para esse comportamento do ministro que torna a economia tão venenosa para os segmentos populares é que ele não quer mexer com os setores bilionários. Isso é fato incontestável, a evidenciar o Brasil como submisso emissário de grana a grandes grupos financeiros transnacionais.
Destinados a resolver às muitas necessidades dos estabelecimentos e dos respectivos servidores desses ministérios, os volumes desses ministérios se torna, tanto para o governo quanto para os grandes grupos empresariais, a cobertura do rombo para a aprovação do Orçamento.
A CF-1988 prevê que os volumes destinados aos ministérios respaldem regras do teto dos gastos, que limita os volumes de gastos conforme o índice inflacionário do ano anterior. Portanto, os volumes destinados aos dois citados ministérios não são ilimitados como muitos imaginam.
A CF/1988 prevê certo volume de recursos a esses ministérios, intocáveis para serem desviados a outras finalidades. Porém, na prática tal desvio ocorre, tornando-se um crescente problema na medida que cresce a pobreza e a vulnerabilidade social da população.
Isso explica porque só uma parcela (variável, mas sempre insuficiente) do total orçado chega aos destinos necessitados. O governos ainda prefere "resolver" congelando salários dos servidores e mal atendendo ao povo, em nome dos grandes grupos empresariais. A mídia da casa grande comemora.
Os leitores com razão vão se lembrar dos governos anteriores, que fizeram também seus cortes, e os motivos envolveram também interesse político. Mas, havia alguma transparência no que se refere à explicação dos motivos dos cortes. Bem diferente de agora, em que se enfrenta um paradoxo.
Empobrecimento e miserabilidade elevam o nível de dependência popular desses serviços tão sub investidos. E essa cobertura se faz mais necessária justamente nessa alta sindêmica, quando o governo sob batuta de Guedes realiza cortes recordes nesses setores. Receita de colapso.
MCTI
O ministério da ciência, tecnologia e inovação (MCTI) provém recursos para incentivo à pesquisa científica e inovação tecnológica, inclusive em manuseio de recursos renováveis e ecologicamente corretos. Atua para universidades, institutos e fundações regionais de amparo à pesquisa.
Antes da era Bolsonaro, o setor tem recebido entre 0,9 e 1,2% do PIB em média, com um boom no petismo, estendendo-se ao programa Ciência sem Fronteiras. Todavia, é uma cifra bem inferior à dos países da OCDE, nos quais o setor abrange entre 2% na Europa e até 4% na Coreia do Sul.
Na era Bolsonaro se observa maior desinvestimento, devido aos seguidos cortes no setor para fins de satisfação intensiva ao mercado financeiro. Já prejudicado com cortes desde o ano passado, o setor vê aumento da dificuldade de operar mecanismos de enfrentamento da sindemia de C19.
A opacidade de acesso à informação sobre o orçamento de 2021 é igual ou maior do que a do ano passado, evidenciando haver mais ingredientes na receita de colapso.
MMA
O Ministério do meio ambiente (MMA) sempre foi um alvo melindroso de políticos ligados aos grandes ruralistas devido a conflitos agrários e às empresas extrativistas de recursos naturais, devido a barreiras intrínsecas na legislação ambiental brasileira.
O agronegócio tem sido, nos governos anteriores, o maior responsável pelo desmatamento e pelos incêndios que atingiam áreas de preservação permanente, e nos últimos anos tem encontrado aliados igualmente predatórios: garimpeiros, grileiros (autônomos ou por fazendeiros) e madeireiros.
Na era Bolsonaro, esses grupos encontraram no ministro Ricardo Salles2 o poderoso aliado para aval às suas predações contra as áreas naturais, em especial as terras indígenas, resultando em recordes de assassinatos de povos originários e nos índices de destruição dos biomas.
O MMA foi também alvo do corte usado para a aprovação do Orçamento 2021, em R$ 25 milhões aproximadamente.
IBGE
O Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) tem respaldo internacional por levantar dados estatísticos de grande relevância nacional e internacional. Tem realizado censos a cada decênio, sem nunca sofrer paralisação de suas atividades por conta de crises de quaisquer natureza.
Foi sofrer cortes justamente nesse governo. Talvez ninguém na patuleia tenha percebido, mas no ano passado não houve um censo como deveria ser, pois vários itens foram cortados por ordem do governo, e também não foi publicado.
Na desculpa midiática de contingência de recursos para o orçamento 2021, o censo foi cancelado. Mas foi uma estratégia de interesses: ficam suspensas ou maquiadas estatísticas diversas como dados relativos à C19 (números da doença e da vacinação), atuação do governo em vários setores e cenários eleitorais simulados.
Muitas estatísticas boas (obras do petismo) poderão aparecer. Se preparem.
Reflexão final
Se a emenda constitucional do teto dos gastos estabelece um limite de recursos a serem investidos nos diversos setores públicos, é de se esperar, dentro dos limites éticos, que a contingência de recursos, se necessária, seja distribuída em TODOS os setores, inclusive na cota destinada a grupos financeiros.
Mas a realidade se concentrou aos ministérios acima citados, mantendo intocáveis demais pastas do governo, por razões de notório interesse. Fonte recorrente de recursos no balcão de negócios no Congresso para as votações de pautas importantes, a previdência escapou da tesoura do orçamento.
Em todo esse somatório de pontos, pode-se concluir que o governo sozinho não é culpado, tem a maior parte do Congresso como cúmplice. Maior parte porque teve opositores, mas estes não tiveram voz suficiente por, talvez, falta de contingente do grande público, que estava alheio ao tema.
Culpa de governo e todos os que, cientes dos severos prejuízos acintosamente impostos ao erário público, aprovou toda a canalhice contida no texto do orçamento. Em plena alta sindêmica, às custas de tantos milhares de vidas.
Quem viver, verá.
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Imagens: Google (edição: autoria do artigo)
Notas da autoria
1. Essa é a alegação "oficial" emitida pela mídia da casa grande.
Para saber mais
- https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2020/05/cortes-orcamentarios-em-cti-dificultam-acao-contra-o-coronavirus/
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