terça-feira, 7 de setembro de 2021

Análise: a liberdade de expressão segundo Bolsonaro

        Uma das falas recorrentes do presidente Jair Bolsonaro tem sido a alusão à liberdade, no desejo de imprimir a ligação da mesma com a democracia - outro termo tão propagado por ele e seus generais à quase exaustão. 
        Nessa recorrência frequente dele, a maior parte da patuleia tem interpretado a liberdade como ligada à própria vida humana, e por isso, sagrada. Daí a ideia de plenitude. Até se perceber, nos fatos últimos, o verdadeiro sentido para o presidente.
        Para entender melhor, vamos aos tópicos.

A liberdade como atributo da democracia

        De fato, a etimologia da palavra democracia, que em grego remete ao poder pelo povo e para o povo, nos leva à compreensão simplista e generalista de que um povo é soberano enquanto prioridade nas decisões de Estado. 
        Nesse sentido, numa nação onde impera pela lei o Estado democrático de direito, o povo é livre para expressar seus desejos e necessidades junto àqueles que foram eleitos como seus representantes para autorizar a execução de atividades voltadas para o bem-estar coletivo.
        Da mesma forma, quando os seus representantes eleitos não satisfazem as necessidades coletivas ou se omitem a fazê-lo por motivos diversos (geralmente egoicos ou a favor de um grupo fechado), a coletividade manifesta a sua insatisfação ou indignação, pois se percebe alijada. 
        As linhas acima revelam que o povo de uma nação democrática tem a sua liberdade de expressão protegida por lei, salvo se houver confrontos ou ameaças às instituições e à integridade do coletivo. Mas, como ocorre a liberdade de expressão? Ela pode ser coletiva ou individual, verbal e corporal.
        A liberdade coletiva é expressada por grupo específico ou pela maior parte da nação, e tem maior poder de ação, como se pode verificar nas atribuições supramencionadas. A individual revela a visão pessoal de mundo, ressalta a individualidade e aumenta a diversidade de pensares na sociedade.
        Essa liberdade pode ser expressada por meio verbal ou não-verbal (corporal). Nesta última estão as maneiras de se vestir, de usar o corpo para comunicar e expressar sentimentos ou emoções, pessoais ou coletivas. Uma forma corporal grupal dá visibilidade ao grupo como integrante da sociedade.
        Nota-se que, de qualquer maneira, a liberdade de expressão não possui caráter absoluto, mas sim relativo, moldado em delicado equilíbrio que harmoniza diferentes pensares e visões, e minimiza os riscos de conflitos éticos, raciais, culturais, político-ideológicos, religiosos, sexuais, etc.
        O relativismo é previsto na Constituição a partir do princípio de que cada um de nós é limitado por terceiros e pela sociedade, se estendendo até à vida, dando sentido ao recurso da legítima defesa. 

A democracia e a liberdade segundo Bolsonaro

        Bolsonaro entende a democracia como ambiente necessário para que seja exercida uma liberdade a atingir um contexto social mais amplo. Mas, na sua visão, moldada no olavismo e no cristocentrismo, ele modifica profundamente o delicado e complexo paradigma da liberdade em contexto democrático.
        Para Bolsonaro - estendido ao bolsonarismo -, a liberdade individual está acima do bem-estar coletivo previsto na harmonia relativista democrática. O coletivo parece perder a importância, mas Bolsonaro necessita dele e sabe disso. Parece contraditório, mas há uma lógica por trás disso.
        Em verdade, se nota que o indivíduo não é, na verdade, qualquer pessoa, e sim ele próprio. Nesse sentido, se entende por que o coletivo tem importância, desde que submisso à vontade do indivíduo. Através disso se revela uma característica central de Bolsonaro como governante personalista. 
        É por essa razão que o blogueiro e jornalista Leonardo Sakamoto aponta a ideia de Bolsonaro a esconder uma mensagem subliminar do desejo de uma sociedade miliciana, "do cada um por si e Jair acima de todos", a personificação cristofascista de Deus a governar o Brasil.
        Nesse âmbito se entende porque o professor e influencer Paulo Ghiraldelli diz que Bolsonaro não deseja acabar com a democracia, mas sim mudar o paradigma da mesma subvertendo os princípios para que a sua autoafirmação à frente e acima de todos.
        Ele não se importa com a diversidade, desde que esta se curve ao seu personalismo autoritário: "sou o presidente, quem manda sou eu". A coletividade que ele encara como "o povo" são os súditos fiéis que todas as manhãs aparecem no cercadinho para dar o seu "bom dia" e rezar um Pai Nosso.

Reflexões finais
        É com esse sentido que, após as punições de vários representantes pelo STF, os bolsominions protagonizam os manifestos de 7/9 em diversas cidades, com destaque para Brasília e São Paulo. Mas, como o bolsonarismo despreza a diversidade social mesmo não tendo como bani-la de fato, vale dessa forma, para os manifestantes, a interpretação antidemocrática. 
        Em decorrência da visão distorcida da ligação entre liberdade coletiva e democracia, Bolsonaro implica um tom antidemocrático sem destruir a democracia de fato. Somente na sua bolha, reunindo a família do presidente, a caterva e seus apoiadores, que a liberdade de expressão ganha um significado inteiramente próprio, inteiramente bolsonarista. Mais nada.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. 

Para saber mais
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/09/06/bolsonaro-usa-liberdade-individual-para-defender-brasil-miliciano-dia-7.htm


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