domingo, 25 de julho de 2021

Análise: isso é uma ameaça? - p. 2


        O voto impresso se tornou um tema recorrente desde que o presidente Jair Bolsonaro enxuricou os seus fanáticos seguidores na alegação de que "as eleições de 2014 e de 2018 foram fraudadas para que o PT perpetuasse no poder". O presidente reforça a sua ideia dizendo ter provas, mas nunca as mostra.
        Tanto que foi elaborada e entregue à Câmara texto da PEC do voto impresso auditável para apreciação. O texto desperta reações muito diferentes em diversos setores sociais e políticos, mas o que domina é a oposição a essa proposta.
        No Congresso, tanto o presidente do Senado Rodrigo Pacheco quanto o da Câmara Arthur Lira avalizam a apreciação analítica do texto. Por outro lado, os ministros do STF, e por extenso, o presida do TSE Roberto Barroso, negam enfaticamente qualquer possibilidade do que consideram retrocesso.
        O tema também enxuricou o ministro da defesa Walter Braga Neto, que após mexer com Omar Aziz por conta das revelações de envolvimento de militares em pilantragens com vacinas da C19 pela CPI, faz a única coisa que os militares brazucas fazem: ameaçar golpe em prol do voto impresso.

Um assunto de anos

        Na verdade, a suposição de fraude em pleitos que elegeram a petista Dilma Rousseff em 2014 se baseou na diferença de décimos decisivos na percentagem final para ela e para o tucano Aécio Neves. Na de 2018 Bolsonaro alega que foi eleito no 1º turno, desconsiderando os milhões de abstenções que, mais do que seus eleitores, decidiram por sua eleição.
        Em nenhum dos casos Bolsonaro apresentou provas dessa fraude, além de se dizer defensor da auditoria, que diz acreditar ser ausente no voto eletrônico. Uma mentira deslavada: voto eletrônico é auditável, e há como imprimir resultados preliminares e finais dos pleitos, acessíveis à população.
        Desde que foi adotada em definitivo a votação eletrônica, nunca foi apontada prova de fraudes em nenhum dos pleitos ocorridos desde o primeiro, ocorrido em 1996, para prefeitos e vereadores em 57 municípios, para se saber da adaptação dos eleitores e a praticidade das contagens até os resultados finais.
        Vale lembrar que a ressurreição do defunto do voto impresso por Bolsonaro encontrou inspiração no horroroso processo eleitoral presidencial nos EUA no ano passado, que desandou em palhaçadas de golpe por Donald Trump, após constatada, reiterada e confirmada derrota para Joe Biden.
        Ou seja, se perde em 2022, Bolsonaro daria o seu jeitinho de recusar a saída do Planalto e poria samangos para ameaçar e fanáticos a tentar invadir o Congresso (mesmo que, nesse momento, está nas mãos do Centrão) e o STF.

Do voto em cédula ao eletrônico

        A votação em cédula é um processo secular ainda vigente na maioria dos países, incluindo EUA. A preocupação constante dos organizadores com o risco de fraude fez com que essa modalidade evoluísse seu formato. Ainda assim, fraudes eventuais são descobertas pelos observadores a serviço da ONU.
        A evolução dessa modalidade conta hoje com contadores-seletores computadorizados. Todavia, o tempo gasto até os resultados finais pode ser longo. Nos EUA, mesmo com esse dispositivo, o desfecho veio após dois meses, pondo em xeque a validade do sistema.
        Mas, o incrível é que, por interesses internos, a própria classe política dos EUA prefere manter o voto de cédula, mesmo que alguns estados tenham urna eletrônica, e que o desejo do povo sela pela universalização da forma eletrônica, elogiando o sistema brazuca.

No Brasil
        No Brasil, eleição antes da urna eletrônica era uma dor de cabeça, em razão da cultura do curral eleitoral, da criminalidade comum e da insegurança da automação obsoleta. Fraudes eram recorrentes e havia até novos pleitos em alguns municípios, a mando da Justiça. Daí veio o sonho da "máquina de votar", que seria prevista a partir do Código Eleitoral de 1932.
        Nos anos 1960, o brazuca Sócrates Puntel criou a sua máquina de Puntel1; todavia, não foi usada. Em 1978, o TRE-MG apresentou protótipo para voto mecânico, também não levado adiante. Alegação: não eram portáteis nem resistentes, com alto custo. Nos anos 1980 foi inventado o coletor eletrônico de voto (CEV) de gravação direta do voto, e em 1985, o 1º cadastro eleitoral informatizado.
        Na época, o juiz Carlos Prudêncio e seu irmão Roberto desenvolveram um sistema de leitura ótica de votos como o usado em lotéricas. Em 1989 ocorre o primeiro pleito eletrônico válido, em Brusque (SC), a partir do sistema dos irmãos Prudêncio. A cédula "autenticada" era posta na urna convencional depois, e a apuração, via computador central ligado ao telefone, era um pouco mais ágil.
        Em 1996, as empresas Unysis, Omnitech e Microbase criaram a urna eletrônica que conhecemos, chamada de CEV e pioneira do voto automatizado. Foi testada nas eleições municipais de 57 cidades com determinado faixa demográfica. Brusque não a usou por já ter passado por pleito digital. 
        A urna eletrônica foi um sucesso pela segurança, apuração ágil, fácil transporte e resistência. Com a constante atualização de software e hardware, o sistema foi aprimorado, e mais ágil e dinâmico. Hoje, eleições municipais, estaduais e nacional têm desfecho no mesmo dia.
        Se deve a especialistas do INPE a eleição em larga escala no país e sua segurança contra fraudes, pois as urnas eletrônicas são checadas regularmente contra hackers. As eleições hoje são totalmente automatizadas, e já existe aplicativo eleitoral para celulares que permite conferir as contagens.
        A segurança da urna eletrônica é praticamente impossível de ser violada, o que explica a falta de qualquer indício ou prova de fraude. Mas, a automação infelizmente não tem como combater a cultura do curral eleitoral, que envolve outros atores e uma dinâmica complexa e diferente.
        Que o digam os coronéis dos sertões, hoje traduzidos em domínio do crime organizado e milícias sobre favelas, em ambientes militares, e mesmo nos cultos em organizações religiosas onde os líderes, sacerdotais ou não, determinam em quais candidatos seus fiéis devem votar.
        
