domingo, 23 de janeiro de 2022

Análise: sobre a C19, desagravo à grande mídia

 

        Se existe um idem sem o qual as complexas sociedades modernas não conseguem se orientar direito, esse é a imprensa. Se o seu surgimento, frequentemente atribuído a Gutenberg em fins do século XV, se voltou para a construção de livros modernos, a imprensa noticiosa em larga escala abriu portas para a sociedade da informação de hoje.
        Tais informações até hoje variam desde os fatos do dia até o versátil entretenimento. Se há mais de um século se levava dias para saber de um acontecimento, hoje este chega em tempo real. Tudo graças a intensa sofisticação tecnológica, que acabou tendo nas telecomunicações um dos ramos mais impactados, junto à saúde.
        Bom, isso tudo nós sabemos básica e genericamente como a imprensa evoluiu. Ainda no século XIX, ela já sofria impactos sociais e políticos e, de certo modo, dava a sua resposta para expressar a sua personalidade. Surge a imprensa de tendências, essa que está aí mesmo.

Imprensa de tendência*

        Na verdade é uma expressão analítica pessoal, a "distorcer" a expressão tendências do jornalismo (vide Observatório da Imprensa), no intuito de desdobrar em dois sentidos que, mesmo distintos, tendem a correr juntos. Calma, as explanações virão na boa.
        Tendência de Evento ou fato- nesse sentido é o foco concentrado em determinado evento ou fato de grande impacto sobre a coletividade, de formar a criar uma "versão oficial". No presente momento, duas tendências maiores se destacam: a pandemia de C19 e a questão ambiental e climática global.
        Temos visto repetidos incidentes diplomáticos protagonizados pelo governo Bolsonaro contra os outros governos mundo afora sobre os dois exemplos acima citados, colocando o Brasil em posição de pária internacional, da qual o ex-ministro Ernesto Araújo demonstrava estapafúrdio orgulho.
        O que tem dado mais destaque ainda é o fato de esses eventos exemplificados não só questionam a condução da política externa brasileira a respeito desses temas tão caros à sobrevivência do planeta, também colocam na massa do imbróglio a poderosa China e os EUA.
        Ou seja, o que se expressa nesse sentido é a ênfase num evento ou em determinado conjunto de fatos.
        Viés da tendência- Já nesse sentido, ao explorar um determinado evento ou conjunto de eventos, certa empresa de imprensa mostra uma ótica própria, que mesmo discreta é percebida por leitores mais analíticos. Esse viés não só revela a vertente político-ideológica e econômica seguida pela organização jornalística, ele também expressa a forma como as informações são apresentadas ao público. 
        A ligação com o sentido anterior está aí: sem apresentar informações, a imprensa não teria como expressar a sua personalidade ideológica. Existem exemplos conhecidos, como fatos da economia, da política e da desigualdade social. Nesses eventos, diferentes noticiosos revelam seus vieses distintos.
        É possível que a imprensa ideológica tenha surgido em dois eventos concomitantes, as Revoluções Industrial e Francesa, cujos conflitos sociopolíticos decorrentes ofereceram subsídios para informações noticiosas tanto pelo viés das classes dominantes quanto das dominadas.
        A "grande mídia" representada pelo Globo, Estadão, Folha, Bandeirantes, Veja, IstoÉ, Record e outras são referências da cultura dominante (de elite), defendendo o neoliberalismo1 como benéfico ao desenvolvimento. Com recursos públicos, dominam a TV aberta e sustenta pequenas mídias on-line que replicam suas notícias em tom pop.
        Revista Fórum, DCM2, Rede Brasil Atual, Brasil Cidadania, Brasil de Fato, Jornal GGN, Ópera Mundi, Mídia Ninja e outras são questionadoras da cultura de elite e do neoliberalismo. De pequeno a médio porte e geralmente on-line, a maioria se sustenta por assinaturas ou seguidores no Youtube, e uma minoria recebe recursos de entidades fundacionais ligadas a políticos. 
        O The Intercept se especializou em jornalismo investigativo, com matérias que a mídia em geral não publica. Tem seu canal no Youtube e prima por matérias longas e ricas em pormenores. Também se sustenta por assinaturas e seguidores (grupo das mídias independentes).

C19 e polarização dos grandes eventos

        Embora importante por se tratar de um conjunto de sindemias (a potência viral ligada a indicadores sociais, políticos, econômicos, acesso alimentar, habitação, saúde, ambiente, educação, etc., de cada contexto nacional), a pandemia de C19 foi absorvida em duvidosos caminhos.
        Ao ser declarado pandêmico, o Corona já aprontava. Imaginem em países sob ditaduras, que ora silenciam, distorcem ou mentem dados. E quando os ditadores o fazem, não só sabemos de indicadores subdesenvolvidos, como também da indiferença dos governos à agressividade do vírus.
        A novidade da C19 em um país como o nosso a fez tendência de intenso e diferencial impacto sobre o coletivo, que a absorveu num pacote de ciência, conspiração e negação. Mesmo após provada ineficácia, fármacos viraram receita de governo, veio fitomedicina e até bizarrices como ozonioterapia retal e solda de oficina.
        Dimensão da politização- apesar da sua seriedade, a C19 foi e continua amplamente politizada pelo governo, explicando as aglomerações repetidas, a adesão ao tratamento precoce e os movimentos antivacina movidos a fake news que fizeram a imprensa lutar para que a ciência prevalecesse, com a ajuda das agências de checagem e de uma CPI.
        No campo científico, todas as mídias que se prezem, da casa grande e da senzala, se convergiram, pois a ciência é uníssona. Mas, tal união se limitou aí - o que se evidenciou mais recentemente.
        Tratamento diferenciado- Mesmo dando valor pleno às pesquisas científicas e fazendo campanha pró-vacina em massa, a grande imprensa tem mostrado notas incoerentes, uma vez que foram movidas por patrocínios públicos e privados. Entre todas as grandes mídias, um evento comum: o Réveillon.
        O Réveillon virou polêmica devido à briga entre o governo e a Anvisa sobre a obrigatoriedade do passaporte de vacina a turistas do exterior (inclusive África do Sul, onde a Ômicron foi idnentificada), e grandes eventos públicos. Quanto aos outros houve mais especificidade, mas ligados à C19.
        O SBT defende torneios de futebol com estádios abertos ao público. A Globo fez propaganda do Réveillon que aglomera milhões em Copacabana, e apoia o carnaval restrito ao Sambódromo. A Record condenou carnaval e estádios cheios, mas quer os megaeventos gospels plenos. E a Band quer passar o desfile das escolas paulistas.

