quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Análise: o fim de Bolsonaro pode ser Haia. Ou não

        Enquanto a entidade não-governamental All Rise, na Áustria, apresentava um vídeo-campanha sobre a ameaça à vida humana global por conta da má política ambiental do governo Bolsonaro, o relator da CPI da C19, o relator, senador Renan Calheiros, apresentou à tribuna os vários volumes de seu caprichado relatório, onde indicia 80 nomes, entre eles o presidente Bolsonaro.
        Antes de apresentar o vídeo que já foi colocado nas redes sociais para visualização, a equipe da All Rise, formada por intelectuais altamente gabaritados, havia protocolado uma denúncia contra Bolsonaro por crimes contra a humanidade com uso de ecocídio. 
        O documento se referenciou em pesquisa ampla e completa sobre as relações estreitas entre a biosfera e a vida humana: além de afetar a biodiversidade, o ecocídio afeta profundamente a saúde e ameaça à vida humana em escala global. Tudo porque o estudo afirmou que a nossa Amazônia agora mais emite do que absorve CO2, o que aumenta a concentração dele na atmosfera.

Os crimes de Bolsonaro na CPI

        Inicialmente o relatório da CPI incriminou Bolsonaro em 11 crimes, mas dois foram refutados por falta de consenso: genocídio e homicído. O que, para juristas, não mitigou o rigor investigativo da comissão. A seguir, os crimes listados, conforme artigos do Código Penal e na Lei 1079/1950:
        Epidemia resultando em morte (Art 267 do CP)- O presidente atuou premeditadamente ao atuar pela disseminação do Corona, com aglomerações diversos cantos; omissão reiterada como recusas à compra de vacinas oferecidas e ênfase no ineficaz e perigoso kit-C19.
        Infração de medida sanitária preventiva (Art 268 do CP)- reiteradamente, Bolsonaro promoveu aglomerações, abusou de falácias contra as medidas preventivas (uso de máscaras e de álcool gel), e afrontou governadores e prefeitos. com aglomerações e ataques às medidas restritivas.
        Charlatanismo (Art 283)- defesa reiterada de tratamentos ineficazes com suposta "cura infalível" (o tratamento precoce com o kit-C19) e discurso antivacina, contrariando a ciência.
        Incitação ao crime (Art 286)- em seus discursos, ele incentivou os populares a violar as medidas sanitárias impostas por autoridades regionais, e invadir hospitais supostamente vazios para mentir.
        Falsificação de doc particular (Art 298)- Bolsonaro inventou que o TCU superestimou os óbitos pela C19, apresentando um suposto doc com timbre do tribunal, que depois negou a autoria do texto, que foi, na prática, feito por um auditor bolsonarista no TCU, Alexandre Marques.
        Emprego irregular de verbas públicas (Art 315)- dar a um recurso público destino diferente do legal. O presidente (mentor) e seu ex-MS Pazuello (operador) empregaram volumosos recursos para produção e compra da cloroquina mesmo após comprovada sua ineficácia contra a C19.
        Prevaricação (art 315)- Bolsonaro não fez nenhuma medida para conter irregularidade de compra da vacina Covaxin (e outras), que foram canceladas após descobertas pela CPI. E ele ainda retardou o quando pôde a aquisição de vacinas, que acabou sendo iniciada pelos governadores.
        Crimes de responsabilidade (Lei 1079/1950)- o relatório da CPI reconhece duas modalidades, a violação intencional de direito intocável à vida, e incompatibilidade com a dignidade e decoro do cargo. A punição é o impeachment, sobre o qual, vale lembrar, são mais de 120 pedidos que o venal Arthur Lira se recusa a analisar.
        Na violação, Renan atribui como descompromisso "com o combate à pandemia de C19 e, em consequência, com a preservação da vida e da integridade física de milhares de brasileiros"; e na incompatibilidade com o cargo, a repetida conduta de ofensas chulas, especialmente contra jornalistas mulheres.
        Crimes contra a humanidade- conjunto de crimes que envolve extermínio, perseguição e outros atos desumanos, e se baseia na legislação internacional (Estatuto de Roma). O caso em tela está em b (extermínio), h (perseguição), e k (atos desumanos intencionais).
        Em 'extermínio' está a crescente privação de acesso a alimentos e remédios para eliminar parte da população. 'Perseguição' é a violação de direitos fundamentais de identidade de grupo ou coletivo. No caso em tela, Renan se refere ao caos na saúde em Manaus, que se tornou um "laboratório humano".
        Reflexos macabros- Caos este que, na real, se estendeu a outras regiões onde faltou oxigênio, respiradores e anestésicos para intubação, obrigando profissionais de saúde a amarrar os pacientes nos leitos para executar processo tão doloroso e traumático quanto inevitável para tentar salvar vidas.
        Vale mencionar a atuação da médica Mayra Pinheiro, responsável pelo hoje desativado TrateCov e por mandar administrar cloroquina e ivermectina em casos suspeitos de C19, incluindo grávidas e até bebês, no auge do caos em janeiro, evidenciando a intenção de instaurar um laboratório humano. Isso, somado aos testes da Prevent Sênior e Hapvida, e Flávio nos hospitais federais fluminenses.
        Outra evidência apontada por Renan é a de "ataque sistemático [...] contra a população indígena", em especial por Bolsonaro, por "medidas [...] concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos entre as populações indígena proporcionalmente superior ao que atingiu as populações urbanas". 
        Daí a intenção demonstrada pelo senador de incluir o crime de genocídio, refutado pela maioria dos senadores. Outro crime retirado da pauta foi o de homicídio.