Bolsonaro e Braga Neto, reflexos da cultura de curral 

        O último parágrafo acima atesta a democracia do voto como relativa, devido à forte influência dos atores determinantes, suficiente para minar o senso crítico do eleitor que ainda acredita tê-lo ao repetir alegações distorcidas daquelas referências.
        Assim nos deparamos com muitos eleitores exigindo intervenção militar em plena democracia sem se darem conta de que estão se aproveitando do momento democrático para isso com certa liberdade. Se estivéssemos numa ditadura militar plena, eles não poderiam se manifestar.
        É nesse clima que Braga Neto, acompanhado dos chefes das FFAA, respondeu ameaçadoramente à negativa da maioria: "se não houver voto impresso, não haverá eleições em 2022", o que virou matéria de capa pelo Estadão (SP), seguido de imediato por outras mídias, com as facilidades da web.
        Considerada ameaça de golpe pelas mídias, a fala do general teve repercussão tão negativa que ele tentou (se) desmentir, sem êxito. Foi ameaça clara, tanto no objetivo quanto na expressão e olhar. E, ainda teve apoio da histriônica deputada estadual Janaína Paschoal, que postou em rede social a mentira "voto impresso já é lei!".
        Mas, a fala de Braga Netto se revela reflexo de duas culturas, a militar e a do curral eleitoral, por terem caráter antidemocrático impondo temor nos eleitores ou reduzindo/ impedindo poder de escolha por uma identidade qualquer, como de classe, cultural, étnica, etc.

Qual é a real intenção do governo? Reflexão final

        Falas ameaçadoras têm permeado todo o mandato de Bolsonaro até hoje, a maioria delas na forma de bravatas usadas para distrair a geral em relação à depleção econômica liderada por Paulo Guedes e à intervenção política internacional nas decisões internas de Estado.
        A quantidade absurda de militares - a maioria, generais de pijama - aparelhando instituições soa para a geral como uma "intervenção silenciosa por junta militar" a concretizar o Art. 142 da CF. Mas, dois anos e meio depois, muito se ameaçou e nada foi à frente. Então, o que queria o ministro com sua fala?
        Tirando o fato inconteste de esses milicos estão lá por grana extra, a intenção de Braga Netto é contribuir para causar anomia e impor anarquia para que Bolsonaro tenha fôlego em recuperar a antiga popularidade e dificultar a chance de vitória eleitoral de Lula. Algo que os EUA acham ótimo.
        Pois, segundo os próximos ao governo Biden, Lula representa o temor de que os HCs2 do pré-sal voltem a ser patrimônio exclusivamente público para monopólio exploratório da Petrobras, impedindo apropriação pelos EUA. Todavia, tal temor é infundado.
        Em 13 anos e meio de PT foi tranquila a exploração parceira entre Petrobras e estrangeiras. FHC (1999) quebrou monopólio para atender a interesses dos EUA parcialmente, devido à lei do subsolo público, daí a parceria. Mas, os EUA querem o pré-sal para o seu próprio monopólio. Daí Bolsonaro se manter no governo, para essa funcionalidade.
        Portanto, a intenção dos militares é atender aos interesses entreguistas de Bolsonaro-Guedes. Sua teórica função de proteção se inverte em blindar os interesses do grande capital concentrado nos EUA e parceiros, contra aquele que, no papel, deveria proteger, mas considera inimigo: o povo brasileiro.
        Essa é a verdadeira ditadura: a do capital. Não importa se de farda ou em formais trajes civis.

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Imagens: Google (montagem autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Dispositivo com duas teclas e duas réguas indicativas dos cargos a serem preenchidos.
2. Sigla de hidrocarboneto (HidroCarboneto - HC no singular).

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Coletor_eletr%C3%B4nico_de_voto
- https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/08/antes-e-depois-das-urnas-eletronicas-veja-o-que-mudou-cjko3h2vg00f101n09lkdrypl.html
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/05/voto-impresso-tse-aponta-risco-de-fraude-senadores-falam-em-inseguranca
- https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2021/07/08/eleicoes-brasil-fraude.htm
- https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/11/bolsonaro-nao-se-beneficiou-de-fraude-eleitoral-em-1994.shtml
- https://www.poder360.com.br/eleicoes/post-engana-ao-dizer-que-bolsonaro-se-beneficiou-de-fraude-eleitoral-em-1994/
- https://congressoemfoco.uol.com.br/exercito-brasileiro/braga-netto-ameaca-golpe-em-meio-a-denuncias-de-militares-pela-cpi-da-covid/
- https://www.youtube.com/watch?v=Enhqn5AxDZw (Ghiraldelli, a real intenção de Braga Neto)

        

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