Regulamentação da imprensa resolve? À guisa de reflexões
        Estádios de futebol à vontade; carnaval, só desfile, blocos populares não podem; e megaeventos e cultos gospels plenos foram criticados pelas mídias independentes, que viram no alegado controle da Õmicron um mote furado para disfarçar a segregação de classe e ode ao prosélito lobby cristofascista.
        Há um acordo entre as emissoras de TV aberta sobre isso. Cada emissora enfatiza um evento, e a divisão do carnaval na fatia fluminense global e paulista bandeirante foi um acerto de paz onde todos saem ganhando, mas quem se arrisca a perder até a qualidade de vida por isso é o grande público.
        Vale aqui a relevância crítica à posição da Record em prol dos eventos gospels. É ingenuidade ver nisso o singelo toque de transmissão de fé. É lobby puro, além de uma forma de concorrer com a Globo pelos espectadores, e fortalecer um governo cujo estado de depauperação é irreversível. 
        A prática por trás das tendências da imprensa se revela na imprensa de tendências, sem tornar os fatos (ou a sua conjuntura) fake news. É a maquiagem colocada conforme o direcionamento dominante dos que estão na elite, que patrocinam essas organizações, num adendo à concessão pública.
        O raciocínio crítico diferenciado das mídias independentes faz sentido ao apontar as maquiagens revelando a intenção por trás das evidências. Se apoia a ciência na C19, por que a grande mídia faz ode aos megaeventos, de elite ou não? A resposta virá no subitem a seguir.
        Regulação da imprensa- em uma conversa informal no ano passado, o agora presidenciável Lula voltou a mencionar uma pauta cara ao petismo: a regulamentação da mídia. Súbito alvoroço geral na grande imprensa se seguiu de uma enxurrada de apontamentos que revelaram controvérsia.
        Lógico, pesaram muito as críticas da grande imprensa contra a proposta. O JN chegou a lançar um editorial para a patuleia, cuja quase totalidade nem deu atenção por não saber o que é isso. Em tom bem grave, telejornalistas acusaram o petista de querer "censurar" a imprensa. 
        A reação da grande mídia foi mal-intencionada. É graças à regulação, que surge nos anos 1930 e se consolida nos 1960's no Código Brasileiro de Telecomunicações e leis posteriores sem peso prático, que a grande mídia tem recursos de concessão pública e muito patrocínio privado, que lhe dá hegemonia.
        A hegemonia cria desigualdade de acesso a muitas mídias. É comum na patuleia não saber o que é The Intercept, Nova Democracia, GGN, Brasil247 e outras, e o que publicam. Pode ser absurdo, mas é daí que a geral só sabe dos fatos quando estes já geraram graves sequelas de toda ordem.
        Segundo Lula, o intuito de criar nova lei de regulação é democratizar não só o acesso às mídias em geral, é também à informação ampla, capaz de suscitar questionamento sobre uma versão inicial dos fatos. E é aí que se explica o incômodo geral entre a grande mídia, pois pode afetar o seu monopólio, do qual se valem para, às vezes, descreditar as mídias independentes.
        Mas, suponhamos que, se eleito, Lula sancione a nova lei ou decreto. As mídias independentes poderão até comemorar, pois, quiçá, pode haver patrocínio público a lhes dar sobrevida. Mas, o maior desafio nem será esse, mas sim a luta contra o monopólio da bem armada grande mídia pelo alcance igualitário de informação.
        Afinal, imprensa de tendência é isso: trazer fato de grande impacto em "versão oficial", do que a nossa grande mídia tem larga experiência.
        
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Imagens: Google (montagem pela autoria do artigo)

Notas da autoria
* Expressão da própria autoria para dar sentido ao entendimento de diferentes vieses das mídias para um mesmo fato.
1. Caráter das reformas antiestatais de Paulo Guedes.
2. Diário do Centro do Mundo.

Referenciais
- http://www.observatoriodaimprensa.com.br/category/tendencias-no-jornalismo/ (citado no artigo).
- https://www.brasildefato.com.br/2021/09/10/artigo-entenda-por-que-a-discussao-sobre-regulacao-da-midia-sempre-volta

        

sábado, 15 de janeiro de 2022

Análise: o caso Capitólio

 

        Enquanto mais de 700 municípios e suas áreas de entorno (rurais e naturais) de Minas Gerais são castigados pelas chuvas que antes ferraram o sul da Bahia, ocorre algo impensado: na cidade turística de Capitólio, uma coluna rochosa de quase 50 metros se desprendeu de paredão que cerca o belo lago de Furnas. A queda atingiu em cheio um dos quatro barcos próximos.
        De imediato, a mídia passa a concentrar as suas atenções sobre o acidente geológico, que matou 10 das 12 pessoas que ocupavam a embarcação de nome Jesus, a atingida em cheio. Imagens de vídeo viralizadas nas redes sociais mostram ocupantes arremessados para longe devido ao impacto direto, caindo no lago de 100 metros de profundidade.
        Naturalmente, a comoção tomou conta da geral que vem acompanhando a notícia desde então. Não é para menos: muitos dos espectadores podem ser, ou são, parentes ou familiares próximos das vítimas da tragédia. Enquanto se pergunta o que aconteceu, o governo Zema se manifesta erraticamente, entre as chuvas e o acidente.
        Mas, o acidente de Capitólio pode ter muitas respostas, ainda que apenas uma, a geológica, tenha saído do reino do silêncio e é dada como certa. Mas, junto a ela, se somam especulações, que ainda se encontram no limbo aguardando uma confirmação para que sejam apontadas pela grande mídia.

