sexta-feira, 4 de junho de 2021

Análise: os esquivos da CPI

        Se existe um programa que pode estar batendo recorde de audiência, este é com certeza a CPI da C19. Ela está na boca da geral, mesmo entre descrédito de alguns ao seu desfecho, a possibilidade de haver sucesso final, ou simplesmente pelo show à parte.
        A visão do show da CPI vale para todos, senadores e depoentes. Neste artigo, a análise vai para os esquivos, omissos e mentirosos da CPI, que têm garantido, com certeza, emoções, da ojeriza às risadas que garantiram memes e os piores vídeos flagrados por canais de humor do Youtube.

Ernesto Araújo
        O ex-chanceler Ernesto Araújo foi, desde o início do governo, um bom alvo de memes de humor das redes sociais. Embora tenha qualificação real para diplomata, que propiciou o cargo, a o que mais passou longe em sua conduta foi diplomacia. Pelo menos, como conhecemos.
        Olavista convicto, Araújo teve conflitos insólitos com os congressistas. Suas ideias conspiratórias se perdiam em meio aos argumentos dos questionadores. Ultracatólico, não conseguiu se explicar sobre a aproximação aos árabes sobre direitos femininos em convenção na ONU.
        Na CPI se esquivou com tropeços e mentiras, irritando a cúpula da CPI com o famoso "éée..." e suas respostas fragmentadas e inconsistentes. Negou o negacionismo explícito, a participação do ex-chefe em reuniões sobre as compras de vacinas, os vários insultos à China e terminou humilhado pela senadora e desafeta Kátia Abreu.

Marcelo Queiroga
        O atual ministro da Saúde ia depor após seu antecessor Pazuello, mas passou à frente quando este alegou ter se contraído C19 novamente. Se não disse mentiras, se destacou muito mais por omissões e evasivas em diversos momentos de seu depoimento, numa acrobacia verbal para evitar, a todo custo, apontar Bolsonaro.
        A mentira maior talvez tenha sido "o presidente nunca interferiu na minha atuação", se referindo à reiterada defesa do chefe ao kit C19. Queiroga estava pouco à vontade, sem manifestação espontânea como pessoa, médico e ministro, e os senadores perceberam isso, 
        Queiroga também soube dar canseira e irritar, em especial o relator Renan Calheiros, quando este perguntou a posição dele sobre o kit C19. Calheiros teve que insistir 11 vezes na mesma pergunta, até que, com reforço do presidente Omar Aziz, recebeu a resposta de Queiroga: "não, sou contra o kit".
        Ele será convocado novamente.

Eduardo Pazuello
        Ministro mais elogiado por Bolsonaro por ter cumprido por sua ação desqualificada e pífia, Dudu Pazuello apareceu após dias de recuperação de suposta C19, a qual, naturalmente, ninguém engoliu.
        Não esperava tanto cerco nas perguntas. O arrocho foi tanto que o ex-ministro teve uma síndrome vasovagal: se cagou todo e foi para um hospital. Explicado pelo senador Otto Alencar, o termo técnico caiu agora na boca do povo: "vá se preparar pra um vasovagal".
        A sessão foi encerrada, mas o alívio de Pazuello foi só sopro: nova sessão foi marcada para o dia seguinte. Nessa segunda sessão então mostrou que foi treinado, pois mentiu com a cara mais lavada do mundo, as mentiras anotadas, uma a uma até dar 14, por Renan Calheiros, que disse tudo na cara.
        Sem saída, Pazuello foi nas evasivas para evitar citar Bolsonaro, com ajuda da tropa de choque bolsominion com seus barulhos para desestabilizar. Sem sucesso, pois Renan, Randolfe, Aziz e Otto se mostraram determinados. 
        Após a revelação das 14 mentiras, um senador perguntou a Pazuello sobre a sua passagem pelo MS. Ele se resumiu: "missão cumprida". A missão: ter chegado à meta de mais de 300 mil mortes.

