quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Análise: Talibã afegão e o brasileiro


        No início dos anos 2000, o Afeganistão, na Ásia Central, foi tomado de assalto por um grupo radical islâmico surgido do norte, conhecido como Talibã (está aportuguesado, por não conhecer a original e favorece acesso à leitura pelos brazucas).
        Na época, havia outro grupo radical, saudita, mas ideologicamente próximo do Talibã: a Al Qaeda, de um personagem muito conhecido entre nós, Osama bin Laden e que se envolveu no atentado no dia 11/9/2001, em Nova Iorque, com repercussão imensa.
        Houve combate entre as forças lideradas pelos EUA contra o Talibã e a Al-Qaeda de Osama bin Laden no início dos 2000. Talibãs recuaram e Osama foi morto. Agora, após saída das forças dos EUA, o Talibã retorna o domínio tomando a capital Cabul. O presidente e milhares de afegãos fugiram do país.
        A imprensa ocidental tem tratado o Talibã como uma milícia terrorista radical. Mas, até onde essa percepção está correta? Pois afinal, em alguns países ocidentais também há milícias radicais, só que em outras versões - religiosas (cristãs) ou não. Esse é o cerne deste artigo.
 
        País da Ásia Central, fronteiriço com Paquistão, Irã, Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão, ligando Ásia Menor à Índia. Sem acesso ao mar, é montanhoso de grande altitude e clima1 com verões e invernos rigorosos que desafiam os desavisados.
        Habitado desde a pré-história, com trecho da rota da Seda ligando a China à Ásia Menor, o país tem povo de 4 etnias principais: pashtuns autóctones, tajiques de origem persa, hazaras persa-mongóis (se acreditam descender de Gengis Khan), e uzbeques de origem turca. Aprendido em escola corânica, o árabe é falado nos ritos do islamismo, religião dominante.
        Os indicadores sociais são ruins, com altos índices de mortalidade e expectativa de vida média de 43 anos, fruto da dificuldade de acesso aos serviços públicos essenciais, como saúde e saneamento. A educação é também pobre, com forte base corânica que influencia na forte religiosidade.
        A comunidade internacional reconhece a República Islâmica do Afeganistão, e não o Emirado Afegão idealizado pelos talibãs.

Talibã ou Taleban
        Termo que significa 'estudante' ou 'aspirante', é uma milícia sunita2 radical de jovens muhajidins (guerreiros santos em árabe) de maioria tajique. Em 1990, militares dos EUA os armaram contra forças soviéticas no norte do Afeganistão, antes do fim definitivo da URSS.
        O intento do Talibã é tornar o país um Emirado (reino islâmico), daí as duas investidas, no início dos anos 2000 e no presente.
        Visão- Talibã se assemelha ao EI3 em visão distorcida da sharia. A educação corânica é imposta a todos, e a laica é ampla para homens e quase totalmente vetada a mulheres. Nos anos 2000, meninas e mulheres eram obrigadas a usar a burca (burkha), vestimenta que cobre todo o corpo, cabeça e rosto.
        Burca- é um traje antigo usado por agricultoras tajiques como proteção contra rigores climáticos, daí também a tela para os olhos. Dispensa o uso do hijab, lenço a envolver a cabeça e o rosto. O Talibã criou outro valor simbólico, o de recato feminino, daí estender a obrigação da veste a todas as afegãs.

