segunda-feira, 20 de setembro de 2021

#Curiosidade: Cumbre Vieja e o Brasil

        Não basta a sucessão de notícias explosivas nos bastidores da política envolvendo o governo Bolsonaro, que surge uma novidade a causar impacto na mente e nas emoções dos brazucas: o alerta de erupção de um vulcão no outro lado do Atlântico que poderia lançar tsunamis para nós.
        Emitida por várias mídias, a notícia explodiu nas redes, chamando a atenção da comunidade geológica, que se preocupou com a possível onda de fake news e teorias da conspiração que sempre surgem com fatos importantes para a vida pública. Mas, faz sentido tanta preocupação? 
        São verdadeiros os alertas? A resposta virá a seguir.

Ilhas Canárias e La Palma: aspectos físicos


        A notícia vem das Canárias, arquipélago autônomo da Espanha situado a noroeste do litoral africano, na altura de Marrocos (ao lado). Junto às ilhas portuguesas dos Açores e da Madeira, e as de Cabo Verde, Canárias compõem o grupo Macaronésia. São todas ilhas de origem vulcânica.
        Essa origem da Macaronésia se liga à pressão do encontro das placas tectônicas da Eurásia e África a formar ampla linha de falha horizontal no Mediterrâneo, sendo uma região geologicamente ativa. A subducção1 da planície da Ferradura, no extremo sul português, ocorre nesse alinhamento.
        La Palma- no extremo oeste das Canárias, La Palma é a mais ativa, com seus vulcões alinhados norte-sul. Praias e clima mediterrâneo subúmido têm uma beleza que encanta turistas. É nessa ilha que se localiza o vulcão desse momento: o Cumbre Vieja, num parque do mesmo nome. 
        Cumbre Vieja- localiza-se no centro-sul de La Palma (detalhe ao lado). É o mais ativo da ilha hoje. Para alguém familiarizado, ele não aparenta ser temível, mas engana. Ele lembra os havaiano, com erupção fissural, comum em ilhas oceânicas, com risco de desastre no lado oeste.
         Em 19/9, entrou em erupção após 50 anos quieto, ejetando lava mais líquida e poucas nuvens. O seu poder de fogo está sob atenção dos pesquisadores, por conta do alto risco de deslizamento de seu flanco oeste para o mar, podendo causar tsunamis.
        Tsunami- termo japonês que se traduz conotativamente "onda do porto" ou "de costão", em alusão ao violento quebrar das ondas sísmicas ou de fortes ventos ciclônicos contra estruturas portuárias ou costões rochosos íngremes.
        Também chamada de maremoto (mar em movimento, em latim), a tsunami se alinha longamente em mar aberto, onde atinge até 900 km/h, um Boeing, até alcançar a rasa plataforma continental, onde perde velocidade e ganha altura passível de ter dezenas de metros.
        O primeiro relacionar tsunamis a sismos foi o historiador grego Tucídides, séculos a.C., mas só no século XX tal relação se confirma em definitivo, sendo seu mecanismo ainda objeto de estudo.

Tsunamis do Cumbre Vieja no Brasil: é possível?

