Normalmente, nas convenções partidárias, os políticos alçados a pré-candidatos às chefias dos Executivos e Parlamentos estaduais e federal lançam as suas séries de propostas. As cartas foram jogadas uma a uma paulatinamente.
Diferentemente do restante dos pré-candidatos, o presidente Jair Bolsonaro já se preparava para 2022 praticamente desde 2019, quando iniciou a sua era. Mas, parece que o estratagema o deixa em desespero, diante de nomes de maior peso, como Ciro Gomes e Lula.
Como já sabemos, Ciro Gomes é um político de larga experiência, tendo iniciado a carreira ainda em 1982, pelo então MDB de Ulysses Guimarães. Foi um governador popular do Ceará, deputado estadual e federal, e ministro na era Lula. Como presidenciável, já teve votações expressivas antes.
Para a corrida de 2022, Ciro novamente tenta como presidenciável. Afinal, nordestino arretado de coração, não desiste nunca, Por um tempo disputou a 3ª colocação com Moro, até que este saiu de cena cedendo-a ao pedetista, que a segura com tudo que pode.
Mas, chama a atenção a colocação dele se mostrar distante do 2º lugar (Jair Bolsonaro), mandatário atual da República. Ciro não tem passado dos 8 ou raros 9% nas pesquisas de intenção de voto desde agosto de 2021. Certamente tem algo aí que o impede de alcançar mais potencial votante.
Críticas ferrenhas a Lula
Em 2018, Bolsonaro surge como novidade na corrida presidencial entre vários nomes conhecidos. Mas como sabemos, ficou atrás de Lula, este imbatível na liderança, que só foi perdida por conta da prisão pelos já sobejamente conhecidos casos do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia.
Mesmo por algum tempo de prisão, Lula ainda se mantinha candidato e já dialogava com Ciro, dando-o como certo na sua equipe, se eleito fosse. Mas aí veio a impugnação da candidatura do petista, devido à lei da Ficha Limpa segundo a grande mídia, ou lawfare1 segundo as mídias independentes.
Então, em 2018 houve um rompimento da aliança entre Lula e Ciro. Este último passou a criticar duramente o PT, o que teria contribuído, segundo as mídias de esquerda, a alimentar o antipetismo que surgiu com a crescente insatisfação coletiva com a era Dilma.
As críticas de Ciro a Lula e ao PT continuaram mesmo após a soltura do ex-presidente. No Ceará, o governador petista eleito Camilo Santana, próximo aos Ferreira Gomes (família de Ciro) procurou dar um jeito de reconciliar os dois adversários, o que ocorreu em meados de 2020, por mais de um mês.
Ciro e Lula travaram um bom diálogo visando a reaproximação. Apesar de ambos terem tocado na ruptura da aliança, que trouxe mágoas, o assunto principal foi a situação sociopolítica do país na era de Bolsonaro, a pandemia de C19 e análises dos resultados das eleições.
Todavia, a despeito da intenção de Camilo, Ciro voltou a criticar Lula, acreditando que este "não aprendeu com os seus erros", devido ao velho petista de falar "com os mesmos de sempre, incluindo aqueles que derrubaram Dilma". A trégua durou pouco, e as críticas hoje rendem no seu canal de reacts Ciro Games, no Youtube.
João Santana- Mesmo com Lula finalmente livre dos processos de Sérgio Moro na medida que os fatos desmascaravam o ex-juiz e Deltan Dallagnol (graças à Vaza Jato2), formou-se um contexto em que, em meados de 2021, o persistente Ciro Gomes contrata João Santana para marqueteiro político.
Baiano de Tucano, João Santana é bem conhecido. Jornalista, tem longa história na grande mídia. Músico, contribuiu na disseminação dos ritmos baianos. Escritor, publicou Pequenas Estórias sobre o Brasil, Aquele Sol negro azulado e outros. Publicitário, tem respeitável trânsito no cenário político.