A talibanização evangélica no Brasil

        Enquanto o mundo se atenta à tomada talibã no Afeganistão, ocorre algo análogo no Brasil a que ninguém se atenta: missionários pentecostais em áreas indígenas para conversão em massa. A prática é proibida por lei, mas segue impune, e normalizada pela patuleia por ignorância.
        Uma comitiva de pastores e representantes do governo Trump conversar em sigilo com Bolsonaro e depois mapear nossos indígenas em plena pandemia não tem nada de normal. É no mínimo suspeito, para não dizer coisa pior. Reflexo de um espaço cada vez maior no campo político-ideológico, daí a coisa estar mais voraz, com consequências sociais e ambientais.
        A nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias como presidente da Funai foi apontada por Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), como uma ameaça à vida dos povos indígenas, devido à postura "neocolonialista e genocida" de Bolsonaro.
        Não é para menos: Ricardo fez parte da missão estadunidense New Tribes do Brasil (MNTB) de 1997 a 2007, justamente para contribuir no mapeamento de povos indígenas. E a postura governante denunciada pelo arcebispo aparece como a verdade saltando aos nossos olhos.
        Com intenção ou não, foram as missões as primeiras a transmitir C19 aos indígenas, incidindo em mortalidade muito superior à de brancos. E na crescente voracidade dessas missões, invasões de terras indígenas, violência com morte, grilagens e desmates cresceram assustadoramente.
        Ainda no ano passado, o Estadão denunciou a Amazônia como um prêmio pago aos missionários evangélicos que arrebanharem mais indígenas, já de olho em povos isolados, que vivem nos recantos mais isolados da floresta e mantêm intacta sua cultura ancestral. 
        Conversão forçada- A voracidade evangelizante é intencional: pela perda do laço ancestral com a natureza e a promessa de vida melhor, os indígenas cederiam terra mais facilmente para a exploração econômica. Mas, as coisas não têm sido assim, e ainda há efeitos deletérios na saúde mental indígena.
        Lideranças de comunidades indígenas denunciam aumento de suicídios de jovens desde 2019 em várias regiões, e mais recentemente no Paraná. Além de falta de trabalho e avanço do agronegócio e da C19, os líderes denunciam a evangelização, sinalizando conversão forçada em comunidades inteiras.
        E isso nos leva a novas e interessantes reflexões de analogia.

Reflexões finais

        Alguns leitores certamente perguntarão por que traçar uma analogia entre Afeganistão e Brasil no tema. A resposta está num contexto: o do terrorismo - a ser explicado a seguir.
        Tradicionalmente se entende o terrorismo como atentado contra a coletividade, um Estado ou um governo (ou seu regime) com tiro, porrada e bomba. Nada mais limitado. Se pode aplicar um regime de terror de formas tão sutis e cheias de sorrisos gentis quanto em tiro, porrada e bomba.
        Isso demonstra claramente que grupos tão diferentes entre si, tanto em ideologia e fé quanto em metodologia, podem praticar ação típica de terror, provando o conceito elástico do terrorismo.
        Ao impor seu padrão valorativo distorcido e fundamentalista da sharia, o Talibã pratica o terror. Tal como os grupos cristocêntricos brasileiros. Diferenças metodológicas e de pensamentos não importam, pois os objetivos e o padrão impositivo e intolerante são os mesmos, pois ensejam a homogeneização social para maximizar seu controle.
        Assim como a fuga de milhares de afegãos desesperados com a tomada de Cabul pelo Talibã, no Brasil há desordem mental pela perda de identidade originária imposta pela conversão evangélica, o abre-alas para os demais fatores supracitados a pavimentar o caos social entre os indígenas.
        Portanto, se evidencia claramente uma talibanização à brasileira, que tal como no Afeganistão, se impõe em regime de terror. Portanto, ao falar sobre terrorismo, deve-se lembrar de sua prática diária aqui no Brasil, por trás de belos sorrisos, orações e promessas.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Clima temperado continental subúmido com belos vales profundos e picos altos, e planície desértica no oeste (fronteira c/ Irã).
2Uma das duas principais correntes do islamismo. Os sunitas são mais rigorosos em costumes e no papel de gênero.
3. Sigla aportuguesada de Estado Islâmico, conhecido no exterior pela sigla ISIS.

Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Afeganist%C3%A3o
- https://temas.folha.uol.com.br/amazonia-sob-bolsonaro/novos-missionarios-da-amazonia/missionarios-vao-ao-vale-do-javari-atraidos-pelos-indios-isolados.shtml
- https://reporterbrasil.org.br/2020/06/organizacoes-religiosas-dos-eua-mapeiam-indigenas-no-brasil-e-nao-interrompem-acoes-com-isolados-mesmo-durante-a-pandemia/
- https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,uma-conquista-evangelica-esta-acontecendo-e-a-amazonia-e-um-premio-muito-procurado,70003466255
- https://marcozero.org/arcebispo-afirma-que-nomeacao-de-evangelico-ameaca-os-povos-indigenas/
- https://www.brasildefatopr.com.br/2021/06/24/casos-de-suicidio-aumentam-entre-jovens-de-comunidades-indigenas-no-parana


        

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