domingo, 30 de maio de 2021

Análise: por trás da CPI, os sigilos


        Apesar de muitas tentativas de desestabilização e descrédito, a CPI até o momento está sólida. Graças a Randofe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros, em surpreendente ação republicana, defeitos pessoais e políticos à parte.
        O presidente da CPI Omar Aziz tem tido civilidade; o relator Renan, firmeza e persistência; e o vice-presidente Randolfe, desarme. Graças a eles e alguns colegas, a era Bolsonaro entra para a História como representante de um governo contumaz em mentira, negacionismo e corrupção.

Sigilos envolvendo militares
        Enquanto rola a CPI, se desenrola outra linha de fatos em paralelo, à revelia da atenção da maioria da patuleia, mas agora vazada. São sigilos determinados pelo governo em pautas envolvendo militares, como o fim real da viagem a Israel, o destino de Pazuello, as reuniões paralelas e até a estranha "motociata" no Rio de Janeiro.
        Os sigilos soaram estranhos aos desavisados, mas não surpreende. No Brasil, assuntos militares sempre se carregam na surdina. Mesmo na Comissão da Verdade (2012), boa parte dos documentos da ditadura foi segredada. Com exceção do falecido Ustra, nenhum torturador foi condenado. Até hoje.
        Na viagem a Israel, em que a comitiva visitou o Museu do Holocausto onde Bolsonaro repetiu a aberração de que nazismo é de esquerda1, houve especulações sobre o spray nasal de cloroquina - um artifício que chegou a ser empregado por aqui, com resultados fatais covardemente banalizados.
        Na viagem a Israel, após muito se falar daquele spray nasal, a geral começou a desconfiar de fake news, mas ninguém descobriu nada. Só depois se soube que outros assuntos foram conversados, porém, o governo fez mistério, até que foi decretado sigilo ate 2035.
        O que já dá pistas de que algo nada alvissareiro foi abordado como objetivo central da viagem, por trás ou a reforçar temas que testariam a força do olavismo e do neopentecostalismo - Malafaia estava junto a Ernesto Araújo, Hélio Negão, Eduardo Bolsonaro e o general Augusto Heleno na comitiva.
        Este blog já explorou sobre as intenções do neopentecostalismo na era Bolsonaro, e essa viagem confirma as aspirações do governo em conceder a essas igrejas decisões de Estado, inclusive interferir nas decisões do STF que "atentem" contra a sua moral - um atentado à laicidade, mas esta nunca pode ser plena mesmo.
        Aa reiteradas contradições em que Pazuello se meteu, em depoimentos na CPI, e a participação na polêmica motociata de 23/5, que fez o Corona indiano dar voltinhas na zona sul carioca, causaram mal estar no Exército, que queria punir o general por este ser da ativa. Mas Bolsonaro interferiu livrando o ex-ministro de punição.
        Uma interferência que pegou mal na cúpula das FFAA que, diferente do que se pensa, não tem as intenções golpistas do presidente, O código disciplinar das FFAA veda a militares participação política direta, salvo se for da reserva. Pazuello é punível, por participar da motociata, ato político puro.
        Aonde está o sigilo desse assunto? No que nesse momento ocorre entre a cúpula das FFAA. O que ela vai decidir, sobre Pazuello ou as intenções de Bolsonaro, ninguém sabe. Reina a incerteza.
        Vale ressaltar terem sido declaradas sigilosas as ações da PM cearense em episódios violentos, inclusive o caso Cid Gomes; e as mortais "operações" policiais em comunidades do Rio metropolitano, em especial após as visitas de Bolsonaro ao Palácio Laranjeiras na calada da noite.

Em paralelo... (e uma reflexão final)
        Não deixam de ser sigilosas as ações ocorrentes na Câmara, em especial no tocante a assuntos de relevante interesse da população, como as reformas ultraneoliberais de Guedes, o homeschooling, o retorno do texto que veta demarcação de terras indígenas, e a PL que derruba licenças ambientais.
        O segredo não está no trâmite dessas propostas, mas no teor dos textos, cujo impacto sobre Estado e destino da população e do meio ambiente ainda desconhecemos na íntegra, a poder se materializar se elas forem promulgadas. A mídia critica o governo na questão indígena, mas não explica motivos.
        O reflexo maior dessa natureza sigilosa se mostra na falta de destaque sobre as mesmas nas mídias. A mídia da casa grande rasga de elogios as reformas de Guedes, evitando mostrar suas intenções para a população. As mídias opositoras até fazem seus alertas, mas não têm crédito amplo da geral.
        Quem mais se informa a respeito são representações da sociedade civil e entidades sindicais que, atualmente pouco creditadas, movem apenas uma parcela da patuleia, resultando em manifestos bem segregados: temas dos povos originários e culturas tradicionais atingem mal a geral ampla.
        O caso indígena é relevante: para facilitar a vedação de novas terras e a penetração de empresas nas existentes para explorar os recursos, o governo articula com missões para evangelização em ampla escala. Isso explica porque a Funai está infestada de pastores e milicos, mas só soubemos após tudo ter sido feito por baixo dos panos.
        Mesmo sem envolver (até prova em contrário) líderes religiosos, a atuação de Salles ao exonerar delegado da PF no Amazonas encarregado de investigar exportação ilícita de recursos florestais e, no Ibama, substituir seu diretor por um milico para facilitar a exploração predatória, também foi sigilosa, até o STF explodir a coisa.
        Assim o governo tem executado as suas ações, com maestria. Resta aos oponentes saberem ter os seus segredos para fazerem o seu jogo com o objetivo final de dar o definitivo fim à carreira política de Bolsonaro.

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Imagens: Google (montagem: autoria do texto)

Notas da autoria
1. Bolsonaro foi contradito pelo próprio curador do Museu Yad Vashen (Holocausto) que o corrigiu: o nazismo é movimento de extrema direita.

Para saber mais:
https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-encerra-visita-a-israel-com-absurdo-sobre-nazismo/a-48171202
https://www.monitordooriente.com/20210325-israel-bolsonaro-e-pacto-de-morte-nao-de-vida/
- https://www.band.uol.com.br/noticias/governo-nao-fez-acordo-por-spray-nasal-de-israel-dados-ficarao-em-sigilo-ate-2036-16349141


        

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