Um pouco sobre a natureza física de Capitólio

        Vale explanar, em linguagem didática e acessível à geral leiga, sobre a geologia da macrorregião do Rio Grande (sudoeste), onde estão Capitólio e outras cidades, na Folha Guapé, adjacente à Serra da Canastra (vide interior do mapa ao lado).
        A acidentada fisiografia local tem desfiladeiros com cânions calanques (ou calanc, termo francês para formações íngremes erodidas), e a variedade rochosa com nomes complicados como arenitos, conglomerados, diamicito, gnaisse, filito, micaxisto, metacalcário, xistos e outros, alguns com até 2 bilhões de anos de idade.
        Arenitos são areias petrificadas. Nos cânions de Capitólio se dispõem em várias camadas de espessuras variáveis, de centímetros a centenas de metros. Quartzitos são arenitos antigos, modificados (metamorfizados) por grande pressão e calor das profundezas da crosta.
        Conglomerado e diamicito são rochas sedimentares mal selecionadas, sendo o primeiro composto de grãos menores (de argila a cascalho) e arredondados, de deposição por água turbulenta; e o segundo tem matacões (grãos) que podem ser tão grandes quanto carros, e seu formador é o degelo.
        Metacalcário, gnaisses, micaxisto e filito são rochas metamórficas. A primeira foi um calcário1 (sedimentar); os segundos se originam de rocha sedimentar ou ígnea2; o terceiro de rocha ígnea; e o último, uma modificação da nossa conhecida ardósia. Originalmente são rochas bem antigas.
        Essa diversidade rochosa expõe nessa região um passado turbulento de terremotos, vulcanismos, metamorfismo tectônico em profundidade, erosão, sedimentação marinha e de água doce em épocas distintas, tudo isso em bilhões de anos. 
        Acima da água, os paredões íngremes dos famosos cânions de Capitólio são de conglomerados e arenitos, sobre estratos mais finos e antigos de quartzitos arcósios3, expostos pela erosão em milênios. Sinais de desmoronamentos pretéritos são vistos em quase toda parte.
        Superfícies mais arredondadas dos paredões denunciam a erosão hídrica, e as com arestas agudas indicam fraturas e/ou erosão eólia (vento). A cor turquesa da água dos rios e do lago da região se deve a pouco sedimento em suspensão, e ao fundo claro dos leitos do lago e dos rios.
        Vulnerabilidade- nas proximidades há uma barragem na bacia do São Francisco, da qual saem as águas de Capitólio. Com mais de  2000 km2, o belo lago de Furnas se origina desse represamento, que pode responder, em parte, pela fragilização dos cânions, embora a maior parte dos mananciais locais entorno conserve ainda seu aspecto (relativamente) natural.
        Rochas sedimentares podem ser mais ou menos frágeis conforme a composição química. Quanto mais carbonatos, mais agressiva é a ação hídrica; e quanto mais sílicas, mais resistentes. Constituída principalmente de arenitos, a coluna "assassina" de Capitólio já sofria a pressão erosiva das cachoeiras, chuvas e da própria água do lago.
        Durante as chuvas são comuns as cabeças d'água, que são chuvas muito pesadas, concentradas e localizadas. Às vezes confundidas com trombas d´água que são verdadeiros tornados líquidos perigosos, elas desabem em penhascos engrossando rios e cachoeiras repentinamente, e aumentando a pressão erosiva nas rochas.

Por que abriram o parque de Capitólio?
        
        As informações coletadas pela imprensa desde o dia do acidente têm fornecido pontos suficientes para suscitar nos espectadores de todo o Brasil, intelectuais ou simples leigos, a seguinte pergunta: por que deixaram a coisa chegar a esse ponto? Ou melhor, por que abriram o parque aos turistas?
        Enquanto a resposta não venha a contento da parte das autoridades, grande parte do público aponta o dedo para os barqueiros, que são guias turísticos, e os turistas, como "os principais errados" na visita fatídica. Além de ser injusta e indicar ignorância, a afirmação se revela uma inverdade.
        Inverdade porque em nenhum momento houve manifestação das autoridades públicas e nem da empresa Compadre Turismo, que responde pela infraestrutura turística de Capitólio, São Thomé das Letras e do Parque Nacional da Serra da Canastra. 
        A Marinha, que tem jurisdição sobre o parque; o governador de MG Romeu Zema, o prefeito de Capitólio Cristiano Gerardão (PP), e a empresa Compadres turismo admitem ter havido um erro crasso que possibilitou a tragédia. Ainda que evitem, a todo custo, apontar os reais culpados.
        Em verdade, essas autoridades sabem quem está errado, mas preferem tergiversar, pois como já sabemos, algumas partes "não podem ser melindradas" - uma tática muito comum na cultura elitista no Brasil. O próprio Zema negou a afirmação de geólogos sobre a iminência de fatalidade geológica na região, ao dizer que "não havia como prever o acidente". Mas havia.
        Além da simples e minuciosa observação in loco, geólogos usam outros meios técnicos no intuito de avaliar a dimensão do risco, se iminente (curto prazo) ou não iminente (maior prazo). Geólogos não são adivinhos. A iminência apontada no parque levou à recomendação, infelizmente não atendida, de fechá-lo.
        A Constituição de 1988 já prevê que os patrimônios, tanto naturais quanto históricos, artísticos e culturais, sejam não só tombados, como também periodicamente avaliados por profissionais habilitados que devem comunicar às autoridades responsáveis por meio de relatórios minuciosos.
        Cabeça d'água- filmagens de turistas que testemunharam a tragédia mostram uma cachoeira se engrossando repentinamente. Embora tenha sido apontada como "culpada" da queda da coluna rochosa, avaliação posterior negou relação, apesar do sério risco meteorológico, devido às chuvas constantes na região nos últimos dias.
        Mesmo que não houvesse queda do rochedo, a simples sujeição a cabeças d'água frequentes em decorrência do acúmulo de chuvas nos rios e cachoeiras seria fator suficiente para interditar o parque, visando evitar acidentes graves. O clima estava bastante instável em Capitólio.
        Mirante no topo do cânion- a suposta obra de mirante no topo do penhasco onde a coluna rochosa se desprendeu e caiu foi um relato comum entre alguns turistas e funcionários: "temos ouvido muita martelada de lá de cima", disse um funcionário que não quis se identificar. Mas, autoridades públicas e a empresa de turismo negam qualquer obra nos penhascos de Furnas.