Quais crimes de Bolsonaro interessam mais ao TPI?

        O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, Holanda, foi fundado em 2002 através do Tratado de Roma, que se embasa na legislação internacional, e fiel à Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948). O Brasil é um dos signatários dos dois documentos, se sujeitando, portanto, a seus desígnios.
        Apesar de eventualmente acusado de violações de direitos fundamentais, o Brasil nunca teve um governante de fato denunciado, nem mesmo na ditadura militar. Bem, mas nesse caso, vale mencionar interesses de nações como os EUA, que a História explica muito bem.
        Entre os juízes, o TPI teve uma brasileira, a juíza do TRF3 Sylvia Steiner, que atuou de 2003 a 2012, período de atuação dos juízes nomeados na entidade. Ela acompanhou a CPI da C19 e a minúcia caprichosa dos detalhes do relatório elaborado por Renan Calheiros.
        Segundo Steiner, a retirada de homicídio e genocídio não mitigou a gravidade das evidências da conduta comprovadamente criminosa de Bolsonaro, apontado o relatório como mentor intelectual por trás de tudo que foi operado com ajuda dos outros 79 indiciados. 
        Ela explica isso pela menção clara de crimes contra a humanidade, a mesma acusação aparente em denúncias já protocoladas à entidade. Pois essa categoria de crimes é bastante ampla, podendo incluir ou não o genocídio, por si um homicídio em massa por pouco tempo, em tempos de guerra ou não.
        Aliás, em se tratando de guerra, vale rever seus conceitos, pois ao violar o direito à vida em várias formas, inclusive impedindo acesso à segurança alimentar e à saúde, e perseguindo certos coletivos, Bolsonaro travou guerra contra seu próprio povo desde o início, e ao usar a C19 para o extermínio. 
        Em relação à denúncia entregue pela All Rise, Steiner explica que "ecocídio não existe para o TPI", daí a ONG ter apontado "crime contra a humanidade" ao explicar, via estudo, a influência da degradação da Amazônia e outros biomas brasileiros sobre a saúde e a vida humana em escala global.

Enfim...
        A julgar pelas explicações de Steiner, a CPI acertou, batendo com conceitos de denúncias já entregues ao TPI: por sua abrangência circunstancial e operacional, crimes contra a humanidade são bem mais graves do que genocídio e homicídio isolados que, aliás, estão implícitos nas evidências.
        E, por isso tudo acima exposto, o que antes era considerado improvável se torna bastante provável que o destino de Bolsonaro (e sua caterva) seja Haia. Claro que há outros tiranos na lista, mas o caso brasileiro chama atenção pela diversidade e amplitude dos meios utilizados para seus interesses.
        Até por conta da morosidade da justiça brasileira, que se perde em interesses particulares de outros e disputas de poder, típicas na cultura dos altos escalões. O TPI talvez seja mais rápido, embora toda reserva seja necessária quanto à expectativa pela sua execução. 
        O que todos desejamos, com ou sem pressão do grande mercado e outros poderes, é justiça em nome de mais de 600 mil brazucas mortos pela C19, dos povos da floresta, da floresta e da sobrevida do Estado brasileiro.

----
Imagens: Google (fotomontagem da autoria do artigo)

Notas da autoria
1.

Para saber mais
- https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/afirmacao-de-bolsonaro-sobre-vacina-e-aids-deu-ultimo-gas-a-cpi,30d887e2e697b8990972efa2994063bdayp4p4mh.html
- https://www.jb.com.br/pais/politica/2021/10/1033570-entenda-os-crimes-atribuidos-a-bolsonaro-pela-cpi-da-covid.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/06/analise-vacinoduto-e-reforma-do-estado.html


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...