sexta-feira, 2 de julho de 2021

Análise: Os criminosos por trás de Lázaro

        Após cerca de 20 dias de caçada reforçada, o criminoso Lázaro Barbosa de Sousa foi encontrado, encurralado e executado aos 32 anos de idade pelas forças policiais compostas pela PM-GO, PF e até PRF convocada para bloquear vias de fuga. 
        Foram no total 270 homens, acompanhados de cães farejadores e até de drones. Foi então que essa caçada terminou bem-sucedida - após, claro, dar espanto a um cantor local que fora confundido com Lázaro por sua aparência parecida.
        Mas, por que um país, envolto numa tragédia terrível protagonizada pela sindemia de C19, propagada principalmente por um líder nacional, se volta para o desfecho de um criminoso que, sim, deixou a gral apavorada na região onde atuava?
        A verdade é que o buraco é bem mais embaixo, e as mídias vêm trazendo aos poucos à tona. E se entenderá que as forças policiais em nada têm ou fizeram de heróico.

Um experiente mateiro que irritou a polícia

        Como foi explicitado em artigo anterior neste blog, Lázaro Barbosa nasceu na zona rural de um município do interior da Bahia, vindo de família de humildes agricultores. É certo que Lázaro teve infância difícil e, como a família, teve baixa escolaridade. 
        Desde cedo ele e os irmãos aprenderam a perambular em grande área das matas para satisfazer as necessidades gerais. Tal hábito permitiu a eles conhecer animais e plantas potencialmente comestíveis e medicinais, um traço ainda muito comum na cultura rural. 
        Mas, a vida rural, a baixa escolaridade e a experiência na mata sem se perder pareceram perfeitas para Lázaro, que sempre apresentou têmpera muito agressiva e algo antissocial. E veio a fácil, mas infeliz vida criminosa, na qual, como já sabemos, desenvolveu um CV digno de nota.
        Em sua ficha criminal figuram delitos como estupro, assalto, sequestro e assassinato. Neste último, foi considerado serial killer (SK) pela mídia, mas seu modus operandi e vítimas diversos não bateram com o perfil típico da crônica forense. Um dado comum foi exigir ser servido pelas vítimas nuas, o que revela cunho sexual, seja transtorno ou fetiche.
        Vale ressaltar que o CV de Lázaro é inferior dos de outros famosos do submundo brasileiro, que seguem vivos, leves e soltos, alguns deles tranquilos nos asfaltos mais nobres das capitais, trocando figurinhas com digníssimas autoridades e grandes empresários. 
        O que mais destacou no baiano foi a sua experiência de mateiro, que valeu memes de humor na internet em vários dias de caçada. Memes esses encerrados com a sua morte.

Descarga raivosa e possível vida de jagunço
        Conforme várias mídias divulgaram, Lázaro foi encontrado pelas polícias quando estas receberam devidas informações por moradores em Cocalzinho de Goiás, por onde passou novamente. Nesse local mesmo, ele levou cerca de 38 tiros, segundo as mesmas mídias. Com ele havia arma, documentos e R$ 4400.
        Vale destacar dois principais pontos, a começar pela quantidade de tiros recebidos pelo foragido. A saraivada de tiros revela muito mais do que o lado eternamente infeliz da polícia traduzida no jargão "bater meta". Na verdade, era a clara evidência da descarga de raiva, após 20 dias midiáticos.
        O trabalho da polícia, com tal desfecho, foi tratado pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, conhecido como notório ruralista bolsonarista, como "heróico". Todavia, o tenente-coronel da PM-SP Adilson Paes não perdoou, deixando às claras que "a operação foi uma catástrofe", pois "a morte de Lázaro pode prejudicar investigações".
        A quantia foi inicialmente revelada como fruto de possível assalto praticado sobre algum morador de chácara ou sítio. Todavia, informações posteriores levantadas indicaram que Lázaro possivelmente trabalhou como jagunço para fazendeiros, em funções criminosas. 
        O que faz sentido, visto que invasões de terras de posseiros ou pequenos produtores e grilagem são atividades especialmente comuns em áreas dominadas pelo coronelismo ruralista no país inteiro. Isso é de amplo conhecimento, inclusive das autoridades que solenemente fecham os olhos.

Reflexões finais: verdades inconvenientes

        A exposição de fatos logo acima revela verdades inconvenientes. A crítica do tenente-coronel da PM-SP, acima reproduzida, mostra claramente o que realmente levou os policiais a atirar em Lázaro com toda aquela saraivada de tiros: eles o executaram por pura descarga de pura e muita raiva.
        Descontada em Lázaro ter escapado com maestria da perseguição de 270 homes com cães, drones e tudo, esgueirando-se pela mata. Não importam os rastros deixados para trás como o corpo da vítima sequestrada após assassinato de seus familiares e restos de comida numa gruta. 
        Raiva, principalmente, de seu próprio fracasso: as polícias engoliram um sapo duro ao reconhecer a sua própria inabilidade (por inexperiência) para se esgueirar nas matas sem se perder. Nem os cães farejadores, tão essenciais nisso, os ajudaram a contento. Precisaram da ajuda de informantes locais.
        Os informantes tiveram identidade em sigilo para evitar represálias, pois é bem grande a suspeita de Lázaro ter atuado como jagunço de um deles, pela quantia ser salário comum de jagunços locais, Surge aí a necessidade de se descobrir quem o teria acobertado, pois há latifúndios e assentamentos na região, que tem eventuais conflitos agrários.
        Por outro lado, a coisa toda pode ter excitado a mente dos policiais de baixa patente inebriados na onda bolsonarista, como esclarece Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV1:
        Embora a fala de Alcadipani tenha se referido essencialmente à ideologia da violência, é certo que os R$ 4400 tenham mexido com os PMs soldados envolvidos na caçada: seus soldos valem menos do que a grana de um reles jagunço. Eles que tanto batalharam para ser PMs deveriam merecer mais.
        Mas aí surge outra verdade inconveniente para a polícia, na ideologia da violência e da grana: o fracasso inconteste da educação e da mentalidade militar, a revelar a necessária desmilitarização dessas forças, que por motivos já abordados neste blog, já nasceram sem a esperada essência social-protetiva.
        Assim, a raiva descontada em Lázaro confirma o desejo dos PMs serem como os jagunços, com sede de matar para mostrar o seu aparente poder. Apenas mataram um bandido como mataram tantos outros, mais revelando do que maquiando o seu fracasso.

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Imagens: Google

Notas da autoria
1. Fundação Getúlio Vargas.

Para aprender mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/06/analise-lazaro-e-autopromocao-na.html
- https://www.brasildefato.com.br/2021/06/28/com-lazaro-morto-policia-quer-descobrir-se-bandido-atuava-como-jagunco-de-empresario
- https://www.brasildefato.com.br/2021/06/28/tenente-coronel-critica-pm-de-goias-no-caso-lazaro-operacao-foi-uma-catastrofe
- https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/06/28/lazaro-especialista-uol-news-tarde.htm

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