Quando a ONG ambientalista austríaca All Rise se
preparava para protocolar ao TPI denúncia acusando Bolsonaro de crimes contra a
humanidade a partir da devastação proposital e sistemática do meio ambiente,
instituições como o INPE e registraram ocorrências repetidas de tempestades de
areia que atingiram vastas áreas de alguns Estados, em especial São Paulo, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.
Foi uma surpresa filmada por vários cidadãos e viralizada
nas redes sociais, onde debates começaram a pipocar. Mas, como podemos compreender
o fenômeno da tempestade de areia? Quais os fatores para a sua ocorrência? Eles podem se repetir?
Tempestade de areia
Quando se fala de tempestade de areia, todos nós
associamos o fenômeno a climas semiáridos e áridos, onde ele ocorre por livre e
espontânea naturalidade, e a ela os habitantes dessas áreas já se acostumaram
há séculos. Mas, há algumas décadas o mundo aprenderia que tempestades de areia
não ocorreriam exclusivamente nessas áreas.
Em condições normais, a tempestade de areia é
conhecida pelos habitantes dos desertos como prenúncios de verdadeiras tormentas
a despejar centímetros cúbicos de água em poucos dias, suficientes para renovar
a vida adaptada a esses ambientes.
Fenômenos em escala- Ela é uma enorme
nuvem de areia e outros detritos de granulometria[1] correlata
transportada por “braços” de ventos fortes de ciclones próximos ou distantes centenas
de quilômetros. Por sua natureza, a tempestade de areia é tecnicamente
classificada de litometeoro (lithos = pedra; rocha, da qual areia
é fragmento; e metheoris = referente a ventos).
Ciclones se originam de encontros de massas de ar
quente ascendente e ar frio descendente, que não se misturam, daí o movimento
giratório conhecido. Esse movimento ocorre em nuvens de tempestade como
cúmulos-nimbos e supercélulas. No Hemisfério Sul eles giram no sentido horário,
e no Norte, no anti-horário.
Essa diferença diretiva se deve à força de Coriolis, que
a partir do Equador movimenta a atmosfera nos sentidos citados. Essa força se
relaciona à gravidade terrestre e explica também porque durante quedas livres,
os corpos se direcionam ligeiramente para o leste, pois a rotação do planeta faz
sentido anti-horário.
A tempestade de areia protagoniza um grande evento no
Saara: ventos imperiosos leste-oeste carreiam toneladas de areia para o
Atlântico, onde grãos maiores e pesados caem, e os mais leves e finos atingem
as Américas, do sul dos EUA ao norte da América do Sul, onde reforçam a
fertilidade natural dos solos graças à alta concentração de minerais essenciais
à agricultura.
Tempestades inabituais
Zonas de climas úmidos também podem ser atingidas por
tempestades de areia, mas muito raramente, devido à cobertura vegetal mais
abundante que fixa os solos. Mas através de satélites, instituições de pesquisa
aeroespacial como INPE, Nasa e na União Europeia observaram maior frequência desse
fenômeno, também em climas úmidos. E, com isso, os cientistas apontam dois
fatores: mau uso do solo e mudanças climáticas.
Há muito o mau uso do solo é uma dor de cabeça para pesquisadores
agrônomos e analistas ambientais. Por causa desse mau hábito os solos perdem horizontes
de fertilidade, ocasionando perda de biodiversidade natural e do antigo potencial
agrícola. Porta aberta para sua exposição às intempéries, e aos ventos. Nesse
sentido, há um evento trágico conhecido: o Dust Bowl.
Dust Bowl- Antes da Grande
Depressão (1929-33), o governo dos EUA abriu um programa de incentivo à
agricultura nas grandes planícies do meio oeste, aproveitando o alto valor de
cereais como milho, trigo, cevada e aveia. Centenas de famílias foram se estabelecer
nos férteis campos, e prosperaram com a atividade intensiva e mecanizada.
O problema estava no desconhecimento sobre as irregularidades
climáticas no vasto interior, sujeitos a secas severas e chuvas mal distribuídas,
invernos rigorosos e até tornados. Os solos perderam a fertilidade e o clima irregular
se acentuou piorando as condições dos solos e levando à perda de plantações
inteiras.
Ventos furiosos fustigaram solos expostos formando
nuvens enormes e repetidas que carregaram grandes volumes de areia até alcançar
a costa leste e o Atlântico. Muitos migraram, e outros morreram pela fome e ferrados pelas nuvens. Este fenômeno, o Dust Bowl, durou quase 10 anos, mesmo após o fim da Grande
Depressão.
