Análise: Ciro e a 3ª via
Estamos num ano especialmente crítico para a política brasileira. Não só pela CPI da C19, que entre alguns acertos republicanos e deslizes de seus comandantes se segue no encalço do governo Bolsonaro, mas também por já se esboçar a necessidade de os partidos se resolverem quanto às possíveis candidaturas à presidência da República.
Já começaram a ocorrer migrações, como as de Marcelo Freixo e de Flávio Dino para o PSB, partido com peso para cargos do Executivo. O tucanato aposta em Doria com seu trampolim político contra a C19; o PT, coerente, foca na agora lendária figura de Lula, com Haddad como alternativa, e o PDT tem o incendiário Ciro Gomes que passa o tempo criticando Lula.
Aliás, é justo nesse ambiente corrente nos bastidores da política que surge um tema corrente, em conformidade com o que se ouve da parte da patuleia anti-Bolsonaro e anti-Lula: a tal terceira via. Do que ela se trataria? Quais nomes se lançam? E Ciro Gomes?
O que é a terceira via
A ideia de terceira via surgiu entre alguns nomes do cenário político atual como fruto do Manifesto pela Consciência Democrática assinado em abril, no intuito inicialmente compreendido como paralelo entre os polos de Lula à esquerda, e Bolsonaro à direita.
Nesse sentido, a concepção inicial de terceira via recai no viés ideológico, deliberando uma visão mais simplista. Mas, ao se pensar no sentido de políticas propostas para o Brasil pós-Bolsonaro, aí ocorrem contornos mais complexos.
Mas, mesmo essa linha mais complexa pode ser simplificada ao se saber dos nomes à frente do grupo da terceira via, que surgiu no WhatsApp: os governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), o ex-MS Luiz Henrique Mandetta (DEM), o vice-presidente nacional do PDT Ciro Gomes, o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido) e o banqueiro João Amoedo (Novo).
Mas esse grupo inteiro começou a se esfacelar: logo Huck e Amoedo caíram fora. O motivo não ficou claro na mídia, mas é sabido que eles não têm tino político. No caso Huck, cláusula contratual da Globo impõe rescisão quando se trata de entrar na política. Já Amoedo nunca convenceu de verdade.
Fragilidade
Por outro lado, a saída desses dois já sinalizava a fragilidade do grupo, que logo foi minimizado pelo centrão, que comanda o balcão de negócios no Congresso. Lira zombou dessa via, apontando não ser viável politicamente. Por incrível que pareça, com certa razão.
Não se mostra mesmo viável. Doria e Leite se focam muito em deixar seus Estados entes geridos por gestores privados, Mandetta ainda não mostrou suas propostas, e Ciro Gomes, o diferente, parece ter paranoia com um Lula cada vez mais na ponta de lança para 2022.
A julgar pela direção político-ideológica dominante dos assinantes, a terceira via é apenas mais do mesmo: é tão direita liberal quanto o Centrão, quase uma dissidência deste, só para desviar o foco, mas sempre de mãos dadas com ele, pois nele se baseia e se espelha para ser supostamente governável.
Nesse ponto, o próprio centrão se vê como a razão da fragilidade dessa terceira via. Mas, vale por outro lado explorar o nome que se destaca pela trajetória e práxis política: Ciro Gomes.
Ciro Gomes e o desenvolvimentismo como terceira via
Breve biografia
Ciro Gomes é paulista de Pindaonhangaba, mas tem o Ceará no sangue, pois seu lado paterno é de Sobral, cidade onde passou a morar desde os 4 anos de idade. É advogado formado pela Universidade Federal do Ceará e professor universitário. Seu ingresso na vida pública ocorreu aos 23 anos, em 1980.
O ingresso de Ciro na política ocorreu em 1982, na fase final da ditadura militar. Houve rumores de que ele tivesse entrado pela Arena, facção partidária então hegemônica, mas ele nega, contando que entrou pelo PDS2, que surgira com o retorno do pluripartidarismo após o fim do AI-5.
