quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Análise: ressaca pós-7/9 e futuro político

        Na medida do possível prometido por líderes bolsonaristas, o dia 7/9 "foi gigante". Pois foi o dia em que mais bolsominions se reuniram em favor do seu ídolo, em Brasília, 24 capitais estaduais e urbes medianas. Mas também foi gigante em pormenores outros que Bolsonaro, os aliados na tribuna e seus fanáticos seguidores se recusam a admitir.

Os ecos de um dia "de guerra"

        Na noite da véspera, Brasília estava preparada para as manifestações, com cerco policial para proteger os espaços públicos, em especial a Esplanada dos poderes. Mas o cerco policial afrouxou-se e as primeiras hordas agressivas de bolsominions atiraram as barricadas no chão. 
        Já no dia, querendo levar às últimas consequências o seu conceito ideológico de "liberdade"1, o presidente Jair Bolsonaro se sentia à vontade atiçando seus fãs ao vociferar contra o STF (em especial o ministro Alexandre de Moraes) e, naturalmente, o "comunismo". 
        A cada rugido do feroz ídolo, a patuleia verde-amarela, em geral aglomerada e sem máscaras e álcool gel, se excitava em aplausos quase histéricos. As grandes mídias transmitiam em tempo real as imagens aéreas dos manifestos, de bolsominions e de opositores populares.
        O Vale do Anhagabaú na capital paulista foi o maior palco de manifestos populares juntando os movimentos como Grito dos Excluídos (grupos sociais marginalizados), com reforço de representantes LGBTQs, indígenas e negros, torcidas antifascistas, MTST, MST, sindicalistas e partidos de esquerda.
        Embora menos divulgados por não terem tantos recursos, esses manifestos, organizados em redes sociais, foram relativamente bem-sucedidos em várias cidades, principalmente em Sampa, no vale do Anhangabaú, que lotou. Sua realização incomodou Bolsonaro ao ganharem visibilidade midiática.
        Conselho da República- em discurso para a sua patuleia ainda pela manhã, Bolsonaro anunciou a convocação do Conselho da República2 junto com Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, sem obter resposta imediata, mas foi o bastante para entusiasmar ainda mais os presentes.
        Esse Conselho reúne, além das autoridades acima, as lideranças regimentais de maioria e minoria no Congresso, o ministro da Justiça e seis brasileiros natos acima de 35 anos, para mandato de 3 anos, sendo 2 escolhidos pelo presidente da nação, 2 pela Câmara e 2 pelo Senado.
        Outras possíveis intenções- Na esteira de seu discurso beligerante, Bolsonaro intentou tratar, no Conselho, sobre intervenção federal, estado de sítio e a estabilidade das instituições democráticas - à sua moda: nos bastidores até houve rumores de possível prenúncio de golpe ou autogolpe.
        Mas, apesar do apoio de alguns nomes obscuros como os generais Augusto Heleno e Braga Netto, e mesmo Paulo Guedes, que trabalhou no governo Pinochet, não há indício material dessa ideia, e os nomes mencionados não a aceitariam, pela falta de razão e ser ainda pior para o país como um todo.
        Para o Consultor Jurídico, se ocorrer o Conselho será inócuo, pois lhe falta poder decisório (Lei 8041/1990). O estado de defesa ou sítio é decretado pelo presidente da República com autorização do Congresso, e discutir sobre estabilidade das instituições democráticas não tem repercussão prática.
        Enfim, as respostas- Só mais tarde houve resposta ao anúncio do Conselho. Luiz Fux recusou por "falta de condições legais previstas" para tanto, apesar da crise evidente. Inicialmente silentes, Lira e Pacheco depois se recusaram.
        Em sessão no STF, Fux alertou que "desrespeitar decisão judicial é crime de responsabilidade", em referência aos ataques de Bolsonaro às determinações de Alexandre de Moraes. Mas o presidente segue firme, convocando o conselho para esta 5ª feira. Resta saber se irá mesmo acontecer, pois o tom do alerta é bastante claro.
        Pautando impeachment- A crise entre os poderes invocada por Bolsonaro mexeu com os brios no parlamento. Ao todo 12 partidos, de centro e de esquerda, em nome de seus caciques, se reúnem em uma frente suprapartidária contando até cos relutantes Lula e FHC pelo impeachment de Bolsonaro.
        Já totalizam 136 pedidos de impeachment contra o presidente - recorde difícil de ultrapassar no futuro -, que se acumulam desde que Rodrigo Maia presidia a Casa, também se silenciando em nome da escancarada compra bilionária feita aos parlamentares por Bolsonaro.
        Essa frente tem ultimamente apresentado maior sensibilidade ao crescente clamor popular pela deposição de Bolsonaro, por causar exaustão sociopolítica além dos reiterados crimes cometidos pelo presidente. Entretanto, um nome resiste a essa proposta.
        É o próprio Arthur Lira. Segundo Leonardo Sakamoto, Lira não quer "sacrificar a galinha dos ovos de ouro", que tanta grana tem dado. Mas vale atentar-se à obscura intenção de Lira: ele deseja a cassação da chapa para que possa ocupar, de vez, a cadeira presidencial.
        Mas, ele está entre a sua ambição desmedida e a pressão crescente dos colegas de tribuna e até a popular pelo impeachment. Como tentativa de saída, ele tenta construir ponte de pacificação entre os poderes - uma tarefa inglória em se tratando de Bolsonaro.
        Radicalização- Bolsonaro percebeu que sua braveza usando bolsominions como escudos de apoio deu ruim: cresce na tribuna a pressão por sua deposição, que se soma à pressão do STF que agora o investiga pelo lance das fake news. Com o afastamento do Centrão, ele vê a radicalização como única saída.
        Como disse o professor Ghiraldelli (Youtube), Bolsonaro já percebeu que a radicalização mantém autoridades e população em constante tensão sobre o futuro político. Para o cientista político e prof. Fernando  Abrucio (FGV), "vai se intensificar se nada for feito, e a situação econômica e política vai piorar até o ano que vem".