        Os brazucas têm razão de seu temor e estranheza. Afinal, como atestam os geólogos, o Atlântico manifesta seu mau humor em furacões e ciclones dignos de nota. Mas não as tsunamis, tão conhecidas e temidas no Índico e Pacífico.
        Num país situado longe dos limites de placas tectônicas, seria de fato estranho haver tais ondas sísmicas. Mas isso não significa que o litoral brasileiro seja imune ao fenômeno, com dois registros, um em 1666 devido a terremoto na Dorsal Atlântica, e outro em 1755, este do outro lado do oceano.
        Em 1755, moradores de vilas litorâneas nordestinas viram enormes ondas sem motivo aparente se quebrando e invadindo ruas próximas. Eles notaram que o vento não era suficientemente forte para gerá-las. Então, o que as teria gerado?
        A resposta veio algum tempo depois: as ondas apareceram após um terremoto de 8,7 magnitudes Richter que devastou Lisboa, seguido de réplicas. Elas atingiram o litora oeste e sul lusitanos, e costas próximas do sul da Europa e norte e noroeste da África.
        Os registros da época apontaram em torno de 10 vítimas fatais, mas hoje se estima em até 100 mil nas áreas atingidas, devido à dimensão do abalo principal, suas réplicas e tsunamis.
        A origem do sismo de 1755 foi na zona de subducção da citada planície da Ferradura na linha de falha do Mediterrâneo. Devido a esse processo, Lisboa foi novamente sacudida em 1969, atestando a importância geológica local em vidas.
        As ondas sísmicas de 1666 e 1755 foram fatos isolados no Brasil, que por outro lado costuma ser atingido pelas meteotsunamis, grandes ondas de ressaca ligadas a ventos ciclônicos extratropicais e tropicais, de menor dimensão em tamanho e potencial de danos e vidas, mas grandes fatores erosivos.
        Potencial do Cumbre Vieja- em tese, o Cumbre Vieja tem potencial de gerar reflexos à distância, dados os fatores determinantes de seu nascimento e natureza. Até iniciar a sua erupção, milhares de tremores foram detectados na região.
        Segundo o Instituto Geográfico Nacional (IGN) da Espanha, os tremores se ligam à pressão na câmara magmática, daí o alerta então amarelo divulgado (e sensacionalizado) pela mídia brasileira, antes da erupção. O alerta amarelo é nível 2 na escala internacional de gravidade no vulcanismo.
        Em velada "remissão de pecado" para acalmar geral, as mídias brasileiras informaram ser "remota a possibilidade de tsunamis no Brasil", afirmativa endossada pela nota técnica da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), com explicações:
        Deslizamento- o IGN aponta não ser a erupção fonte de tsunamis, e sim o deslizamento da vertente oeste do vulcão, de extensão máxima a até 25 km na base. Mas o volume de terra tem que ser suficiente para tanto. Mas até o momento, isso é quase impossível.
        Nesse fenômeno, devemos considerar não só a potência eruptiva. Entram aí a frequência dos tremores e a interferência climática na vertente, como fatores contributivos do volume de terra predisponente a deslizar para o mar.
        Física das ondas- se ocorrerem, as tsunamis levarão até 7 horas para chegar ao Brasil, tempo suficiente para evacuar os moradores, e também para elas perderem força na travessia, chegando à costa como quebras e avanços de maré maiores.
        Isso não nega a possibilidade de tsunamis, apenas afirma uma chance extremamente remota, pois a erupção ainda não é suficiente para desabar tanta terra. Para comparação, vale citar o célebre desastre do estratovulcão2 Krakatoa, no estreito de Sunda, Indonésia, em 1883.
        Da tripla cratera do Krakatoa saiu a maior explosão registrada. A nuvem atingiu 30 km de altura, espalhando cinzas e tefra3. A grande nuvem piroclástica atingiu ilhas próximas. Tsunamis de até 45m varreram vilas inteiras. Saldo: 36 mil mortos; número ignorado de desaparecidos.
        Ao fim da coisa, se descobriu que da ilha Krakatoa só restou um paredão vertical. Em 1927, no mesmo estreito, nasceu explosivamente Anak Krakatoa, o "filho do Krakatoa" no dialeto local. Essa montanha, um estratovulcão, é tão ativa que cresce até 4 m por ano.

        Em matéria de catastrofismo e letalidade, vulcões como o Cumbre Vieja não chegam aos pés dos estratovulcões. Mas o problema é poder gerar estragos maiores se suas erupções forem duradouras e intensas o suficiente, somadas a outras características geológicas e geográficas. O IGN está atento ao Cumbre Vieja devido a novas crateras desde o início da erupção.
        Após a nuvem inicial, as lavas escorrem pelas vertentes, ocasionando a evacuação de moradores de várias vilas próximas, o que pode se estender a toda a ilha se a atividade se intensificar. Incêndios em florestas e danos materiais e imobiliários pelas lavas já ocorrem.
        Mas, até o fim deste artigo, não há ainda novos informes sobre o estado do flanco oeste do vulcão. Ou seja, como já previsto, os brasileiros podem ficar tranquilos. Mas vamos seguindo, pois estamos na dependência das informações do IGN.

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Imagens: Google (montagens: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Mergulho de uma placa tectônica mais densa nas profundezas da Terra no encontro com outra placa menos densa.
2. Tipo clássico de vulcão, de ação brusca e explosiva, com lava viscosa, nuvem abundante de cinzas, piroclástos de vários tamanhos e grande poder destrutivo.
3. Material vulcânico composto de cinzas, bombas (pedaços de lava viscosa), piroclastos (rochas em brasa) e pedras-pomes.

Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cumbre_Vieja
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fluxo_pirocl%C3%A1stico
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Krakatoa


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