Privilégio
        Capitólio é uma cidade conhecidamente turística, sendo local frequentado por figuras famosas diversas e pessoas de classes abastadas, que detêm privilégio de se regalar nos pontos mais caros. Para atender público desse perfil, a cidade conta com elogiada infraestrutura com várias opções de lazer, bem como uma elogiada rede hoteleira. Enfim, não é uma cidade para qualquer turista.
        Há muito tempo Capitólio é um dos locais marcados por um turismo de perfil mais seletivo. Mas, com a queda livre na economia desde que que o país atravessa desde  que Paulo Guedes ocupa o cargo de ministro, o turismo brasileiro vai se tornando um bem de consumo de luxo, tal como a carne, hoje inacessível às classes mais pobres.

        Com essa seletividade, seria de estranhar que um lugar como Capitólio houvesse erro humano tão crasso ao ponto de causar uma tragédia evitável. A soma de riscos geológico e meteorológico gritava por fechamento, mas foi simplesmente ignorada pelas autoridades públicas e pela empresa, que na ganância mantiveram tudo tão aberto quanto o país sob epidemia de Ômicron, gripe e tudo. 
        Para Álvaro Nascimento, jornalista e escritor da mídia independente Jornalistas Livres, em artigo de 8/1/2022, o desprendimento do rochedo é um fenômeno natural, portanto, não deve ser apontado como o culpado pela tragédia. Os grandes culpados de verdade são todos que ignoraram a avaliação de riscos apontadas, e daí, o ocorrido não foi acidental.
        Quiçá, tenha sido fruto de uma ambição criminosa.
        
Imagens: Google (montagem pela autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Rocha de carbonato de cálcio (CaCO3). Se forma por deposição de restos de esqueletos, ou por precipitação química após evaporação da água.
2. Ígnea é a categoria de rocha magmática que não vem à superfície, ou seja, é intrusiva nas camadas sobrejacentes da crosta fria. Aparece quando essas camadas sobrejacentes são erodidas e por soerguimento (elevação) continental.
3. Quartzitos com no mínimo 30% de feldspatos (tipo de mineral) por volume na sua composição mineralógica.
4. Megatérios eram os antepassados gigantes de espécies como o bicho-preguiça. Desapareceram há uns 10 mil anos atrás.

Para saber mais
http://mtc-m12.sid.inpe.br/col/sid.inpe.br/jeferson/2003/12.03.10.46/doc/Mapas/geologia.pdf (mapa geológico)
- http://www.cprm.gov.br/publique/media/geologia_basica/pgb/rel_guape.pdf (geologia CPRM da região de Capitólio, e mapa de MG).
- https://olhardigital.com.br/2022/01/08/ciencia-e-espaco/capitolio-o-que-causou-a-queda-do-paredao-em-minas-gerais/
- https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/geral/capit%C3%B3lio-%C3%A9-prematuro-relacionar-acidente-com-obra-diz-delegado-1.753160
https://www.caririceara.com/acidente-em-capitolio-erosao-e-infiltracao-da-chuva-podem-ter-causado-queda-dizem-especialistas/
- https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/01/10/zema-contraria-geologos-nao-dava-prever-desabamento-capitolio.htm
https://jornalistaslivres.org/capitolio-nao-foi-acidente/
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/01/08/interna_gerais,1227165/apos-tragedia-em-capitolio-prefeituras-definem-plano-contra-acidentes.shtml

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Análise: quem seria o vice ideal de Lula?

 

        Depois de ter chamado o agora ex-tucano Geraldo Alckmin para compor a chapa pré-candidata à concorrência eleitoral neste 2022, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem sendo alvo de novos (e muitos) debates, que se afirmam mais nas redes sociais do que nos grandes canais de mídia. Nesses debates, formais ou informais, reina soberana a controvérsia.
        As motivações da controvérsia são principalmente partidárias e políticas, formando uma verdadeira polarização interna a revelar pelo menos duas correntes de esquerda, cada qual um verdadeiro mosaico de pormenores para as suas afirmações. E olha que isso se materializa antes do aceno oficial de Alckmin pela chapa, pois ele ainda dialoga com o exigente PSB, que o quer para apoiar o PT na presidência.
        O interessante é que Alckmin ainda nem acenou para a filiação ao PSB. Segundo as mídias têm publicado, ele ainda pende para entrar no já manjado PSD, uma das mais proeminentes siglas do famigerado e trilhardário Centrão na Câmara dos Deputados.
       Mas, se já existe tanta controvérsia antes da oficialização da chapa, qual seria o "parça certo" para compor a chapa a ser considerada ideal e de pleno acordo entre as correntes da esquerda? Por que Lula quer Alckmin? Essas perguntas serão respondidas no possível, mas antes vale detalhar um pouco os pontos destacados pelas correntes pró e contra essa chapa.

