sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Análise: por trás da fumaça de sucata


        Enquanto a CPI da C19 rolava, o presidente Jair Bolsonaro recebeu convite de representante da Marinha para assistir a um treinamento em Formosa, no interior de Goiás. Estranho local, por não haver lago digno de nota, muito menos mar.
        Agressivo com a queda de braço renhida com Roberto Barroso, Bolsonaro viu nisso uma boa ideia: decidiu por um desfile militar em Brasília. Bem no dia da votação da PEC do voto impresso em plenária da Câmara.
        O desfile foi criticado pelos parlamentares como desnecessário propósito de intimidar a Câmara, o STF e o TSE e gerar temor popular, apesar das negativas dos militares. Um gasto de grana pública. Indiferente, Bolsonaro manteve a decisão: "eu sou o presidente, quem manda sou eu".

Desfile de sucata

        Mesmo tão criticado, o desfile atraiu tanto populares que passavam por ali quanto políticos e os funcionários do Congresso, da Esplanada e do Planalto. Se alguém esperava que passariam tanques ultramodernos computadorizados com direito a conexão 5G, se enganou. 
        O que se passou ali mais parecia uma comédia, na soma da insistente ostentação personalista do presidente e um verdadeiro museu de antiguidades bélicas. De pintura camuflada, eram tanques da II Guerra Mundial e da Guerra do Vietnã, estes últimos doados pelos EUA. 
        Não bastando a falta de renovação, havia a falta de manutenção, regular ou adequada, denunciada pela fumaça escura e densa, de possível queima de restos de diesel velho. Um tanque soltou grande quantidade de fumaça densa e escura à frente do Palácio da Alvorada com Bolsonaro e tudo. 
        Foi terra fértil mais do que o suficiente para gerar memes de todo tipo, usando a linguagem chula presidencial. E fértil também para muita repercussão.

Repercussão

        O museu militar ambulante chamou gerou repercussão internacional, com direito a mais críticas entre mídias de todos os portes e direções, e foi fértil para o surgimento de análises de cunhos tanto psicológicos quanto políticos.
        Cunho político- Diferenças de análise e julgamento à parte, brasileiros e europeus compartilham a mesma crítica sobre o desfile enquanto "show de bizarrice sem propósito" - a concordar com a negativa de militares sobre intimidar Congresso e tribunais superiores, confirmando o desfile como vergonhoso.
        Se quis intimidar, não conseguiu: a PEC do voto impresso morreu por insuficiência de votos. O antidemocrático distritão também. Felizmente.
        Parecendo um gerente de loja de antiguidades bélicas, Bolsonaro evidenciou a diplomacia natural do brasileiro, praticada pelo Itamaraty de outrora, em vez da defendida "tradição guerreira": o nosso arsenal total de guerra só daria para 1 hora. Isso se não corrermos ao espocar do primeiro tiro.
        Cunho psicológico- essa repercussão nacional é interessante. Já explorado por aqui, o governo de Bolsonaro é bem pessoal. O "sou o presidente, quem manda sou eu" é uma forma do personalismo, o culto à personalidade, já praticado por nomes como Mao Tsé, Hitler, Stalin, Castro, Mussolini, Kadafi, Idi Amin, e outros. 
        Além do personalismo, psicanalistas apontaram um desejo de autoafirmação em relação de cunho quase sexual com o militarismo. Das armas às fardas e ao ambiente do quartel, tudo evoca virilidade, e daí mais poder, não importa o crescente número de mulheres militares. 
        Já soada no "sou o presidente, quem manda sou eu", a necessidade de autoafirmação com esses ingredientes se urge mais com Bolsonaro golpeado pela crise. É no desfile que ele se apoiou e mostrou seu poder político viril.

Enquanto isso...
        Enquanto os memes da fumaceira dos tanques explodia nas redes, foi vazada a aprovação de nova facada nos trabalhadores celetistas. a MP 0145/21 propõe contratos sem direitos como 13º salário, férias e licença, relaxamento na apreensão de trabalho escravo e férias como recesso sem remuneração.
        Na MP foram adicionados submarinos1 escondidos sob um mar muito calmo. Ironicamente, o jornalismo - no qual há muitos liberais nas grandes mídias - será muito fragilizado com essa medida. Inúmeras outras profissões entram nessa barca furada, que praticamente mata a CLT.
        Guedes havia falado sobre a MP dias antes, mas sem menção pela mídia a corte de direitos, devido à propaganda enganosa sobre as reformas (a tributária e administrativa estão na fila), a impedir chance de atenção da patuleia, que terá uma amarga surpresa no bolso no fim do mês.

Reflexões finais

        Ninguém tem dúvidas de que o desfile não teve propósito consistente e válido. Por outro lado, ele foi útil para mostrar uma realidade cuja dimensão talvez fosse ignorada.
        No desfile Bolsonaro quis materializar sua discordância dos limites dos tribunais superiores e da CPI-C19; de se mostrar um presidente "imbroxável e viril" de estilo personalista e capaz de tudo para camuflar suas fraquezas e proteger seus filhos; entreteve a geral enquanto a Câmara silente atuou contra os trabalhadores e Lira zerou seu impeachment.
        Os tanques antiquados denunciaram a má destinação dos recursos públicos para as FFAA. O alto oficialato se enriquece às custas do abandono do arsenal bélico, de tecnologias não renovadas e até da falta de comida para o baixo clero e funcionários dos quartéis.
        Enfim, mesmo quase caindo aos pedaços, os tanques serviram relativamente bem a Bolsonaro e à Câmara. Apesar de tudo.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Na linguagem política e jornalística o termo usado é jabuti, na referência ao surreal "jabuti subir em árvore". Mas o blog prefere chamar de submarino, por dar melhor ideia de algo escondido, que entra no bolo sem nenhum aviso prévio.

Para saber mais
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/11/sem-o-centrao-bolsonaro-prova-ser-so-gerente-de-lojade-blindados-antigos.htm
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/10/sob-a-fumaca-do-voto-impresso-camara-reduz-protecao-aos-trabalhadores.htm

 

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