terça-feira, 9 de novembro de 2021

ANÁLISE: por trás da política ambiental

 

        Em 2019, alguns países europeus se inquietaram diante da omissão do governo Bolsonaro com relação ao recorde de destruição da Amazônia, um bioma sempre a despertar emoções e interesses em todo o mundo. Ameaça de suspender a tramitação do acordo Mercosul-UE, e outros de boicotar as compras de hortifrutigranjeiros oriundos de áreas degradadas.
        Até que o presidente Bolsonaro, em um esgar na forma de sorriso, enfim ironizou: "o que eles querem lá?", insinuando sobre o interesse dos europeus pela Amazônia. Claro que não é segredo para ninguém que desenvolvimento econômico se atrela ao meio ambiente - inteiro. É um acordo global. Mas há outras coisas em jogo, e podem não ser como Bolsonaro pensa. Ou podem.
        Que a degradação afeta nossos biomas desde a colonização aguçando na República, com ápice deletério na era Bolsonaro, todos sabemos. Ele mente descaradamente desde 2019, ao ser confrontado sobre o tema, não se lixando que o mundo já saiba da verdade. 
        Não é de se admirar que o país esteja na condição de pária internacional nas áreas socioeconômica e na ambiental e que, hipocrisia à parte, seu líder seja alvo de chacota ou ojeriza internacional. Hipocrisia porque a degradação ambiental é global. Mas, vale ressaltar as diferenças explicáveis a partir da história e no cenário macroeconômico atual.

Predação colonial

        Antes da chegada dos colonizadores, as Américas já eram habitadas por uma diversidade rica de povos, que talvez ainda não seja totalmente abrangida pela arqueologia. Sabemos, pelo menos, que esses povos tiveram um impacto mínimo, talvez positivo, sobre o ambiente natural por eles colonizado.
        Embora o surgimento de aldeias e povoados mais populosos e sofisticados tenha necessitado de maior volume e diversidade de recursos naturais, o impacto sobre o meio físico é quase nulo, devido à menor taxa de crescimento populacional, incomparável aos níveis do século XX até hoje.
        Nesses séculos pré-colombianos, o que se descobriu é a domesticação de várias espécies da flora por esses povos. Uma das mais interessantes é a do arroz, feita pelos indígenas sul-americanos há 4 mil anos, conforme registros arqueológicos encontrados na Amazônia.
        O mais interessante é que os sinais dessa domesticação são encontrados em amplas áreas dessas florestas: do número total de espécies da flora já catalogadas, ¼ foi domesticado pelos povos antigos, como atesta o estudo de 2017 de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) junto à Wageningen University and Research Center, da Holanda.
        Colonização, o início da destruição- a colonização da América do Sul pelos europeus levou aos primeiros desmates para povoamento e atividade de subsistência (agricultura, pecuária, povoamento) e econômica (recursos florísticos e minerais), em graus variados, a substituir o manejo sustentado pelos povos originários. Mas foi na era colonial que surgiram as primeiras medidas ambientais.
        A Carta Régia/1542 regia exploração de recursos conforme o Direito português. As Ordenações Filipinas (1605) do rei espanhol Felipe II (que dominou Coroa e Brasil) estabeleciam preservação ao vedar agricultura e descarte de restos na água, mas permitiam explorar pau-brasil. O Juiz Conservador das Matas da Coroa (1797-9) e novas Cartas Régias restringiram corte, comércio e uso de madeiras nobres como pau-brasil, cedro, mogno, etc.
        Antes da independência houve reflorestamento de áreas litorâneas devastadas; fundado o Real Horto Botânico no Rio por D. João VI, então com 2500 ha e hoje 137; Cartas régias de exploração controlada de minérios e regularização fundiária com 1/6 de florestas em terras particulares e doadas à Coroa estabeleceram alguma manutenção ambiental.
        Império- A extinção de sesmarias e incentivo à ocupação efetiva causou intensa devastação; a Constituição de 1824 nada diz. Mas houve medidas como a de conservar espécies importantes surgindo a expressão madeiras de lei; desapropriar de terras no RJ para recuperar mananciais (ex. Floresta da Tijuca) e pôr fim à exploração de pau-brasil, só praticada em 1875.
        D. Pedro II teve ciência socioambiental. Além da conservação, ele quis construir açudes no sertão ao saber que 500 mil pessoas morreram de fome na Grande Seca (1876-9), o que não se efetivou pela falta de recursos. E sentiu a pressão dos latifundiários para proibir usucapião de terras públicas para incentivar o trabalho livre dos imigrantes e escravos libertos.
        Mas, as medidas não alcançaram êxito em recônditos como Amazônia, Pantanal e Cerrado.
        República- período de intensas oscilações na legislação ambiental e visibilização de conflitos agrários e políticos relativos ao meio ambiente. Dividida em três períodos (1889-1930, 1930-1985, e 1985-hoje).
        1889-1930- Período de má atenção ao meio ambiente, sem menção pela CF/1891. É o auge do ciclo da borracha que funda o Teatro Amazonas; expansão dos latifúndios de café e cana-de-açúcar, início da industrialização e reforma urbana. Houve estudos da flora e fauna nativas do interior para incentivar finalidades econômicas. Foi decretada a primeira grande reserva florestal permanente em 1911, mas não saiu do papel.
        Apesar desse fracasso, houve pontos como a fundação do Serviço de Proteção ao Índio (1910) pelo marechal Rondon, que se tornou a Funai e abriu alas para as demarcações de terra; a criação de parques florestais públicos em áreas históricas ou em locais nobres das capitais, no Rio e outras, preservação de nascentes de rios históricos como o Carioca, a criação do Serviço Florestal do Brasil em 1923, que seria o atual IBAMA.
        O Regulamento em Saúde Pública (1923) institucionaliza o saneamento urbano e a construção de indústrias longe de áreas residenciais, tornando-se a primeira lei com normas técnicas de ambiente urbano relativas à saúde coletiva.
        1930-1985- Período de avanços legais. Em 1934 surgem os Código Florestal Brasileiro (classifica florestas protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento e regulamenta a proteção); de Caça e Pesca (disciplina uso de materiais de pesca e veda a caça a animais úteis à agricultura e pássaros canoros); e das Águas (sobre o uso particular e público da água, e disciplina normas sobre as águas minerais, termais e gasosas).
        A CF/1946 mantém poder federal de legislar em saúde, recursos florestais e minerais, energia elétrica, caça e pesca. O Estatuto da Terra (64) aponta a preservação ambiental para uso econômico racional dos citados recursos e em 1965, as políticas públicas de proteção e uso racional. A CF/67 substitui o antigo Serviço pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. A CF/69 cunha a “ecologia” pela 1ª vez. Mas, pouco se executou, em parte por culpa do expansionismo militar.
        O 1º Plano Nacional de Desenvolvimento estimulou compra de grandes terras para fim econômico no centro-oeste e parte da Amazônia para monoculturas e pecuária extensivas. O 2º Plano tentou corrigir, sem êxito. Nas cidades, a Lei de Parcelamento de Terras gerou crescimento desordenado com invasão de áreas florestais. Fruto da Conferência de Estocolmo (1972), a Secretaria de Meio Ambiente (73) atuou com o IBDF; e em 1981 surge a Política Nacional de Meio Ambiente.
        1985-Hoje- época de muitas mudanças políticas com a volta da democracia. Novos avanços na legislação vieram só após a promulgação da CF/1988, que viria estabelecer mudanças relevantes no sistema penal (crimes ambientais e punições respectivas) e a substituição do IBDF pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) via lei específica.
        O IBAMA nasce fortalecido com penalização dos crimes ambientais, inclusão de terra indígena como área de preservação permanente, normas rígidas de licença ambiental para atividade econômica com pesquisa e análise de impacto, e Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), assegurando êxitos maiores no combate às ações criminosas. Até entrar a era Bolsonaro.