Mayra Pinheiro ou Capitã Cloroquina
        Integrante da elite cearense, a pediatra Mayra Pinheiro se destacou na era Dilma como ativista política da classe médica, liderando movimento em 2015 contra médicos cubanos do Programa Mais Médicos da era Dilma. Na ala direitaça do PSDB, ela tentou ser deputada estadual, mas perdeu.
        Mayra foi chamada por Bosonaro para integrar equipe do MS com a colega Nise Yamaguchi. Na eclosão da sindemia de C19, se tornou garota-propaganda do kit-C19, destacando a cloroquina. Daí surgiu a alcunha Capitã Cloroquina.
        Chefiando sua equipe e próxima de Pazuello, foi convocada a depor na CPI. Disse ter visto, na Fiocruz, pênis inflável na fachada e fotos de Lula e Che Guevara nos corredores. O que irritou Aziz e  Randolfe, que exigiram respostas adequadas à acareação, e não conspirações. 
        Na acareação se concretiza a suspeita de um escritório paralelo e a afirmação da pediatra ser o tal "hacker" de Pazuello sobre indicação da cloroquina para a C19, até em bebês. Afinal, ela é pediatra.
        Foi a partir dela que se destacou outro senador, Otto Alencar, que é médico, que estabeleceu um debate acalorado sobre o uso do kit para tratamento precoce da C19, e críticas à indicação errônea da cloroquina em crianças pequenas.
        Depois dessa, ela terá que arrumar outra profissão ou especialidade para atuar, pois sua estrela de pediatra se apagou.

Nise Yamaguchi
        Filha de imigrantes japoneses, Nise Yamaguchi era uma conceituada oncologista e imunóloga no Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, conhecida pela gentileza no trato com seus abastados pacientes. Até que foi chamada para integrar equipe do MS do governo Bolsonaro.
        A C19 revelou a Nise olavete, um contraste à sua qualificação, ao defender o kit-C19 em vez da vacina. Gentilmente se ofereceu para depor na CPI, sem esperar o que viria a público.
        Seu depoimento foi enrolado, trôpego e interrupto: os cabeças já estavam putaços após os shows dos anteriores citados. Às primeiras perguntas, soltou que trabalhou com Mayra em equipe paralela ao MS que indicou kit-C19 no aplicativo TrateCOV.
        Seu depoimento evasivo era constantemente interrompido: os senadores já estavam putaços após os shows dos anteriores já citados. Olhando seus papeis, tentava defender a cloroquina quando Otto Alencar volta a brilhar sua estrela, iniciando com explanações reais sobre as indicações do fármaco.
        Otto inicialmente ironizou: "agora todo mundo virou infectologista", em referência à equipe ter gente sem qualificação no MS nesse momento. Depois dirigiu perguntas de ensino médio sobre vírus e protozoário. A resposta de Nise foi simplista, em termos de composição.
        Otto interrompeu perguntando sobre as datas dos primeiros surtos de SARS antes da C19. Com a evasiva de Nise, clareou tudo com detalhes e ainda fechou: "a sra foi simplória [...] seu contato com o hospital foi cancelado [...] não entende nada de infectologia [...] a sra tem feito é um ato ilegal da medicina, e isso é grave".
        Foi muito ruído professoral para pouca cabeça. Com certeza está insone, e arrependida pela sua gentileza em depor. 

Reflexão final

        Dos cinco depoentes acima, três são médicos. Apesar de humilhada, Yamaguchi não pareceu pior do que Mayra Pinheiro na má qualidade de seu depoimento. Além de antiética, a pediatra mostrou mau caratismo na sua conduta, como Araújo e Pazuello.
        A atuação dos depoentes acima demonstra que o show de mentiras, enrolações e conspirações se revela não só forma variada de poupar Jair Bolsonaro, revela também um treino. Se constata isso na súbita postura segura e tipicamente militar de Pazuello em seu segundo dia de depoimento.
        Na prática, a tática de evitar citar Bolsonaro ou negar sua participação mais o expôs ainda mais, como uma constatação incisiva de descaso, incompetência, insensibilidade e irresponsabilidade na condução da sindemia de C19. Acaba sendo ainda pior.
        Além disso, mentiras, enrolações e conspirações para poupar o presidente só serviu para enterrar de vez o crédito dos depoentes perante o público e mesmo ao próprio Jair. Não que este desconfie de algo deles, por notar-lhes a lealdade, mas por simplesmente não ter empatia nem sentimento algum. 
        Mas valem, para fechar, um ponto positivo com esses depoimentos e atores. Eles fortaleceram a CPI. Ainda mais depois do iluminado depoimento de Luana Araújo, infectologista de fato, que ao enterrar as crendices de vez, mostrou porque foi barrada para atuar no MS.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo).

Notas da autoria
1. 

Para saber mais
- https://oglobo.globo.com/epoca/brasil/quem-mayra-pinheiro-conhecida-no-ministerio-da-saude-como-capita-cloroquina-24860151
- https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/05/24/quem-e-mayra-pinheiro--a-medica-cearense-que-virou-a--capita-cloroquina--de-bolsonaro.html

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