sexta-feira, 9 de julho de 2021

#Curiosidade: nossa longevidade é natural? 

       A cada ano, institutos de pesquisa sobre a vida social nos revelam novos dados sobre uma série de variantes, como acesso à saúde, alimentação, relação com doenças emergentes e epidemias, violência, etc.
        Entre tantas variantes temáticas, no campo do bem-estar muitos estudam sobre o aumento das expetativas de vida das populações do mundo, pois a relação entre a qualidade de vida e política de bem-estar social é sempre termômetro oscilante.
        A reviravolta em torno disso tem ocorrido quando a OMS havia anunciado que vai incluir a velhice como doença na nova versão de seu Código Internacional de Doenças (CID-11), prevista para 2022. A decisão gerou intenso debate.
        Este debate trouxe à luz o tema do envelhecimento biológico humano, em vários e interessantes aspectos, que nos leva a imaginar como e quanto tempo teriam vivido os humanos de milênios atrás, até a atualidade, para uma reflexão sobre se o nosso envelhecimento atual é natural ou não.
        Este é um novo artigo da categoria #Curiosidades - da natureza humana.

Expectativa de vida x longevidade

        Por expectativa de vida se define a provável média de vida atingida por um grupo ou população. Para entender melhor, vamos usar um grupo de 4 pessoas, em que duas morrem antes de completar 1 ano e duas chegam aos 70. A expectativa de vida calculada nesse exemplo é de 35 anos.
        Essa média, meticulosamente calculada por meios eletrônicos automatizados para grandes dados em curto tempo, é a forma mais aplicada para obter informações sobre as taxas das populações de cada país. Sua limitação está apenas por se aplicar em grupos. não valendo individualmente.
        Por longevidade se define a possibilidade de a pessoa atingir uma certa faixa etária dentro de um grupo familiar e/ou social e situação geral determinados. É a esperança de vida ao nascer inserida num grupo característico por atingir uma longevidade média observada no grupo.
       Uma pessoa tem mais probabilidade de atingir os 70 anos de idade quando inserida em grupo em que a maioria potencialmente ultrapassa essa idade (grupo envelhecido). Assim, a longevidade está relacionada com influência direta do grupo em que o indivíduo estudado se insere.
        A longevidade pode ser aplicável em termos coletivos, mas valoriza as possibilidades individuais. Entretanto, não é considerado matematicamente correto aplicar taxas de longevidade para um contexto social mais amplo. Daí a preferência por expectativa de vida.

Da pré-história ao século XIX

        De acordo com a Paleoantropologia, ciência que estuda a evolução humana, a humanidade atual compreende uma única espécie, Homo sapiens, surgida entre 200 e 300 mil anos atrás, fruto de uma série de saltos evolutivos na família Hominidae, em claro exemplo de seleção natural por conta das pronunciadas oscilações ambientais do Pleistoceno.
        Numerosos registros fósseis de todos os continentes e idades diferentes sempre despertaram nos cientistas perguntas, hipóteses e teorias diversas ligadas aos nossos antepassados e nossa evolução. Entre os temas mais interessantes, está o modo de vida, dieta e, em especial, quanto tempo viveram.
        A fim de desvendar a idade provável da morte dos antepassados, os cientistas usam a tomografia computadorizada, que torna possível ver anéis minerais concêntricos que se seguem a cada ano. Ela contribui muito mesmo em registros retrabalhados por intemperismo e processos erosivos.
        Essa metodologia é um dos detalhes utilizados por áreas distintas como paleontologia e saúde. Na história do envelhecimento populacional ela se tornou algo obrigatório para informações interessantes da atuação do meio sobre os indivíduos de determinada coletividade.
        A partir de estudos sobre a idade média de morte em grupos pré-históricos e esqueletos da idade medieval, gerando resultados entre 25-35 anos, surgiu a ideia de que a evolução da longevidade média tenha crescido ao longo do tempo. O que, a princípio, faria sentido, dada a evolução urbana.
        Mas, estudo mais recente, segundo matéria do UOL, mostra ser tal graduação errada: na verdade ocorreu um forte salto no século XX. Isso nos leva, então, a entender porque a diferença etária entre os registros pré-históricos, medievais e da Revolução industrial é comparativamente pequena.
        Os atuais estudos sobreo envelhecimento biológico se assentam em duas teorias, a genética, que se baseia num continuum geneticamente controlado; e a estocástica, por acúmulo de pressões ambientais externas. Alguns autores defendem a dominância genética, outros a ambiental, e uma terceira corrente, as ações combinadas de ambos (FARINATTI, 2002).
        Tais teorias combinadas remetem a teoria da evolução por seleção natural proposta por Darwin, até hoje irrefutável - pelo contrário, novos paradigmas apenas corroboram o valioso insight do naturalista inglês. Mas, e o salto de longevidade média da humanidade no século XX? Será que derruba de vez a teoria darwiniana?

