segunda-feira, 12 de abril de 2021

Análise: a monocracia no STF

 
        Por esses dias, a relação do presidente Bolsonaro com o STF, que já ficou conturbada desde o início de 2019, se mostrou ainda mais esquentada nos bastidores da notícia e do Planalto, estendendo-se ao Parlamento, a partir do Senado.
        Não foram poucas as causas desse aguçamento, e todas elas têm responsabilidade direta do presidente da República, motivadas especialmente pelos manifestos antidemocráticos com ofensas aos ministros do STF e ao Congresso.
        Dessa vez, as explosões do irascível presidente se deram por causa de decisões de determinados ministros do STF, que as mídias disseminaram como decisões monocráticas, uma verdadeira polêmica. Mas, o que é uma decisão monocrática? E por que há tanta polêmica sobre as decisões monocráticas do STF?

O que é uma decisão monocrática?

        O termo "monocrática" está ligado ao verbete "monocracia", que etimologicamente vem do grego: monos = único, de uma pessoa; e cratos = poder. Nesse sentido se refere a qualquer regime político e de governo em que somente o governante (líder nacional) tem o poder de determinar os atos válidos para todo o território do país.
        O conceito do parágrafo acima se refere, basicamente, a regimes totalitários, sendo os exemplos atuais mais notáveis o golpe militar de Myanmar (que é como o nosso de 1964-85) e o da Coreia do Norte. Este é o mais notório, pois só Kim Jong-un tem poder decisório de vida e morte sobre a nação, como um faraó contemporâneo. 
        Em países democráticos, nos quais os três poderes têm equilíbrio entre si, NÃO há monocracia.
        Movimentos populares e partidários podem ser também monocráticos, circunstancialmente, dentro de sua própria esfera. Por isso, não devem ser comparados aos regimes de governo. 
        Spoiler: monocracia vs autocracia: Saindo do contexto político-governamental e entrando no individual, a monocracia se torna então autocracia (do grego authos = por ou para si próprio, poder para si). A autocracia é o regime cotidiano de vida que cada pessoa constrói para si, em todas as tarefas e esferas. Portanto, monocracia é decisão de um líder para a coletividade; e autocracia se refere à nossa vida individual.

Decisões monocráticas no STF

        Segundo o Direito Constitucional brasileiro, Judiciário, Legislativo e Executivo são independentes entre si. Relativamente, pois há relações entre eles para se estabelecer um delicado equilíbrio de poder para evitar abusos de uma esfera sobre a demais. Isso é típico de regimes ditos democráticos.
        No Brasil, as maiores instâncias respectivas são o presidente da República (executivo), o STF (judiciário) e o Congresso Nacional (Câmara e Senado, no legislativo). A relativa independência deles permite a cada parte lançar suas próprias decisões.
        O legislativo elabora projetos de lei que são votados internamente; o judiciário julga os projetos, e o governante (presidente ou primeiro-ministro) sanciona (assina). O governante lança decretos com poder de lei.
        O poder decisório monocrático no parlamento aparece quando o presidente de cada casa decide pela votação de determinada proposta, obedecendo às etapas regimentais. A proposta é escolhida pelo assunto de prioridade (em tantas vezes por interesses próprios, mas isso é para outro artigo).
        No judiciário e no executivo a decisão monocrática parece mais evidente. Um ministro do STF decide por algum caso (p.e.; a CPI da C19 por Barroso). O governante, por sua vez, pode vetar uma proposta aprovada pelo legislativo e mesmo lançar decretos com poder de lei.
        Dependendo da motivação, o STF após análise pode revogar decretos-lei do presidente. Assim como pode decidir por inovar juridicamente, em respeito à carta magna. Foi assim com o decreto de Bolsonaro sobre educação especial e na criminalização da homotransfobia, respectivamente.
        Esse regimento todo não ofende o estado democrático de direito. O que o ofende é aprovar leis que facilitem irregularidades administrativas, transformar a casa pública em balcão de negócios, e aprovar leis favoráveis à extrema liberdade de grandes grupos transnacionais em detrimento da vida popular.

Por trás da polêmica dos ministros do STF: reflexão final
        Antes de se entrar nas polêmicas recentes envolvendo o STF, vale lembrar que sempre houve decisões monocráticas dos ministros. Os dois exemplos já citados (decreto da educação especial e homotransfobia), surgiram de decisões dessa natureza. Não é para surpreender.
        O decreto de educação especial não foi o primeiro a ser revogado pelo STF. Vários outros tiveram o mesmo destino. O motivo é a constatação analítica do teor inconstitucional, que se evidenciou nesses documentos. O que só revela o gosto pelo ilegal, "imoral ou engorda" do presidente. 
        Na era Bolsonaro, onde a arte de disseminar polêmicas a partir de brigas de egos tem servido para distrair a patuleia em relação às ideações escusas de Paulo Guedes, Ricardo Salles e cia., e onde está muito satisfatório para bancos e grandes grupos, há uma negação especial em revelar a realidade.
        Em geral, decisões monocráticas não têm poder absoluto. Elas são votadas pelos demais colegas, como ocorreu na decisão de Fachin sobre Lula, já analisada aqui. Fachin o fez para evitar votação da suspeição de Sérgio Moro, mas fracassou.
        As decisões monocráticas do STF não têm poder absoluto. Elas são votadas, como ocorreu com a decisão de Fachin em anular os processos contra Lula (vide aqui). Fachin o fez para evitar votação da suspeição de Sérgio Moro, mas fracassou.
        A decisão mais recente partiu de José Roberto Barroso em abrir a CPI da C19. Tal como a decisão de Fachin, essa foi considerada monocrática, e daí ser tão criticada por Bolsonaro e seus próximos. E a mídia noticia sobre PL de senador para restringir as decisões monocráticas dos ministros do STF.
        O texto da CPI da C19 foi escrito no ano passado, assinada por mais de 30 dos 81 senadores, e enviada ao STF para análise e decisão, feitas por Barroso. Este considerou a urgência da sua abertura tendo-se o caráter emergencial e o caminho para 400 mil mortes só pela doença.
        Exceto Nunes Marques, todo o STF se mostrou favorável ao parecer do colega. Mas a natureza monocrática foi aproveitada por Bolsonaro junto aos aliados no Congresso e à mídia para tentar evitar essa CPI na medida do possível. O que parece bastante difícil, pois tem muitos favoráveis a ela.
        A irritação presidencial não é para menos: a CPI não só confirmará o que está às claras para geral. Como disse o ex-ministro da saúde Henrique Mandetta, no Legislativo "há gasolina, fósforo, tudo". Ou seja, ela promete ser incendiária, talvez o recurso de pizza já saia queimado.
        Enfim, essa história de decisão monocrática tem muito mais de balela. Ela não é o problema, e sim a exposição de um quadro de desvios de dezenas de bilhões do MS1, em detrimento de carências sérias nos hospitais do SUS e de planos de vacinação, contribuindo para mais morticínio em massa.
        Morticínio este que só expõe o presidente a ser condenado nacionalmente em crimes diversos, e internacionalmente, por crime contra a humanidade. Por genocídio.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. MS = Ministério da Saúde.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/analise-dos-fatos-pos-decisao-de-fachin.html
- https://www.conjur.com.br/2018-fev-17/supremo-tribunal-federal-decisoes-monocraticas
- https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/04/09/senador-apresenta-pec-para-restringir-decises-monocrticas-do-stf.ghtml
- https://jovempan.com.br/programas/ta-explicado/decisao-monocratica-no-stf-o-que-significa-e-por-que-e-tao-polemica.html

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