Controvérsias da chapa, polarização na esquerda

        O centro a que se relaciona a controvérsia sobre a chapa está na reconhecida referência em que se transformou o Partido dos Trabalhadores (PT) em 30 anos, desde que Lula se tornou a maior liderança da bancada de oposição aos governos Collor e Fernand Henrique Cardoso. Não é para menos.
        Nascido em 1980 e tornado partido 2 anos depois, o PT é hoje a principal sigla no seio da esquerda brasileira. e a maior dessa posição na América Latina. Apesar da proximidade com grupos liberais nas eras Lula e Dilma para governar, o PT permanece referência nas reivindicações políticas de bem-estar social no Brasil, e em eventos progressistas no Cone Sul.
        Para tanto destaque entre os movimentos progressistas, todo esse referencial tem se materializado através de figuras-chave constantes na sigla, em primeiro lugar o próprio Lula, o grande idealizador e fundador partidário junto a vários intelectuais, organizadores de movimentos sociais urbanos e rurais e religiosos libertários.
        Assim, para especificar as motivações, vale destacar os tópicos das duas correntes, a contrária e a favorável à formação da chapa Lula-Alckmin.
        Movimento contrário- se baseia principalmente nos motivos de hegemonia do elitismo, o trauma do risco de impeachment e a contradição ideológica de Lula e Alckmin. 
        Hegemonia do elitismo- como todos os governos petistas formaram chapas com representantes do liberalismo econômico, em nenhum momento as reivindicações das elites deixaram de ser atendidas. Os grandes grupos econômicos nunca foram punidos nas suas sonegações e lucraram nos governos. 
        Para os contrários à chapa com Alckmin, Lula corre sérios riscos de não conseguir consertar os graves estragos sociais, econômicos, legais e institucionais do bolsonarismo.
        Risco de impeachment- o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 é considerado golpe tramado por gente do MDB, PSDB e Centrão conluiada com nomes do país e dos EUA. Daí a desconfiança em Alckmin, que ainda pode manter relação com os antigos colegas e daí fluir interesses suspeitos.
        Contradição ideológica- é vista como perigosa e impeditiva para a governabilidade progressista.
        Movimento favorável- mesmo valorizando a supracitada história e importância do PT e a própria biografia de Lula e outros petistas históricos, a posição favorável é motivada mais na conciliação de interesses de classe e também na elaboração de políticas públicas.
        Conciliação de interesses- esse movimento entende a aliança como parte do gênio conciliador de Lula: "se não puder ir contra o inimigo, junte-se a ele", para tirar vantagem para as classes populares e tomar medidas de recuperação do país, sem prejudicar os interesses de cima. 
        Baixo risco de impeachment- o gênio conciliador de Lula poderá tornar improvável a possibilidade de impeachment: essa visão se baseia justamente nos governos Lula, tendo vices empresários.
        Conciliação ideológica- para o movimento, o caráter conciliatório de Lula chega nesse patamar, uma vez que há relação com o encontro de interesses. Entre os favoráveis se deduz que, por ser médico de formação, Alckmin possa ser favorável ao SUS, enquanto vice de Lula.

O que pode viabilizar (ou não) a chapa
        Tanto os contrários quanto os favoráveis à chapa estão dentro e fora do PT, e entre apoiadores não petistas, revelando forte polarização, cuja influência sobre a chapa ainda não sabemos. Mas surge outro fator que pode influir muito: a reforma trabalhista.
        No momento, o que parece ser uma das principais propostas de Lula é a revogação da reforma trabalhista, que Alckmin diz ser uma temeridade, segundo conversa que teve com Paulinho da Força, que o convidou para se filiar ao Solidariedade. 
        Paulinho endossou a fala de Alckmin, justificando que as centrais sindicais discordam da proposta, enquanto o ex-tucano alegou na possibilidade do empresariado de cortar as delicadas relações ainda em construção com o possível retorno do petista à presidência.

Quem seria o vice ideal para Lula? À guisa de reflexões finais

        Enquanto Alckmin ainda não se confirma para formar chapa com Lula para a eleição de 2022, há forte especulação sobre outras possibilidades, outros nomes. Como Lula disse, "já tenho 22 vices", em seu discurso no Parlamento Europeu na Bélgica, durante tour pela Europa, onde foi bem recebido por vários governantes.
        Esse debate sobre quem seria o "vice ideal" de Lula ainda é forte entre a militância petista, até em razão da polêmica em torno da aliança com Alckmin. Alguns nomes surgem e ainda são discutidos (em artigo neste blog há tema sobre isso). Os nomes abaixo estão conforme a fonte Brasil de Fato:
        Haddad (PT)- prevalece a lealdade. Formaria chapa puro-sangue se o PT não conseguir aliançar com PSB, PSD e PCdoB, e se Haddad abrir mão da candidatura ao governo de SP.
        Marina Silva (Rede)- Além de ter apoiado Haddad em 2018, Marina pode ser uma boa opção para a pauta ambiental, o principal tema diplomático do momento. 
        Rodrigo Pacheco (PSD)- presidente do Senado, ele disse ter boa relação com o PT apesar de não conhecer Lula pessoalmente, e publicamente não pretender ser vice dele: é pré-candidato à Presidência.
        Flávio Dino (PSB)- o governador maranhense demonstra interesse em estar com Lula em chapa possível. Enquanto Lula não acena, Dino conversa com seu atual partido para reaproximar com o PT.
        Luiza Trajano- a dona da Magazine Luiza (Magalu) é benquista por parte do PT, pela causa da vacinação e projetos de inclusão social de negros e outras minorias. Mas ela se nega a entrar na carreira política, mesmo tendo boa relação com Lula e Dilma.
        Paulo Câmara (PSB)- o governador reeleito de Pernambuco manifesta amplo apoio ao petista, e não esconde seu desejo de ser vice dele. Se escolhido para vice, poderá reaproximar PSB e PT.
        Henrique Meirelles (PSD)- foi ministro de Lula. Ainda que queira se candidatar a governador de Goiás, pode ser indicado para vice de Lula se houver acordo PT-PSD. Pessoalmente não acenou.
        Simone Tebet (MDB)- é pré-candidata à presidência pela 3ª via, mas tem boa relação com o PT. Reaproximou-se do colega e cacique Renan Calheiros, que quer o MDB apoiando Lula.
        Omar Aziz (PSD)- o destacado presidente da CPI da C19 tem boa relação com Lula, demonstrada quando foi governador do Amazonas. Se ele entra de vice, dois assuntos delicados entram aí: a questão da Amazônia, e o apoio a Bolsonaro ainda relevante na região.
        Fabiano Contarato (Rede)- outro destaque da CPI da C19, o senador foi convidado a se filiar ao PT. Mas, sinaliza debate em campos nos quais o PT ainda tem certa dificuldade de diálogo.
        Josué Gomes (PL)- o filho de José Alencar, finado vice de Lula, é empresário e presidente eleito da Fiesp. Tem proximidade com o Centrão, dado o seu partido.
        Ciro Gomes (PDT)- suas críticas a Lula e Haddad desgastaram suas possibilidades de candidatar à presidência. Como há lideranças próximas dos petistas, sua reaproximação é possível, mesmo difícil.
        *Roberto Requião (sem partido)- o ex-senador foi o único no MDB a votar contra a deposição de Dilma Rousseff em 2016. Hoje sem partido, de olho no governo do Paraná, tem forte proximidade com Lula e outros petistas, mas ainda não há registro de sua possibilidade de ser vice dele.