Na política, se mostrou um relevante marqueteiro, com mostra de olho clínico no temperamento dos seus contratantes. Foi assim que contribuiu na vitória eleitoral de Lula e o contagiante single que virou marca registrada. Com Ciro, parece colocar as críticas anti-Lula como mote de campanha.
Consequências e reflexões- é possível enxergar uma moeda com duas faces opostas, a positiva e a negativa. Positivamente o canal Ciro Games tem um formato atrativo ao público jovem e escolarizado, com a tendência do pedetista de ser bom analista político nos reacts sobre as cenas reproduzidas nos vídeos.
Mas o lado negativo é muito mais forte e diverso. A linguagem difícil de suas falas afasta a maioria simples que mal compreende e, junto ao tom temperamental, passa a pecha de arrogante mesmo sem a intenção de sê-lo, reforçando entre seus críticos outra pecha, a de coronelista, devido à sua influência política no Ceará.
O foco quase sempre centrado nos alvos Lula e PT também se torna negativo para o próprio Ciro: suas críticas não alteram em nada a constância da liderança do velho petista nas intenções de votos, e ainda são aproveitadas pelas alas bolsonaristas, dando impressão a seus críticos de que está a favor do Bolsonaro, de quem na verdade é adversário.
A persistência em criticar Lula e PT fica repetitiva e enfadonha, podendo afastar ainda mais seu potencial eleitoral e pode explicar por que não melhora sua posição. Ele se declara "a terceira via" após colapso de Moro e Doria, enquanto o nome único das 4 siglas (União Brasil, PTB, MDB e PSDB) ainda não se define.
Até outubro são 5 meses de tempo que Ciro tem para repensar se vale continuar nessa sem atingir Lula, ou se prepara uma estratégia melhor, como traçar um react analítico comparando o seu PND com as propostas do petista. Quiçá, dessa forma possa atrair o maior e mais eclético público possível, e quiçá, elevar sua posição.
Pois é cada vez maior o público cansado de tanta raiva e ódio que tem dominado o cenário tanto social quanto político. O react comparativo é sugestão deste blog, na ciência de Ciro como uma pessoa experiente e inteligente que, hipoteticamente, pode superar Bolsonaro e encarar Lula em 2º turno.
Enfim, o mais importante é a política conjunta para derrubar Bolsonaro e, com o tempo, o legado raivoso e de bizarra teocracia cristofascista de extrema direita. Como diz Bemvindo Sequeira em seu canal homônimo no Youtube, "a eleição 2022 é a disputa da civilização contra a barbárie".
Assim, nesse hipotético segundo turno entre Ciro e Lula, poderemos ver uma briga talvez mais saudável, em que, como sabemos, dominam as críticas trocadas. E até nisso Ciro tem que se cuidar: se quiser virar o placar sobre o petista, tem que ser criativo para não cair na mesmice. É difícil, Mané!
Mesmo que não ganhe de Lula, pelo menos poderá mais divertido.
----
Imagem: Google
Notas da autoria
1. Termo que define toda uma situação fática estrategicamente planejada para criar uma "presunção de culpa" sobre alguém de peso para retirá-lo do cenário sociopolítico e geopolítico em interesse de terceiros. O termo foi cunhado por John Comaroff, professor da universidade de Harvard.
2. Divulgação de descobertas pelo jornalismo investigativo do The Intercept, então chefiada pelo premiado Glenn Greenwald, marido do deputado federal David Miranda (PSOL-RJ). Ela ocorreu entre o pós-eleição de 2018 e meados de 2019.
3.
Para saber mais:
- https://m.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1829175-professor-de-harvard-ve-presuncao-de-culpa-contra-lula-na-lava-jato.shtml
- https://www.metro1.com.br/noticias/politica/99136,lula-e-ciro-se-encontram-e-selam-tregua-apos-rompimento
- https://jc.ne10.uol.com.br/blogs/jamildo/2021/10/13612434-tregua-durou-pouco-ciro-gomes-volta-a-criticar-lula.html