segunda-feira, 17 de maio de 2021

Análise: o escravismo não acabou 


        Em nossas passagens na escola, aprendemos que a princesa-regente do Brasil, Isabel, assinou em 13/5 de 1988, a Lei Áurea1, que decretava oficialmente o fim do sistema escravista no país. Oficialmente: ela criminalizou o sistema.
        A criminalização do escravismo como sistema se mantém até hoje, um legado vivo da Lei Áurea nas leis modernas, graças às quais o Brasil desenvolveu um conceito de trabalho escravo ou análogo à escravidão q se tornou internacionalmente respeitado.
        Esse respeito internacional do nosso conceito se tornou referência a definir o escravismo moderno. O que faz peno sentido pelo fato deste ser uma realidade indigesta da atualidade, mesmo após tratados e mais tratados a eliminar mundialmente o sistema.

O 13 de maio "ontem" e hoje: breve reflexão histórica

        A mídia dominante nunca se preocupou em pautar o escravismo moderno como tema de alcance grande. Geralmente as reportagens são muito pontuais, insuficientes para despertar na geral absorta em compromissos e na distração, necessária atenção. As mídias de esquerda divulgam mais, mas não têm bom ibope.
        Na Velha República, 13 de maio era dia comemorativo, de engrandecer a Lei Áurea. Foi de certa forma merecido, pois se dependesse da elite da época, o escravismo seria um sistema intocável até hoje. Na democrática era JK, a imprensa dominante babava ovo para a indústria pujante de SP e RJ. Para a imprensa, JK foi tão xodó quanto FHC.
        Talvez na breve era Jango tenham escrito algumas poucas linhas, dada a política agrária que se esboçava em Brasília. Mas aí veio o golpe da ditadura militar, quando a mídia dominante passou a entreter a geral com futilidades, esportes, receitas culinárias e novelas para encobrir a escrotidão que marcou o regime.
        No período Sarney-Collor, as matérias sobre trabalho escravo no campo eram raras, reportagens investigativas mostradas em rede nacional em locais denunciados. A partir da era FHC, houve ligeiro crescimento de denúncias de trabalho escravo no campo. 
        Mas foi com os movimentos negros, que ganharam força com as comemorações de 13 de maio, que deram novo significado simbólico ao 13 de maio, aliando-se às denúncias citadas, transformando-o num dia mais de luta do que de comemoração. Tal aliança se tornou nítida no petismo.
        Essa amarra se tornou mais forte no petismo, pois foi nessa era que foram demarcadas mais terras indígenas e quilombolas e áreas de preservação ambiental permanente. E E foi nessa era que o tema de trabalho escravo se estendeu às cidades2, também por denúncia e investigação.
        Um exemplo digno de nota na abordagem desse tema é a blogosfera UOL do jornalista Leonardo Sakamoto, por sua vez um especialista na área com passagens em vários países. A última reportagem a abordar o tema no Brasil foi divulgada na blogosfera de Sakamoto em 13/5.
        Ainda assim, como já mencionado, a mídia dominante não dá ao tema a merecida relevância, que se torna uma luta obrigatória dos movimentos negros, quilombolas e até indígenas - minorias alvos de desprezo do sanguinário governo Bolsonaro.

Reflexão final: 13 de maio, dia de luta

        Os movimentos negros (quilombolas ou não), indígenas e outras minorias são responsáveis, em grande parte, por importante mudança no olhar sobre o significado da Lei Áurea, considerando-se a perspectiva do contexto moderno.
        Surge uma perspectiva reflexiva, que de modo algum retira da Áurea o legado de abrir portas para a futura e definitiva criminalização do escravismo e surgimento de vínculos contratuais de trabalho em acordo com as diretrizes de leis de direitos e deveres trabalhistas, como a CLT.
        O que surge é a nova reflexão sobre os novos contratos trabalhistas em relação aos direitos, após a descaracterização da antiga CLT, que na desculpa de desburocratizar e flexibilizar, tornaram vínculos antes sólidos em frágeis, burocráticos e com brechas que na prática penalizam os trabalhadores.
        A sindemia de C19 revelaria muita coisa além de muitas empresas fechadas por falta de ajuda do governo. Denúncias de demissão com desfalques indenizatórios e assédio moral/ sexual aumentaram muito desde o reforço à flexibilização da lei trabalhista. Assédio é herança daqueles tempos obscuros.
        A fragilidade da fiscalização atesta o esgarçar crescente dos vínculos trabalhistas a forçar a quase legalização do escravismo moderno. Até hoje não se findou a grave violação sobre a infância nas carvoarias no interior do Brasil.
        Vale enfatizar, novamente, que o escravismo moderno, que não escolhe cor de pele, mas a miséria que empurra milhares para a ilusão de comida e sustento à família, é uma grave violação de direitos humanos que desafia a lei e a justiça por conta de interesses do capital. Seus detentores acham ótimo como está: rende muito mais.
        Mas há um alento: a relevância contra o escravismo moderno no país cresce, mesmo lentamente. Grandes grifes de moda e acessórios têm sido denunciadas e obrigadas a registrar os trabalhadores, não importa se estes sejam brasileiros ou imigrantes. 
        E atestam que, tal como 1 de maio, o dia 13 também é dia em que ainda há muito para se lutar.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Sobre a Lei Áurea e seus reflexos pela falta da construção de perspectivas, foi analisado em artigo anterior neste blog.
2. Submissão de imigrantes bolivianos, haitianos, venezuelanos e outros a trabalho escravo em oficinas de costura de marcas de grande porte, principalmente na grande São Paulo.

Para saber mais
-  https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/reflexao-escravismo-moderno.html (da Lei Áurea à uberização)
- https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/08/29/moda-escrava-setor-textil-e-o-que-mais-recruta-mulheres-em-sao-paulo.htm#:~:text=Dados%20do%20aplicativo%20Moda%20Livre,escravid%C3%A3o%20no%20Brasil%20desde%202010.
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/05/13/resgate-de-escravizados-com-covid-19-marca-133-aniversario-da-lei-aurea.htm

         

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