O salto no século XX

        Antes de se chegar a entender o salto, vamos primeiro apontar as condições "pré-salto".
        Durante séculos a humanidade se alimentava conforme ciclos sazonais: os cardápios seguindo. A produtividade agrícola era baixa, pois não havia as técnicas de hoje. Com a Revolução Industrial, as cidades se adaptaram a essa atividade econômica atraindo mais gente. Em consequência vieram intensa poluição, insalubridade habitacional, e as doenças urbanas decorrentes.
        Em paralelo vieram descobertas científicas em história natural, química, física e medicina, com a bacteriologia por Pasteur, anestésicos em uso até hoje como morfina, benzocaína e lidocaína, e mais tarde, da radiologia1 e da alopatia2. Mas, doenças infectocontagiosas ainda levariam mais um tempo para ser consideradas curáveis.
        Elas eram "incuráveis" até o início dos anos 1930, quando se confirmou a propriedade bactericida da penicilina descoberta por Fleming em 1929. Nessa conjuntura, era normal que a expectativa média de vida entre 35-45 anos perdurasse até as duas primeiras décadas do século XX em Londres.
        A partir do desenvolvimento da alopatia e da radiologia (área em que o Brasil foi um polo), o séc. XX se destacou na rápida evolução tecnológica em saúde, transportes, agricultura e eletrodomésticos graças à indústria. A geladeira possibilitou mais alimentos disponíveis pela conservação a longo prazo.
        Aliadas à evolução tecnológica no pós-II Guerra, houve políticas de saúde pública para acesso em larga escala, com maior avanço nos países mais ricos (América do Norte e Europa), mediana nos da América do Sul e Caribe, e menor nos mais pobres da África e Ásia.
        Toda a conjuntura contribuiu para a subida da expectativa média de vida global. Se em 1960 era de 52,5 anos, hoje atingimos 72,5 anos, revelando um salto importante em 60 anos (no Brasil foi de 48,8 para 73 anos). Os picos acima da média estão no Canadá, Escandinávia e Japão, com mais de 75 anos.

O futuro: reflexões finais

        O exposto remete para muitos algumas indagações: vivemos mais do que nossos antepassados? Qual será o nosso limite de longevidade? Vale a pena viver até a velhice "extrema"? Isso é natural?
        Os estudos sobre expectativa média global de vida se iniciaram em 1960, por especialistas da ONU. Desde então se tem notado um salto estatístico de aumento dessa expectativa. Mas agora está havendo indicações de que estamos no limite de nossas possibilidades.
        Segundo um estudo de 2018, estima-se que no Reino Unido a expectativa de vida se estabilizou, tendência que outros países envelhecidos podem apresentar. Fala-se de centenários em todo local, mas são casos raros na dinâmica social. Como mais se morre na juventude do que se chega aos 100 anos, a expectativa de vida aos 100 se torna matematicamente impossível.
        Os fármacos e vacinas que mitigam ou erradicam doenças antes fatais, e facilidades de acesso à saúde e alimentação, nos levaram a um patamar de envelhecimento nunca imaginado antes. Podemos dizer, de certa forma, que a atual longevidade atingida é artificialmente imposta por tratamentos.
        Eliminamos a seleção darwiniana por isso? Eu não afirmaria. Pois nossos genes, nossa biologia, está traçada em nossos genes e na forma como nos relacionamos como ambiente externo. Pois genes e ambiente externo exercem pressões, por mais que prorroguemos nossas vidas artificialmente.
        Se viver a velhice avançada é bom, não sabemos enquanto não chegamos lá. Há idosos tão felizes mesmo com suas doenças, quanto ranzinzas e saudáveis. Vale lembrar de que cada pessoa é única, e o futuro nós vamos construindo devagar com os atos da vida presente. 
        Se viveremos muito ou não, não sabemos, mas em sã consciência sabemos, pelo menos, que cada dia vivido valeu e vale a pena.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. O fenômeno foi estudado pela 1º vez por Rutheford, depois Marie Curie descobriu o elemento rádio e suas propriedades. Tais descobertas impulsionaram o desenvolvimento das tecnologias da medicina radiológica no início do século XX.
2Prescrição de fármacos industriais, sintetizados em fórmulas concentradas para ação mais potente.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/06/analise-velhice-e-mesmo-doenca-apos-os.html
- https://www.scielo.br/j/rbme/a/kDdV4yj97T6pQ7gVmfy9s7B/?lang=pt (teorias do envelhecimento, Farinatti 2002)
- https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-46357593
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2018/12/02/nos-realmente-vivemos-mais-do-que-nossos-antepassados.htm

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