        Os nomes acima (incluindo o bônus Requião) aparecem como meras especulações assinaladas por analistas e, em parte, pelo senso comum. Até mesmo Alckmin entra no campo da especulação até o presente momento, dados os fatores acima citados, dado o risco de se esmorecer, apesar da preferência indisfarçável de Lula pelo ex-tucano.
        A proximidade de Requião com os petistas o tornou o único a contrariar o MDB, seu partido por 40 anos, ao votar contra o impeachment de Dilma. O atual apoio a Lula é forte. Mas ele é um boquirroto: pode ver como desaforos situações que o desagradem. Daí ter protagonizado uma polêmica.
        Ele convidara a então presidente Dilma para recepção de seu aniversário. Dilma não compareceu, mas pediu ao seu motorista enviar uma dedicatória escrita. Quando foi a vez dela aniversariar, Requião deu troco idêntico. 
        Nesse sentido pode parecer uma fria tê-lo como vice, mas Requião é velha raposa política. O que alguns nomes acima listados podem não ser. E, quiçá, seja alguém assim um vice ideal de Lula...
        Calma. É só especulação. 

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Imagem: Google

Notas da autoria
*Bônus do blog, não consta em fontes em relação à possível ideia de formar chapa com Lula.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/petismo-ou-lulopetismo-resultado-final.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/09/analise-opcoes-e-desafios-da-esquerda.html
- https://revistaforum.com.br/politica/paulinho-da-forca-diz-a-alckmin-que-centrais-nao-defendem-revogacao-da-reforma-trabalhista/
- https://www.brasildefato.com.br/2021/11/17/geraldo-alckmin-sera-vice-do-lula-conheca-os-possiveis-nomes-e-suas-chances-de-ocupar-o-posto
- https://jornaldebrasilia.com.br/blogs-e-colunas/coluna-esplanada/requiao-quer-disputar-governo-do-parana-e-ensaia-filiacao-ao-pt/
- https://www.youtube.com/watch?v=a7E6eQMMpJg

        

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Entrevista com o Coronavírus - pandemia de gripe

 

        Ao verificar a publicação da sua entrevista com o Coronavírus, o jornalista Jota percebeu comentários elogiosos nas redes sociais sobre o conteúdo abordado e as respostas objetivas e explicativas do entrevistado. 
        Ao mostrar os comentários à sua chefia, o chefe viu tudo analiticamente, e seus olhos iluminaram. Jota já sabia: vem nova entrevista por aí.
        - O que pensou, chefe?
        - Pelo excelente trabalho, que tal abordar sobre a pandemia de gripe que está sendo tão falada agora? Ele vai responder bem, como sempre. Faça esse furo.
        Jota assentiu, e logo sentou-se diante de seu notebook, acessando a plataforma pela qual entrevistou o Corona várias vezes e com segurança. Afinal, por ser um vírus, está sempre disponível. E com um prazer ladino. Enfim, o sinal do Corona aparece.
        - Bom dia, Jota. Já sei que é você, meu caro.
        - Bom dia, senhor Corona.
        - Ah!, só um spoiler, um pedido. Antes de começar. só peço para retirar esse "senhor" antes de meu nome de família, não precisa. Vamos relaxar de tanta formalidade. Me chame de Corona direto, pois sou conhecido assim mesmo. Até já zoaram da minha alcunha aí no seu país, me chamando de Coronga.
        - Correto. O povo brasileiro é da zoeira mesmo - pausa com um sorriso de gracejo com a zoeira. - Bom... a entrevista recebeu muitas mensagens elogiosas dos internautas, bem como algumas sugestões, sendo a que meu chefe considerou mais interessante a da pandemia de gripe.
        - Sim, um bom tema para vocês. Vai ser um prazer essa abordagem. 

Gripe: pandemia ou surto? Breve ponto histórico

        - Como o senhor está em todas, com certeza está acompanhando o cenário de pandemia de gripe. 
        - Observei isso sim.
        - O senhor acredita que esteja havendo mesmo uma pandemia de gripe junto com a da C19?
        - A pergunta parece fácil, mas a resposta para ela na verdade deveria ser bem reflexiva, e pede uma abordagem histórica.
        - Como assim?
        - Vamos por parte na nossa reflexão. A começar bem lá atrás, na história da humanidade, quando o mundo fora da África passou a ser colonizado pela sua espécie, Homo sapiens, que viria substituir os parentes que já ocupantes. Embora a competição por território e recursos tenha sido o fator central de competição entre os sapiens e outros hominídeos como erectus, habilis, denisovas e neandertais1, os estudiosos ainda discutem sobre outros fatores do aniquilamento destas espécies deixando espaço livre para a espécie de vocês. Entre vários exemplos, eles deduzem sobre a contribuição de certos patógenos aos quais o sapiens já tenha adquirido certa resistência devido à adaptação.
        - Confesso não ter feito leitura sobre tais especificidades da nossa pré-história, mas o senhor está insinuando a possibilidade de os sapiens já carregarem consigo um Influenza ancestral?
        - Sim, exatamente, você acertou. Veja bem, todas as populações componentes da biosfera, desde vocês até as arqueobactérias extremófilas2, foram sujeitadas pela grande mãe, a natureza, a fatores de caráter agressivo, que somente visam contribuir para o controle populacional, para o objetivo de manter o equilíbrio dinâmico, complexo e delicado entre os serem vivos e o planeta. Por que os biólogos viram que há mais parasitas e infectantes do que espécies de vida livre, segundo estudos de levantamentos de espécies que ocorrem periodicamente? Então, por que o sapiens não poderia ser hospedeiro natural de patógenos então estranhos às demais espécies hominídeas que citei?
        - Entendi. Nessa história, o senhor cita que a minha espécie possivelmente já carregava o Influenza ancestral, que ainda não tenha sido identificado, até por ainda não terem identificado nos fósseis de sapiens qualquer traço de RNA que pudesse ser desse vírus. 
        - Sim, até o momento sim. E pode até ser que, há centenas ou dezenas de milhares de anos atrás, ainda não tenha havido contato entre o sapiens e o Influenza. Se essa hipótese se confirmar, em algum momento na Eurásia houve esse contato, com posterior adaptação dos sapiens. Podemos dizer que, até pelo menos o início das grandes navegações que induziram a colonização europeia de novos mundos, a gripe tinha surtos endêmicos ou epidêmicos na Eurásia. Vale relembrar que "endemia é local, epidemia é nacional ou continental, e pandemia é mundial".

