domingo, 12 de junho de 2022

Análise: a ideologização de uma guerra

 

        Todos sabemos que Ucrânia e Rússia estão numa guerra por enquanto concentrada no pequeno país, que por quase 8 décadas foi uma das repúblicas da finada URSS e hoje é uma nação independente, tendo à frente o presidente Volodymir Zelensky.
        Mas, embora ainda local, a guerra atrai olhos do mundo todo. A Rússia é uma superpotência armada e grande exportadora de cereais, minério e gás natural. A Ucrânia tem sido a rápida passagem disso tudo para a Europa, com gasodutos russos no subsolo.
        Sabemos que os EUA convidaram a Ucrânia para entrar na OTAN, como o fez quase toda a Europa, que agora teme a piora da investida russa com as sanções econômicas impostas pelos EUA.
        Enquanto isso, aqui no Brasil, desde 2019 os bolsominions verde-amarelos desfilam nas ruas não só com as bandeiras brazuca, estadunidense e israelense: também defendem Zelensky com unhas e dentes. Assim como a grande mídia. E agora se vê a polarização se estender aos dois países irmãos.

Irmandade cultural e histórica (resumo)

        Quando se fala de suas origens séculos e séculos atrás, Rússia e Ucrânia quase se confundem, pois foram quase uma coisa só. Isso se explica bem. Russos e ucranianos têm a mesma origem étnica, seus idiomas muito parecidos, têm a mesma dominância da fé cristã ortodoxa russa.
        Na Antiguidade, Rússia ocidental e Ucrânia eram povoadas principalmente por tribos eslavas que cruzaram com germânicos. Cristianizados na idade média, fundaram vários feudos com fé ortodoxa, ao lado de minorias judaicas e ciganas. Os monarcas eram chamados de czares (reis, em russo).
        No século XIX, Ucrânia era parte da antiga Prússia, que dominava a Alemanha oriental. Em 1917, ela se tornou uma das repúblicas soviéticas da URSS, até o fim desta em 1991. 
        Se em toda a história as muitas relações com outras culturas e as guerras não destruíram a solidez cultural eslava, não é a guerra atual que destruirá a irmandade presente.

Um pouco de Putin e Zelensky

        Putin- Wladimir Putin nasceu em Leningrado em outubro de 1952, filho de trabalhadores. Garoto rebelde e de médio rendimento escolar, aprendeu o Sambo, arte marcial soviética de karatê, judô e luta livre, aos 13 anos, que o tornou muito aplicado e objetivo. Na Universidade Estatal local, entrou no PC-URSS1 e se formou em Direito.
        Entrou no Comitê de Segurança Nacional (KGB) em seguida, ascendendo até se tornar chefe, na era Gorbatchov, cuja abertura política observou, bem como o fim da URSS, a criação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e as eleições presidenciais diretas por Boris Yeltsin: a porta se abriu.
        Governo- Eleito presidente, Putin criou a Federação Russa, meteu política econômica de controle inflacionário e cambial, abriu o país a empresas de fora, e principalmente, implementou forte inovação tecnológica, em especial no armamentismo de guerra, tornando a Rússia a mais temida potência global.
        Fundamentadas em evidências, pesam fortes acusações internacionais em direitos humanos, como redução da liberdade de imprensa e perseguição a uma minoria étnicas e grupos LGBTQUIA+.
        Zelensky- judeu, Volodymyr Zelensky nasceu em janeiro de 1978 (Kryvvyi Rih, Ucrânia). Jovem, tornou-se ator, roteirista, cineasta e fundou o grupo Kvarta/95, que produziu a série de humor político Servo do Povo, na qual fez o papel de presidente do país. Formou-se em Direito, sem atuar na área.
        Transformou a ficção em realidade ao fundar o partido Servo do Povo e se candidatar a presidente da República, anunciando uma plataforma antissistema2, como na sua série. Com isso, teve importante apoio de uma milícia neonazista, o Regimento ou Batalhão de Azov, de Mariupol.
        Governo- na prática foram adotadas política econômica liberal e restrições sobre a liberdade de imprensa e de movimentos LGBTQUIA+. Ao menos extinguiu a imunidade legal parlamentar, mas não a de seu cargo. e a reforma agrária. Atualmente, enfrenta a destruição de seu país pela invasão russa.
        Alegando a sua origem, Zelensky nega o rótulo neonazista, ainda que pesam sobre seu governo fortes indícios de avalizar perseguições a minorias étnicas, religiosas e sexuais. 