Reflexão final

        Os acontecimentos do feriado de guerra deixaram como elemento-chave a aposta de Bolsonaro pela radicalização crescente como forma de confrontar. Outros atos bolsonaristas acontecerão diante da inação dos que detêm poder equivalente.
        A inação de parte do Congresso reside em interesses diversos, e por parte do STF, na proposital omissão do PGR Augusto Aras, reconduzido para manter proteção aos Bolsonaros. Nisso, Bolsonaro está à vontade para fazer o que melhor sabe fazer: radicalizar a sua base ideológica.
        Mas isso não significa o fim de tudo: a sua base no Congresso começa a se afastar do presidente, abrindo caminhos para a corrida pela deposição. Sabemos que, se depender de Lira, este só pensará nisso por interesses egoicos: ou cassa a chapa para ele virar presidente, ou nada. 
        Falta aqui, nesse momento, um Romero Jucá para incitar "um grande acordo, com Supremo, com tudo", de forma que somente Bolsonaro seja atingido e ninguém mais. Mas, isso poderá ser visto como golpe, igual ao acontecido com a deposição de Dilma Rousseff.
        Soluções existem, apenas exigem sagacidade e prudência das autoridades envolvidas para afastá-lo definitivamente do poder. O que salva a pátria mesmo é a boa vontade política de dar um basta nisso tudo, ou o Brasil se perde num caminho sombrio para o seu próprio fim sociopolítico.
        Pois o fim sociopolítico, se acontecer mesmo, terá sido a grande vitória de Bolsonaro. 
        
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Imagens: Google

Notas da autoria
1. Em conformidade com o próprio viés bolsonarista (ver aqui).
2. Reunião entre as principais autoridades do país, convocada pelo presidente da República, para tratar sobre crise interna de caráter político e institucional.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/09/analise-liberdade-de-expressao-segundo.html
- https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4948176-entenda-o-que-e-e-como-funciona-o-conselho-da-republica.html
- https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/fux-abre-sessao-supremo-responder-ataques-bolsonaro/
- https://www.conjur.com.br/2021-set-07/mesmo-for-convocada-reuniao-conselho-republica-inocua
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/09/08/interna_politica,1303671/dirigentes-de-12-partidos-se-reunem-para-discutir-impeachment-de-bolsonaro.shtml
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/09/08/lira-avisa-que-nao-vai-sacrificar-bolsonaro-sua-galinha-dos-ovos-de-ouro.htm
- https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/09/08/bolsonaro-cientista-politico-professor-fgv-fernando-abrucio-canal-uol.htm





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