Análise: Bolsonaro, EB e destino de Pazuello
A presença de Pazuello, general da ativa, em ato naturalmente político causou mal-estar no Exército Brasileiro (EB). O motivo: o regimento de conduta, seguido pelas forças militares que, entre outras regras, define que nenhum de seus membros pode participar de atos políticos, exceto os que estão na reserva.
Pazuello foi a convite de Bolsonaro (outro mau motivo) e ainda discursou como político pra geral que aplaudiu entusiasmada. O alto comando do EB quis puni-lo com a reserva. Mas, após muito disse-me-disse nos bastidores, nas mídias e nas redes sociais, se decidiu pela não punição do ex-MS.
O presidente da República meteu sigilo de 1 século no caso, e ainda condecorou, entre outros, o chefe do EB que absolveu Pazuello. A condecoração confirma a interferência de Bolsonaro na decisão.
Os fatos causaram debates acalorados e intensos nas redes sociais, com muita polarização entre os contrários - que não impediu a dominância quase absoluta do desprestígio popular do EB, que passou por cima das suas próprias leis, e pelo presidente ainda mais rejeitado pela maioria da população.
Mas, vale saber que tudo isso tem motivos.
Entendendo a situação de Pazuello
Breve biografia
Eduardo Pazuello (1963-) é carioca. Formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) como oficial de intendência em 1984, cursou comando e Estado-Maior no EB e estratégia aeroespacial na FAB. Major nos anos 2000, comandou o 20º Batalhão Logístico de Paraquedismo, e o Depósito Central de Munição do EB, situado em Paracambi, RJ.
Nos anos 2010 se tornou general, coordenando em 2016 os Jogos Olímpicos do Rio, e em 2018, a Operação Acolhida, atendendo a refugiados venezuelanos em Roraima, onde foi Secretário da Fazenda do governo, saindo em fev. 2019. Teve passagem em Manaus antes de ser chamado por Bolsonaro para comandar o MS.
Atuações suspeitas
Na sua passagem pelo Depósito Central de Munição do EB, em 2005, foi reportado "o maior desvio de munição da história do EB", ocorrido no citado local, segundo matéria do Jornal do Brasil à época. O material foi fundido por 10 civis "biscateiros".
Seu nome não apareceu na reportagem, mas esta apontou um "major não identificado" como "top" no esquema. Coincidência? Bem, sua experiência em depósitos vendeu a informação midiática de ser especialista em logística, ao ser chamado para o MS em maio de 2020. Depois, o EB desmentiu essa qualificação.
Sua passagem no MS foi ruim desde o início por não ser médico e seguir a cartilha cloroquiner do chefe, o que gerou a sucessão de catástrofes que ainda materializam o genocídio via C19.
Ainda no MS, foi acusado de improbidade administrativa por ter contrato "não comercial" com a Infraero e uma escola de paraquedismo que faturava R$ 6 mil por aluno. Há rumor de participação de um irmão em grupo de extermínio (milícia) em Manaus. E como sabemos, com milícia não se brinca.
A polêmica do momento atual
Se Pazuello ainda está na ativa em flagrante ato ilegal, e Bolsonaro nega interferência no fato, por que cargas d'água o EB não cumpriu a punição? A negação e o consequente sigilo no caso escancaram a mentira do presidente.
A começar pela proximidade com o general pela família deste ter ligação com milícia de Manaus, como insinua o on-line Hora do Povo. E todos sabem que os Bolsonaro não escondem sua ligação com milicianos, principalmente no Rio. As milícias e sua história já foram versadas por este blog.
Esse é um detalhe interessante, pois mostra um ponto em comum entre ambos. Mas, vamos à explicação mais imediata para o fato-tema, para enfim se entender a amarra.
O EB está para selecionar nova lista tríplice para escolha do alto comandante. Para esse máximo posto, o requisito é ser general 4 estrelas. Pazuelo tem três. A interferência para não punição do ex-MS é explicada no desejo de Bolsonaro em promovê-lo a 4 estrelas para entrar na lista tríplice.
Mas há o racha político-institucional entre a maior parte do EB e Bolsonaro. Político porque não compartilha da ideia de golpe, e institucional pela interferência no regimento de conduta. E a cúpula ainda não quer promover Pazuello para a lista tríplice, com uma boa dose de razão.
Uma razão importante é a ciência do EB sobre as ligações de Bolsonaro e Pazuello com milícias. Se aprova o ex-MS à lista tríplice, o alcance do alto comando é certo e, daí, o perigoso precedente de legalizar os paramilitares. Seria uma vergonha ainda maior para a sua imagem.
Por outro lado, o EB viu ser uma boa não punir Pazuello agora: Bolsonaro poderia revogar e daí gerar crise imensa, piorando a imagem das FFAA. A simples recusado EB de promover Pazuello a 4 estrelas para a lista tríplice já configura uma punição para a reserva compulsória.
Reflexão final
A evolução dos fatos praticamente se constrói, entre a opinião pública, a ideia de que Bolsonaro pode concretizar o seu tão desejado autogolpe, seja por meios mais imediatos usando as FFAA, ou pelo voto impresso aprovado mediante uma crise qualquer forjada.
Mas, calma, não há nada certo, e essa ideia acima soa mais como conspiração do que lógica, visto que, justamente por causa do valor hierárquico, o alto escalão das FFAA está contra Bolsonaro. Até por conhecer bem sua vida pregressa. Nisso já se configura um revés de peso para o presidente.
A cúpula das FFAA ainda se posiciona favorável à campanha de vacinação em massa como o modo melhor para vencer o flagelo, mesmo em prazo mais longo, dada a dimensão da tragédia alcançada no país. O que já foi reforçado por Mourão, general de 4 estrelas, que Bolsonaro encara com frieza.
Isso demonstra ser um erro pensar que todo militar é bolsonarista. Ledo engano. Sabe-se que, nas FFAA, somente as baixas patentes são as mais bolsonarizadas. Mas, dado o forte apreço hierárquico, a influência mandante é do alto oficialato, onde domina o antibolsoanrismo. A CPI pode ser um fator positivo nisso.
Isso isola ainda mais Bolsonaro em seus intentos. Já se observa que o apoio se restringe à caterva particular, cujo intenso barulho passa a falsa impressão de ser muita gente. Só que, para ser realizado, seu desejo precisa mover muita gente além de grana e material. E o que falta é material e gente.
Enquanto isso, Pazuello, sem máscara e de bermuda, curtirá a reserva em algum shopping em Manaus...
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Fotomontagem: autoria do artigo (com imagens do Google)
Notas da autoria
1.
Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Pazuello (breve biografia)
- https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/65677/noticia.htm?sequence=1&isAllowed=y (fonte não original, matéria Do quartel para o ferro-velho, retirada do Jornal do Brasil de 2005).
- https://www.laranjeirasfm.com.br/noticia/13447/irmao-de-pazuello-participou-de-grupo-de-exterminio-no-am
- https://horadopovo.com.br/pazuello-e-seus-vinculos-familiares-com-a-milicia-no-amazonas/
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