Guerra russo-ucraniana: reflexões

        Por ocorrer em uma área geográfica privilegiada no contexto econômico, a guerra Rússia-Ucrânia desperta forte atenção das mídias no mundo, e entre a grande mídia, Zelensky é visto como um herói, e Putin quase comparado ao líder nazista Adolf Hitler, como visto em charges. Controversos, os motivos são aqui citados como meras suposições.
        Otan3- foi criada pelos EUA quando dada a divisão em dois blocos econômicos, o pró-EUA e o pró-URSS. Maior símbolo da guerra fria de então, se representa por forças militares de países membros em operações de guerra. A Ucrânia foi convidada a entrar, o que teria sido estopim para a guerra atual.
        Cláusula do tratado previa a extinção da Otan com o fim da guerra fria. A URSS caiu, mas não a Otan, que hoje abocanha a maior parte da Europa, enquanto os russos aprimoram armamentos. A guerra fria de outrora, portanto, despertou em nova forma, mas com velhos inimigos.
        Armas biológicas- soldados russos teriam encontrado armas biológicas no subsolo ucraniano. A subsecretária de Estado dos EUA admite a existência de 30 laboratórios experimentais da Ucrânia e teme o confisco russo. O Estadão diz ser fake a ideia de que os laboratórios, supostamente #404, sejam dos EUA.
        Gasoduto Nord Stream- da Rússia, ele fornece gás para energia europeia passando pelo subsolo ucraniano, e isso acontece há anos. A própria Ucrânia se beneficia com esse fornecimento. Notícias da guerra impõem suposições que tornam o gasoduto tão polêmico.
        A primeira delas é a de que as sanções dos EUA contra a Rússia seriam um meio de obter o valioso gás. A outra é o temor de danos por conta dos bombardeios. O que sabemos é que, com as sanções, a Rússia poderia responder com uma redução ou corte do fornecimento, fomentando crise na Europa
        Zelensky neonazista- algumas mídias têm apontado que a invasão da Ucrânia foi motivada pelo suposto ideal de Putin de "exterminar o neonazismo", pois Zelensky não pune o Batalhão de Azov por suas perseguições a minorias étnicas, religiosas e LGBTQUIA+, devido à proximidade política.
        Na verdade é extremamente difícil descartar qualquer das hipóteses acima, devido a interesses que cercam a macroeconomia global capitalista e envolvem os grandes grupos financeiros, políticos e midiáticos.
        Armas biológicas e químicas- os EUA as fabricam há décadas. Usado na guerra do Vietnã (1961-75), o desfolhante agente laranja não deixa mentir: até hoje contamina vastas áreas florestais e rurais, com efeitos deletérios à saúde socioambiental, e estudos apontam que cânceres entre vietnamitas podem se ligar mais à dioxina do agroquímico do que a outros fatores.
        A ideia de laboratórios de armas biológicos #404 no subsolo ucraniano ser fake news foi postada apenas pelo Estadão, conforme pesquisa minuciosa no Google que não revelou outra fonte a mencioná-la, nem para alertar de ser mentira ou verdade. E o Estadão é um mega grupo midiático.
        Acusação de neonazismo- a grande mídia atribui a Putin acusar Zelensky de neonazismo, mas o que talvez a geral não percebeu é que os dois líderes nacionais compartilham as mesmas acusações, de perseguição políticas a minorias e à imprensa, na verdade feita por entidades internacionais de direitos humanos. Esta é também exemplo de acusação direcionada contra o brasileiro Jair Bolsonaro.
        A negação de Zelensky de ser neonazista baseando-se na sua origem judia, citando os avós mortos em campo de concentração nazista, faz pleno sentido em si. Mas por outro lado parece afagar a milícia neonazista. Esta possivelmente excluiu os judeus em respeito ao presidente, o que explicaria o afago.