Mutações e H3N2 - potenciais de perigo e de esperança
        - A gripe pela variante H3N2, que se alastra no Brasil, é um caso pandêmico ou é um surto?
        - Genericamente, a gripe é pandêmica há mais de 5 séculos, e desde então vieram muita cepas que nunca foram conhecidas porque não havia microscópios. Embora sua existência fosse aceita desde o século XVIII, o vírus só seria visto nos anos 1930. Nesse tempo todo os humanos se adaptaram por imunidade. As taxas de mutação do influenza eram mais lentas em tempos atrás, acelerando graças à explosão demográfica humana, as muitas viagens por todos os tipos de transporte e toda forma de aglomeração. Cepas mais agressivas como a H1N1 surgem assim. Agora, sobre a H3N2, ela tem espalhe intercontinental, com surto no Brasil e adjacências. Então, finalizando a resposta para a sua pergunta, vocês estão vivendo, no momento, um surto de H3N2.
        - Sobre o potencial de gravidade e letalidade da H3N2, o que o senhor tem a dizer? 
        - Nesse sentido, qualquer Influenza é perigoso para quem nunca teve contato. Nas Américas, os nativos morreram aos milhares em contato com colonizadores infectados, que por sua vez passaram a usar doenças contagiosas como armas de extermínio. Hoje missionários cristãos tentam contatar povos indígenas isolados para convertê-los, perigando transmitir as viroses que podem matá-los. Infelizmente as mídias pouco ou nada falam sobre esse caso incentivado pela Funai e pela ministra Damares. Já a H3N2 é uma variante relativamente nova entre os urbanos, e por isso tem causado algumas mortes, em especial de crianças, idosos e imunodeprimidos, como noticiado há alguns dias no Rio de Janeiro. 
        - O senhor faz alguma comparação da variante H3N2 com a Ômicron?
        - Essa pergunta pede certa recapitulação da última entrevista. Em verdade quem realmente tem feito comparações entre os dois vírus é a mídia noticiosa. Como foi falado, a comparação tem sido usada na sintomatologia, pois à Ômicron tem se atribuído sintomas de C19 tidos como "mais leves" ou "tipicamente gripais". Por outro lado a mesma mídia diz que a H3N2 causa uma gripe com "sintomas parecidos com os da C19". O problema é que isso tende a enganar muito, pois sintomas apenas abrem caminho pra diagnóstico, que por sua vez se confirma ou não por exame específico. De qualquer forma são vírus distintos.
        - Em matéria de grupos de risco, o que o senhor tem a dizer sobre a H3N2?
        - Essa também cabe fala na última entrevista. Como disse, a Influenza H3N2 e o Corona Ômicron são vírus bem distintos, e também assim se revelam quanto aos preferenciais para atacar. Meu grupo é mais agressivo ao incluir mais grupos como cardiopatas, hipertensos, diabéticos, imunodeprimidos. transplantados, pneumopatas, renais, oncológicos, e faixas etárias como idosos ou crianças, tidos como mais fracos aos olhos da seleção natural, contra a qual o homem luta sem parar.
        - Caso a H3N2 continue com potencial letal por muito tempo, o senhor considera possível surgir vacina contra ela com rapidez, a exemplo do que acontece hoje com a C19?
        - Acredito que sim. Hoje, os cientistas contam com duas poderosas armas que possibilitam essa velocidade de desenvolvimento: o bom acúmulo de conhecimento científico sobre o comportamento de numerosos grupos viróticos, e a sofisticação tecnológica que municia laboratórios com equipamentos de ponta e tecnologias com softwares capazes de processar as informações obtidas nos experimentos, tudo isso feito por pessoal bem qualificado. São triunfos que os desenvolvedores das vacinas de catapora, sarampo, rubéola, varíola e outras não tiveram, e mesmo assim se dedicaram a desenvolver formando conhecimentos dos quais os cientistas atuais desfrutam. Mas, fé em medicação não basta, milagres não existem. É preciso ter consciência de que precisa mudar a relação homem-natureza, olhar o mundo sem subestimá-lo. 

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Imagens: Google (montagem pela autoria deste artigo).

Notas da autoria

1Homo erectusH. habilisH. denisovaH neandertalensis e outras não citadas no texto são espécies humanas aparentadas, mas atualmente extintas.
2. Arqueobactérias extremófilas são um grupo de bactérias ao qual se atribuem descendência direta dos primordiais de vida na Terra, em evento ocorrido há 3,8 bilhões de anos atrás.

Para saber mais
- https://www.cnnbrasil.com.br/saude/especialistas-explicam-o-que-pode-provocar-uma-nova-pandemia-de-gripe/ (noticioso)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Entrevista com o Coronavírus - Ômicron e Flurona

 
INTRODUÇÃO

        O repórter Jota virou uma referência valorizada nas redes sociais. Está satisfeito por ter tido um 2021 positivo, mesmo lamentando maus eventos vividos pelo Brasil por vários motivos, e o novo surto de C19 com síndrome gripal. Após as férias de dezembro, ele retoma o batente já recebendo ordem da chefia para... entrevistar o Coronavírus. Sorriu. Ágil no seu notebook bem moderno, logo entrou em contato com o Corona em plataforma on-line.
        - Enfim estamos no novo ano, Jota. Fico feliz que tenha passado bem, e cuidado da natureza e da saúde nas suas férias.
        - Obrigado. - pausa; limpou a garanta para começar: - Bem, o tema da primeira entrevista de 2022 é a disseminação do Ômicron, sua mais nova variante, pelo mundo. O que o senhor pode nos dizer sobre ela?

