#Curiosidade: Transtornos alimentares
Algumas pessoas comem demais e parece não haver limites. Outras simplesmente se recusam a comer a tal ponto que perdem peso perigosamente, e mesmo assim acreditam que estão acima do peso ideal. Há outros que entram na gula, mas depois vomitam tudo o que comeram. Transtornos alimentares são o tema deste artigo da categoria #Curiosidades, subcategoria Transtornos Psiquiátricos.
****
Tendo sonho de ser modelo de passarela, Gláucia reduziu sua alimentação seguindo receitas de amigas. Emagreceu bastante, mas mesmo insatisfeita, se inscreveu em site de agência de modelos com suas selfies pós-emagrecimento. Apesar do corpo magérrimo, a resposta do seu sonho nunca veio.
Vítor é um jovem ansioso. Após estudo para se preparar para o ENEM, foi comer depois de pouco mais de uma hora do último lanche, tamanha a ansiedade. À noite, saindo com amigos para comer uma pizza, chamou a atenção por ter comido sozinho uma pizza inteira em pouco tempo.
Claudio e Gina têm todo o amor pela linda filha Eva. Mas não escondem a sua preocupação com ela, pois têm certeza absoluta de que a jovem está com algum problema aflitivo. Tudo porque Gina a flagrou vomitando tudo que comeu quase ferozmente na hamburgueria onde pararam para lanchar.
As três histórias acima são fictícias, mas mostram a realidade sobre os transtornos alimentares. E esses três acima aparecem entre os exemplos de transtornos alimentares que serão o tema deste artigo.
Se caracteriza pela obsessão por magreza e dieta muito hipocalórica, medo de sobrepeso e visão distorcida do corpo. Purgação1 não é regra geral. Pode ser leve a grave, e afeta em geral adolescentes. O termo anorexia é errado, pois não há perda de apetite, e sim severidade na dieta e quantidade.
Fisiopatologia: redução de hormônios gonadais (sem ou com amenorreia2), de tiroxinas T3 e T4 da tireoide, e aumento de nível de cortisol, ligado ao estresse. Declinam a massa óssea e a fisiologia de vários sistemas do organismo. Alcalose metabólica proporcional à gravidade. Alterações cardíacas.
Sintomas: visão distorcida do corpo ou de parte dele, atitudes atípicas com alimentos (estudo de calorias e dieta; esconder ou desperdiçar; coleção de receitas; incitar dieta restrita a outro); recusa em aceitar que está em subpeso; exercícios físicos vigorosos; depressão e perda de libido; hipotensão.
Em casos graves, o subpeso é tão grande que o prognóstico geral é sombrio. A sua mortalidade se relaciona a taquiarritmia ventricular induzida pelas alterações cardiofisiológicas.
Etiologia: desconhecida; fatores sociais e familiares são considerados devido à crítica feroz ao sobrepeso e obesidade.
Comorbidade: a mais comum é alguma presença de depressão, mas não é regra.
Prevalência: jovens do sexo feminino com comportamento preocupado e meticuloso.
Diagnóstico: clínico - físico e análise de comportamento (se achar gordo mesmo estando muito magro e manter dieta restritiva).
Tratamento: psicoterapia; suplemento nutricional a critério médico; antipsicóticos de 2ª geração em alguns casos. Casos leves têm reabilitação fisiológica, inclusive cardíaca. A teimosia dos pacientes pode dificultar o sucesso do tratamento.
É uma alteração da relação com a comida: episódio de ingestão compulsiva de grande volume seguida de purgação (vômitos autoinduzidos ou uso de laxantes/ diuréticos), em frequência média de 2 vezes semanais, por até 3 meses. É semelhante à AN, mas sem se obrigar a uma dieta restritiva.
O peso é normal, ou pode ser acima. As complicações fisiopatológicas da AN são ausentes, mas há desidratação pela purgação. Usuários de xarope de ipeca em longo prazo para induzir vômitos podem ter miocardiopatia. Rompimento estomacal ou esofágico é excepcional, sendo fatal se ocorrer.
Sintomas: compulsão descontrolada de ingestão rápida de grande volume de comida, seguida de purgação, exercício violento ou jejum, uma ou mais vezes por dia. Tais episódios ocorrem por estresse psicossocial e ocorrem em segredo. Erosão do esmalte dentário pelo vômito ácido, edema de glândula parótida e esofagite são as complicações mais comuns.
Etiologia: possivelmente desconhecida; estresses psicossociais constantes são o fator comum.
Comorbidade: quando presente é geralmente transtorno de ansiedade ou depressivo.
Prevalência: em 0,8% em adolescentes do sexo masculino e 1,6% no sexo feminino.
Diagnóstico: como o da AN.
Tratamento: psicoterapia e medicamentos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS). Em geral, pacientes de BN têm consciência de seu distúrbio, facilitando o sucesso do tratamento.
Transtorno com episódio de ingestão compulsiva de grande volume alimentar com sensação de perda de controle. Não há purgação. A comida é hipercalórica e as pessoas mais afetadas são obesas e mais velhas. A sensação de perda de controle ocorre durante e/ou após a ingestão.
A ingestão é rápida e quase sem mastigar, sozinho por vergonha, até se sentir uma desconfortável saciedade. Come mesmo sem fome física. Tem vergonha do excesso de peso, mas não faz exercícios. Devido ao sofrimento, o paciente geralmente tem ciência do distúrbio e da necessidade de se tratar.
Prevalência: em 2% dos homens e 3,5% das mulheres.
Comorbidade: quando há, geralmente são transtorno de ansiedade generalizada ou depressão.
