Análise: isso é uma ameaça? - p. 3
Sexta-feira, 13/8: quem acredita que uma data assim dá azar? Alguns sim - ainda mais havendo a Lua cheia à meia-noite desse dia. Mas é bem possível que a maioria veja essa data com neutralidade, e uma outra minoria a considere dia de sorte.
Para dois nomes, pelo menos, foi grande azar: a deputada recém-cassada Flordelis e o presidente nacional do PTB e ex-deputado Roberto Jefferson. Futuramente eles poderão ter pavor das sextas-feiras 13.
Breve resumo de como foi
Pastora evangélica, Flordelis foi presa preventivamente no inquérito de assassinato do ex-marido Anderson, cuja grave acusação prévia levou à análise política da mesma e à cassação pela Câmara. Já Roberto Jefferson foi preso por ameaça de violência política e atos antidemocráticos.
Flordelis é acusada de assassinar o ex-marido pastor Anderson após brigas familiares. O crime é comum, mas por já ser deputada federal quando do fato, sua situação pode ser analisada na Câmara. O mandado de prisão foi expedido pela juíza Nearis dos Santos, da 3ª Vara Criminal de Niterói.
Cassado em 2006 no caso Mensalão, Roberto Jefferson se aliou a Bolsonaro e se sentiu à vontade em ostentar armas e recitar versículos bíblicos. Sua prisão foi determinada por Alexandre de Moraes, do STF, a quem chama de Xandão, por ameaça de violência política e nos atos antidemocráticos.
Reações e repercussões
A repercussão nas mídias em geral foi bastante expressiva, dado que foram prisões de dois nomes afinados com o governo. Cada um agia conforme possível, Flordelis defendendo as pautas do governo, e Roberto Jefferson externamente, excitando bolsominions pelas redes sociais.
Entre a patuleia geral, a reação dominante foi de comemoração. Entre os fiéis da igreja Cidade de Fogo, da família de Flordelis, mais decepção. Entre os bolsominions dominaram a contrariedade e a indignação, copiadas do governo, claro.
Em Brasília, a maioria dos parlamentares se limitou à defesa da democracia e harmonia entre os poderes para explicar a prisão de Roberto Jefferson. Já sobre Flordelis houve o precavido silêncio, pois ela se destacou como a pastora assassina e não como deputada federal.
Ao saber da prisão de Jefferson determinada por Moraes, Bolsonaro se disse "indignado" e ainda acusou o STF de "extrapolar limites", emendando com nova ameaça, a de impedir os ministros dessa instituição.
Uma empreitada muito difícil, se não impossível
Não é a primeira vez que Bolsonaro afronta o STF com ameaça de impedimento. Em 2019 soaram as ofensas da equipe de governo, piorando em 2020 com a negação à C19. A primeira ameaça ao STF veio após a prisão de Sara Winter determinada por Alexandre de Moraes, então o principal alvo.
O tema voto impresso x eletrônico e as citadas prisões pioraram a rixa presidencial com Barroso e Moraes, que para o presidente, "extrapolam com atos os limites constitucionais", que já motivariam o impedimento. Daí a decisão de reunir com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, ao que Randolfe Rodrigues reagiu em tuíte: "vá trabalhar!".
Da indicação à deposição- Todos sabemos que o ministro do STF é indicado pelo presidente da República para ser sabatinado no Senado e, se aprovado, é então nomeado para exercer funções de juiz constitucional: analisar ADCs e ADIs1 e julgar presidente e vice da República, congressistas, procurador geral da República e ministros de Estado.
Sabemos também dos requisitos, como ser brazuca nato, ter entre 35-65 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada. Mas, como ocorre o impedimento dele? Através do julgamento do mesmo pelo Senado sobre crimes de responsabilidade, conforme Art. 39 da Lei do Impeachament.
Impedir um ministro do STF é quase impossível, dada sua atuação constitucional. É mais fácil destituir presidente, parlamentar ou ministro de Estado, por não dominarem a carta magna a contento, apesar da criatividade respectiva em presidir, legislar e ministrar.
Pacheco já afirmou descartar qualquer chance de realizar o desejo de Bolsonaro, alegando ser um processo complexo e grave que não pode ser banalizado. A razão da decisão é evitar a desarmonia entre os poderes, a partir da qual viria uma séria ruptura institucional de efeitos imprevisíveis.
Reflexões finais
Toda a conjuntura sociopolítica presente se torna alvo de perguntas, sendo a mais frequente esta: por que nada se faz contra Bolsonaro, se com anteriores houve deposições por razões bem menores? A pergunta é pertinente, mas a resposta exigida é complexa e detalhista.
Bolsonaro é reflexo mais puro de nossos defeitos e tem personalidade caótica e fértil, capaz de gerar, direcionar e alimentar a crise sociopolítica que o favoreceu chegar ao poder presidencial. Uma ação típica, a ameaça, não é só autoafirmação, é também um alimentador eficiente da crise geral que o sustenta.
Talvez ele próprio saiba que o desejo de depor ministros que considere desafetos seja impossível, uma vez que nem nos anos de chumbo da ditadura militar houve deposição, ainda que houvesse, claro, perseguição político-ideológica que levasse à saída de um ou outro ministro.
Aliás, vale notar que esse fato ocorrido na ditadura foi um reflexo da ruptura institucional que o próprio golpe civil-empresarial-militar de 1964 representou, e cujas consequências sociopolíticas e econômicas são hoje repetidas através das medidas antieconômicas e antissociais de Guedes.
Aí vemos a razão sublime pela qual se resumiu a recusa de Pacheco em sequer conversar com os colegas, também reativos, sobre a deposição de ministros do STF: salvaguardar a democracia na tão caotizada República. Enquanto isso, aguentemos a mais 15 meses de Bolsonaro.
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Imagem: Google (edição: autoria do artigo)
Notas da autoria
1. ADC = ações diretas de constitucionalidade; ADI = idem, de inconstitucionalidade, solicitadas por parlamentares ou juristas para analisar propostas de governo.
2. Tem um conceito complexo, dadas suas implicações socioeconômicas e sociopolíticas a partir da desarmonia entre os poderes de Estado e República.
Para saber mais
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/13/prisao-de-bob-jeff-bolsonarismo-defende-que-atacar-democracia-e-um-direito.htm
- https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/08/13/flordelis-e-presa-pela-policia-civil-no-rio-de-janeiro#:~:text=A%20pris%C3%A3o%20da%20ex%2Dparlamentar,sexta%2Dfeira%20(13).
- https://www.migalhas.com.br/quentes/350099/bolsonaro-diz-que-vai-pedir-impeachment-de-ministros-do-stf
- https://www.politize.com.br/impeachment-de-ministros-do-stf/
- https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/senadores-reagem-a-pedido-de-bolsonaro-contra-ministros-do-stf-vai-trabalhar/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1079.htm (Lei 1079 de 1950, ou Lei do Impeachment)
- https://br.noticias.yahoo.com/pacheco-descarta-abrir-impeachment-de-ministros-do-stf-desejo-de-bolsonaro-134207515.html
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