O impacto do Dust Bowl foi tão profundo que pesquisadores
foram estudar as causas do fenômeno no fim dos anos 1930. Ao
perceberem o tamanho da tragédia, eles descobriram o grande fator: o péssimo
manejo do solo, aliado à ignorância sobre o clima. Após o estudo, foi elaborado um
programa voltado para restaurar a região.
O estudo foi sobre as interações entre a atividade humana e aspectos naturais (clima, solo, vegetação) locais. O programa agronômico recuperou a cobertura vegetal nativa, criou sistema de manejo escalonado de canteiros cíclicos, e surgiu uma lei de conservação de área natural em propriedades privadas. A capacidade econômica local se recuperou, mas agora, há outro risco.
Mudanças climáticas- a lição do Dst Bowl foi aprendida e poderia ser aplicada globalmente, só que não. Hoje deparamos com aquecimento global (aumento das médias térmicas globais) e mudanças climáticas (irregularidade cíclica e extremos sazonais). Apesar dos muitos eventos sobre o tema, a atividade antrópica capitalista se intensificou.
Aquecimento continuado, aumento da frequência de eventos extremos, alterações na rota normal das correntes marinhas, redução de água doce em vários continentes e irregularidade cíclica escancaram as mudanças climáticas intensificadas pela ação humana.
É fato que a destruição ambiental é global, mas no Brasil é a mais intensa. e estarrece o desprezo do governo Bolsonaro ao valor dos nossos biomas úmidos na regulação climática global, uma vez que ele incentiva fazendeiros e outros predadores ambientais em suas atividades temerárias.
Vastas áreas da Amazônia viraram savanas, resultando em menor distribuição de chuvas e maior rarefação da vegetação (já alterada) em áreas do Centro-Sudeste-Sul, outrora bem abastecidas, e aumentando, daí, a frequência de ventos secos e as recentes tempestades de areia, após seca prolongada de inverno.
Tempestades de areia e o caos climático brasileiro: reflexões finais
A tudo isso se segue uma pergunta: o Brasil terá mais tempestades de areia, ou elas foram excepcionais? A resposta certa é: elas tendem a se repetir. O acontecido em setembro, que repercutiram na imprensa internacional e causaram debates nas redes sociais, atingiram até Estados nordestinos como Ceará., Piauí e Maranhão, onde a seca é natural, mas se intensifica devido a abusos locai, redundando em áreas desérticas com leitos secos de rios..
Devido ao intemperismo[2] químico intenso no Brasil, partículas finas a microscópicas são abundantes e fáceis de serem transportadas pelos ventos a distâncias imensas, explicando em parte o alcance geográfico dos eventos de setembro.
Cabe lembrar que mau manejo do solo se traduz em má ocupação do mesmo em centros urbanos. Cidades pobres em vegetação sofrem mais com as consequências de secas prolongadas, como as tempestades de areia. E, quanto mais próximas de áreas expostas, pior. É o exemplo de numerosas cidades do vasto interior brasileiro.
E por que esse fenômeno se repetirá? Porque o brasileiro insiste em abusar do solo nas cidades e na fazenda. e se insiste, há dois motivos: a falta de conhecimento da maioria sobre as relações entre o ente natural e a atividade urbana, e o capitalismo predatório, para o qual a desinformação é excelente para a manutenção de seu ritmo.
Apesar dos sustos, o Brasil pode ver no Dust Bowl um exemplo de que temos condições de evitar repetição das tempestades de areia. E nos trópicos úmidos há reciclagem mais rápida dos elementos. Refletir a chance sobre isso é dar chance à importante virada nos conceitos sobre nossas relações abusivas com o meio ambiente.
Cabe lembrar, porém, que existe intimidade entre o homem e o capitalismo predador. A partir do momento em que o homem repensá-lo como sua própria criação, poderá domá-lo antes que seja tarde demais. Pois vale o doce sabor da ironia: a continuidade do avanço indiscriminado sobre os recursos da Terra destruirá o que tanto leva a praticá-lo: o capitalismo.
[2]
Decomposição física e química das
rochas de fora para dentro, causada por fatores climáticos. Nos trópicos úmidos
impera o químico, capaz de decompor até unidades minúsculas; e nas zonas mais
secas, o físico (variações térmicas). Em clima temperado tende ao equilíbrio. (nota da autoria)
[1] Medida de grãos, medida muito usada por
geólogos para estudos de rochas e sedimentos e para entender processos.
Imagem: Google (localidade não especificada, apenas para ilustração)
Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Dust_Bowl
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Tempestade_de_areia
- https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/a-tempestade-de-areia-e-a-urgencia-da-virada/
Nenhum comentário:
Postar um comentário