Etiologia: como a da BN.
Diagnóstico: clínico, análise de comportamento.
Tratamento: psicoterapia; fármacos a critério médico (ISRSs ou lisdexanfetamina). Este último contribui para a redução da compulsividade alimentar. A aceitação facilita o sucesso do tratamento.
Embora o público o confunda com a AN, o TIAER é diferente, por não envolver dieta rigorosa nem visão distorcida do corpo. Pode se iniciar em qualquer idade, em geral na adolescência tardia, de leve a grave. A recusa ou restrição em comer ocorre por medo ou desinteresse.
Sintomas: o medo de comer (de vômito ou asfixia) é imperioso. Há importante perda de peso e queda nutricional havendo, em caso grave, dependência de suplementos nutricionais orais ou sonda enteral. Disfunção psicossocial pode ser quase nula em casos leves ou marcante nos mais graves.
Há potencial fatalidade por desnutrição grave com alteração fisiológica severa de órgãos vitais.
Etiologia: há histórico de trauma a vômito ou asfixia (ligada a alimento).
Comorbidade: quando há, transtorno de estresse traumático ou depressivo.
Prevalência: não mencionada.
Diagnóstico: clínico; avaliação comportamental a afastar outros transtornos que inibem a ingestão como depressão, esquizofrenia e outros distúrbios alimentares.
Tratamento: psicoterapia. Medicação só em caso comórbido importante, a critério médico.
Condição de regurgitação, voluntária ou não, de alimento ingerido, sem ocorrer náuseas ou ânsia de vômito. Pode ocorrer desde o bebê ao adulto, e se manifestar todos os dias, repetidamente.
Sintomas: volitiva (imperiosa, mas o paciente não sabe que pode controlar), a regurgitação pode findar em cuspida, ou nova mastigação e redeglutição. O comportamento é visível. Por saber que o ato é socialmente ruim, o paciente evita comer antes de encontros, ou disfarça como pode. O que limita a ingestão tende a perder peso ou ter deficiência nutricional. Não se observa disfunção psicossocial.
Prevalência: não mencionada.
Etiologia: desconhecida; se cogita alguma pressão psicológica imperiosa.
Comorbidade: não mencionada.
Diagnóstico: critério clínico; o médico pode perceber a ruminação diretamente, quando houver.
Tratamento: psicoterapia por modificação comportamental. Alta chance de sucesso, os pacientes tendem a aceitar a situação.
Distúrbio singular caracterizado por ingestão de material não alimentar atóxicos, como papel, giz, cabelo, terra, argila, barbante, etc.). Pode ser iniciado até na infância, acima de 2 ou 3 anos. Observável em gestantes. Há relatos de ingestão de moedas, tampas de caneta ou mesmo parafusos.
Sintoma: Desejo por ingerir material não alimentar, por um mês ou mais. Vida psicossocial normal em não comórbidos. Complicações: infecções ou verminoses com material sujo ou terra; intoxicação química por metais pesados (fragmento de tinta); e mecânica (obstrução ou perfurocorte, neste há o potencial fatal).
Prevalência: não mencionado em relação à população geral, nem entre grupos específicos.
Comorbidade: com esquizofrenia ou déficit intelectual, se ocorrer.
Etiologia: ligada a alguma deficiência nutricional.
Diagnóstico: critério clínico sobre complicações gastrintestinais ligadas à conduta. Em pacientes sem nenhuma comorbidade, a pica desaparece espontaneamente com o uso do suplemento.
Reflexões finais
Todos os transtornos alimentares acima são alterações das relações com alimentos, incidindo na conduta alimentar. O maior risco letal da AN se explica na sua conhecida estatística, inclusive em qual grupo ou segmento prevalece. Mas há relatos de casos graves de AN (ou TIAER) que retornaram à vida normal com quase ou nenhuma sequela fisiológica e/ou psíquica.
O termo Anorexia poderia ser trocado por disnorexia, que sairia mais adequado para designar a importante alteração da qualidade da dieta ingerida pelo paciente. Seria, assim, a sigla DN.
É possível que até recentemente o TIAER fosse visto como variação da AN, explicando a ausência estatística após a sua distinção, que ocorreu pelos diferenciais sintomáticos como ausência de distorção sobre o próprio corpo e de preocupações com dieta e peso, e evidente medo/ desinteresse de comer.
A BN se distingue da AN purgativa em dois pontos: na primeira não se observa perda de peso e interesse com dieta; na AN purgativa, o conteúdo eliminado era dietético. Mas, ambas ocorrem principalmente na adolescência e no sexo feminino.
Deve-se frisar que intensas pressões diversas (estéticas, econômicas, profissionais, etc.) do estilo de vida moderno se descarregam em quem, com psique vulnerável, possa contrair forte sentimento de frustração e crises de ansiedade - portas abertas para os transtornos alimentares e suas complicações.
Tais transtornos são tratáveis com alta chance de retorno à normalidade, até os comórbidos. Um tratamento de sucesso deve envolver também a família para rastreamento etiológico e proporcionar em todos mudanças comportamentais e relacionais positivas, com melhor aceitação de cada um de nós como seres únicos.
----
Imagem: Google
Notas da autoria
1. Vômitos ou uso de laxantes fortes (purgativos).
2. Ausência de menstruação.
Para saber mais
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/anorexia-nervosa
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/bulimia-nervosa
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-compuls%C3%A3o-alimentar
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-ingest%C3%A3o-de-alimentos-esquivo-restritivo-tiaer
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-rumina%C3%A7%C3%A3o
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/picafagia
Nenhum comentário:
Postar um comentário