Era Bolsonaro, o neocolonialismo: reflexão final

        Mesmo com elementos novos, a era Bolsonaro tem velhas políticas que contradizem slogans de campanha. Ela nasce alinhada à ideologia e disciplina anarcocapitalista do mercado transnacional, principalmente dos EUA. Para tanto, o governo intervém nas instituições públicas e em mudanças constitucionais para que as privatizações possam ser facilitadas.
        Como intervenção significa aparelhamento, ideológico ou não, o IBAMA teve sua chefia substituída por militares que praticamente paralisam as atividades, sem poder frear os recordes de destruição dos grandes biomas originários e até terras indígenas. Vários servidores foram ameaçados com processos administrativos, e um grupo de brigadistas chegou a ser preso.
        Os EUA sempre tiveram seu lugar cativo na América do Sul, inclusive sobre a delicada questão ambiental. Não por acaso, há muito se diz que somos "o quintal dos EUA". Mas, há um diferencial na política ambiental bolsonarista. 
        A prioridade aos interesses exploratórios dos EUA é o grande fator a estimular a política ecocida do governo. A volta do antigo status de desindustrializado exportador de bens primários a oferecer terras para exploração ampla e irrestrita já indica claramente o verdadeiro objetivo: o neocolonialismo. Desta vez, pelos ianques.
       
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Imagens: Google (montagem pela autoria do artigo)

Notas da autoria

Para saber mais
https://www.ecodebate.com.br/?s=Hist%C3%B3rico+e+evolu%C3%A7%C3%A3o+da+Legisla%C3%A7%C3%A3o+Ambiental+no+Brasil%2C+Parte+2%2F3
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51377232 (o que ameaça a floresta em cada um dos 9 países, 2019)
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49471483 (o que eles querem lá, ironiza Bolsonaro sobre a crítica da UE sobre as queimadas na Amazônia, 2019)
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/22/eps/1571696000_250069.html (o que há por trás das queimadas na Amazônia)
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/02/ciencia/1488466173_526998.html (indígenas foram os primeiros a domesticar o arroz na Amazônia há 4 mil anos).


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