Ômicron e particularidades

        - Historicamente, cientistas sul-africanos descobriram a Ômicron em sequenciamento genético em amostras isoladas de positivados com sintomas gripais em meados de 2021. Antes, houve situação idêntica na Holanda, mas aparentemente sem identificação. Como falaram, essa variante tem poder de mutação e transmissibilidade recordes, que ainda estão sob atenção quanto aos seus potenciais. Já a sua origem específica é muito especulada, mas não interessante, pois ao ser identificada, cientistas já desconfiavam de já haver uma ampla disseminação.
        - Por  que, para o senhor, a origem específica da Ômicron e outras variantes não interessa? 
        - Como falei, sempre há uma desconfiança imediata dos cientistas sobre disseminação ampla quando nova variante virótica é descoberta, e depois, anunciada à comunidade científica. A Ômicron é um exemplo claro de espalhe intercontinental prévio quando foi anunciada em cadeia aberta de informação pública. A sua descoberta na África do Sul não significa que sua origem foi lá, e sim o local onde primeiramente foi rastreada, confirmada a sua existência e batizada, para diferenciar das demais já conhecidas. Politicamente já vimos que definir uma origem gera conspirações ruins. Que o diga a China.
        - Além de ser relacionada a sintomas gripais, a Ômicron aparenta ser menos letal do que outras como a Delta e as brasileiras Gama e Beta, por exemplo.
        - Tenho notado publicações midiáticas assim, com afirmações sem considerar a amplitude de contextos locais. Quando a Delta passou a dominar no Rio de Janeiro, as mortes oficiais atribuídas a ela foram menores do que as das variantes brasileiras, ligadas aos picos de janeiro a abril do ano passado. Na mesma época, a Delta matou muito na Rússia e na Índia. A mortalidade aumentou na Europa agora dominada pela Ômicron. No Brasil se vê a perigosa negação política que obscurece a confiança estatística. Enfim, é difícil saber qual é mais ou menos letal.

Surtos de Influenzas novas e mais C19

        - O senhor fez menção a sintomas gripais. E, coincidência ou não, aqui no Brasil se divulgou sobre a presença de um vírus Influenza que causa sintomas confundíveis com C19.
        - Na medicina, um sintoma-chave, ou um grupo deles, ainda é crucial para suposição de um diagnóstico preliminar, a ser confirmado ou negado em exames específicos. A gripe de agora está sendo chamada de Gripe A, que a patuleia fala ao querer sensacionalizar a relação com a gripe de sintomas mais fortes que lembram a C19. Jota, agora pergunto ao senhor: até onde sabe sobre esse tema?
        - Sinceramente, confesso não conhecer praticamente nada, só o básico.
        - Essa 'gripe A' se atribui a vírus da subfamília Influenza A da superclasse Influenza. Ela agrega vírus HN humanos como H1N1, H2N1 e H3N2, e outros não humanos, de síndromes respiratórias. No Rio de Janeiro, a variante H3N2 teria causado mortalidade preocupante similar à da C19 em crianças e idosos, que parecem ser seus grupos de risco, pois não foi confirmada ainda relação com comorbidades. A pandemia de gripe espanhola que matou dezenas de milhões entre 1918 e 1921 foi causada por um H1N1.
        - Por que se relaciona comorbidades como problemas cardiovasculares, doença renal crônica, hipertensão, diabetes e outras condições à C19, mas até hoje não à gripe comum?
        - O principal fator a contribuir nessa diferenciação é a natureza da doença. A gripe é doença respiratória epidêmica por muitos séculos na Eurásia e tornada pandêmica pela colonização. Ela é pandêmica há séculos, tempo suficiente para vocês terem certa memória imunológica. A C19 é uma patogenia vascular de transmissão principalmente respiratória. Essa natureza vascular dá ao vírus capacidade de atacar qualquer órgão humano, preferindo os doentes. Como você vê, natureza pura.

Flurona

        - Nesse contexto entra a flurona, que designa a soma de duas infecções em mesmo paciente. Como o senhor analisa esse fato?
        - Estou sabendo disso. Esse termo é a junção de parte do nome Influenza e parte do meu. É uma descoberta nova para confirmação pela ciência, significando que a sua ocorrência é bem mais antiga ou comum do que se pensa a princípio. A desconfiança sobre a flurona já existia, o que pode estar por trás do protocolo de se considerar toda situação gripal como suspeita de C19, e daí, se recomendar teste PCR duplo, sendo um para C19 e outro para gripe, dispensa do trabalho e isolamento social. Mas, só agora se confirma a sua ocorrência.
        - Não há como defini-la como uma doença específica?
        - Tanto eu quanto os cientistas vemos a flurona basicamente como infecção. E infecção não é patologia em si, é a ocupação do organismo do hospedeiro pelo patógeno. Nós e os Influenza somos duas classes distintas, ainda que, quando vistos na microscopia eletrônica, sejamos parecidos, gerando confusão nos leigos que veem nossas micrografias (fotografias de microscópio), e ainda não misturamos nossos materiais. Pode ser que a flurona possa ser identificada como doença a partir do momento que as autoridades determinarem a partir dos exames comprobatórios da dupla infecção.
        - Mas, no contexto brasileiro, onde há uma forte onda gripal e novamente aumentam os casos de C19, por que ainda os casos de flurona são tão poucos?
        - Considero o contexto brasileiro bastante complexo, visto que vocês estão dominados por um ar de forte politização da C19 e agora da própria gripe. Essa politização tem atuado de forma muito negativa, desinvestindo na pesquisa científica e tecnológica e na educação de modo geral. Na saúde pública é ainda pior. E, como a politização tende a causar alarmismo popular ou, pior, a negativismo relativo à existência de infecções ou doenças tidas como novas, percebo que médicos e pesquisadores brasileiros em maioria agem com cautela , com seriedade no trato com os problemas de saúde pública de mega alcance epidêmico. E, claro, por questão de investigação científica séria mesmo. A ciência leva tempo e é cuidadosa, aos poucos vocês chegarão lá.

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Imagens: Google (fonte original; montagem pela autoria deste artigo).

Nota da autoria

Referência
ROSSINI, S. Entrevista com o Corinavírus - Ômicron e Flurona. In: ______. Cenas da vida urbana, crônicas do real. Janeiro de 2022 (é a primeira crônica do ano!).
(originalmente publicado no link https://pingback.com/pensamentos/entrevista-com-o-coronavirus-omicron-e-flurona). 

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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...