O PDS era mais um dos vários partidos à direita numa época de criminalização das esquerdas. Na Nova República fundada por José Sarney, primeiro presidente no pós-ditadura, alguns nomes do PDS entraram no PFL3, criado após a dissolução da militarizada Arena.
Na política, Ciro escancarou seu gênio incendiário, algo coronelista, herança da política sertaneja. Também foi versátil, tendo sido prefeito, deputado estadual e federal. governador e ministro, passando por PMDB, PSDB, PPS, PSB e, hoje, PDT, no qual se dedica como vice-presidente nacional.
Sua conduta tem sido pragmática, com destaque quando governador, com sensíveis melhoras em saúde e na educação. reduzindo mortalidade infantil e analfabetismo. Como ministro da Integração Nacional na era Lula, criou a Transposição do Rio São Francisco, maior obra do PAC1.
Desenvolvimentismo como terceira via? Reflexões finais
Embora sempre tenha sugerido uma tendência de centro-esquerda, atraindo eleitores identificados com essa direção, a experiência política de Ciro Gomes revela viés basicamente desenvolvimentista, não se caracterizando nem à direita, nem à esquerda. Mas, o que é desenvolvimentismo? Faz sentido o pensar dele enquanto ideologia à parte?
Alguns o consideram ideológico a partir da defesa dos que assim se consideram. É uma ideia, no campo das ideias ele entra, nesse sentido. Mas, essa concepção ideológica para aí. Desenvolvimentismo é qualquer política econômica de investimento em indústria e infraestrutura fortemente estatal.
No Brasil, o desenvolvimentismo foi largamente utilizado tanto em governos autoritários (como o 'milagre econômico' da ditadura) quanto nos democráticos, e teve uma versão no governo de Dilma Rousseff, a 'nova matriz econômica', série de medidas de intervenção estatal na economia como forma de enfrentar efeitos da desindustrialização.
Pois bem, nas mãos de Ciro o desenvolvimentismo tem se esboçado fortemente na infraestrutura, com finalidade definida de benefício na participação público-privada, se respingando na esfera social. Não foi por acaso que ele esteve por trás do megaprojeto do PAC.
Na era Bolsonaro, o desenvolvimentismo passa longe. Como passa longe qualquer outra política digna de nota com finalidade definida e concreta a trazer algum benefício possível. O anarconeoliberal Paulo Guedes impede qualquer viabilidade de investimento no Brasil, ele emperrou a coisa.
Embora seja muito discutível em relação aos seus resultados históricos, e por isso mesmo não seja amplamente defensável, o desenvolvimentismo poderá se acender como lampejo de alternativa nesse contexto de estagnação socioeconômica completa, segundo seus defensores.
Enfim, dado que os demais atores se alinhariam no neoliberalismo, Ciro Gomes talvez possa ser a bola da vez: tem público fiel, e a qualidade de abrir mão de alguns privilégios. Só precisa entender que suas críticas têm mais fortalecido Lula na preferência eleitoral, sem efeito positivo para si.
Ciro Gomes pode ser, quiçá, a tal opção da terceira via. Ideia e criatividade política ele tem. Só precisa mesmo mudar o seu foco: deixar Lula para lá e expor o que realmente tem na manga. Como diz o narrador de futebol, "vai que é sua, Ciro!".
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. Programa de Aceleração do Crescimento, série de investimentos em infraestrutura para benefícios socioeconômicos.
2. Partido Democrático Social
3. Partido da Frente Liberal, que mais tarde se extinguiria originando o Democratas, o P. Social Democrata e o Progressistas.
Para saber mais
- https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/345889/tres-presidenciaveis-participam-de-debate-e-se-afi.htm
- https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/grupo-de-presidenciaveis-do-manifesto-que-apontou-3a-via-se-esfacela-tres-meses-apos-lancamento.shtml
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciro_Gomes
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo
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