Brasil e a ideologização da guerra russo-ucraniana

        Bolsonaro já estava no poder quando Zelensky foi eleito presidente. Então, bolsominions de verde-amarelo foram às ruas de algumas capitais exibindo bandeiras rubro-negras e azul-amarelas, ambas com um brasão central (vide foto), gritando "ucranização já!".
        A bandeira ucraniana é azul e amarela em disposição horizontal, mas sem o tal brasão. Este foi criado pelos nacionalistas para simbolizar um sentimento frente à histórica ligação com a Rússia.
        Bolsonaro disse aos fãs que a eleição de Zelensky consolidaria não só a democracia ucraniana, como também a "plataforma antissistema", a despeito de a maior parte das políticas empregadas lá ser  capitalista, tal como as empregadas pelo próprio Bolsonaro.
        Ironicamente, Bolsonaro até hoje só dialogou com Zelensky com felicitações pela eleição e em encontros ultraconservadores na Hungria e na Polônia, países também governados pela extrema direita cristofascista. Mas, de qualquer forma, já estava instaurado um clima que se materializaria depois.

A guerra é de esquerda ou de direita? reflexões finais

        E então, a surgida guerra virou alvo da polarização ideológica brazuca. Se bolsominions e grande mídia afagam Zelensky como herói, alguns grupos de esquerda respondem com imagens de soldados de Azov torturando e/ou matando ciganos e outras etnias, consagrando Putin como parte provocada.
        Como o ex-deputado paulista Arthur do Val e influencers bolsonaristas, alguns brazucas foram à Ucrânia para engrossar as fileiras contra a Rússia. Sem tradição de guerra, voltaram envergonhados pela indiferença dos próprios soldados ucranianos. 
        Arthur quis alçar fama ao se dizer voluntário da guerra e culminar em "elogios" sexuais às moças ucranianas. Apesar da repercussão, sua fala não foi o maior motivo da cassação, e sim o objetivo sem a devida autorização para os objetivos da viagem. Sua fala soa torpe se comparada ao que Bolsonaro faz em Brasília.
        Assim como Arthur do Val, os influencers que foram se aventurar como "voluntários de guerra" em apoio à Ucrânia aparentemente sumiram das redes sociais, ou se destinaram a produzir canais em redes como o YouTube e correlatos, pois desde então não apareceram novas publicações referentes ao tema.

        Embora não seja intenção desse blog, não há como não responsabilizar os bolsominions pelo início do processo de ideologização da guerra russo-ucraniana, mesmo tendo respostas prontas, mesmo nem sempre certas ou adequadas, das partes contrárias. 
        Por incrível que pareça, a ideologização guerreira pode ter se iniciado com as passeatas de 2019 e 2020 carregadas das citadas bandeiras ao lado da nossa e da também indefectível bandeira de Israel, enquanto os esquerdistas respondiam raramente, nas redes sociais, cuidando-se com a pandemia. 
        Mas, com a guerra, as respostas mais frequentes dos grupos de esquerda ajudaram a engrossar o caldo da ideologização do fato, com o qual temos a ver apenas economicamente, e nessa parte o Brasil poderia estar em diálogo com os líderes em conflito para um acordo... só que  não.
        Por outro lado, as respostas dos esquerdistas se calaram quando Bolsonaro encontrou Putin, não para falar sobre proposta de armistício, e sim para entregar, de bandeja, a fábrica de fertilizantes da Petrobras para grupo russo. Sobre a guerra, apenas um apoio protocolar a Putin, calando o clima.
         A conjuntura de diversos fatos, incluindo a geopolítica e econômica, soam como recados claros para os brasileiros que se aventuraram a esse nível de coisa. A cassação de Arthur e a ida de Bolsonaro à Rússia foram de bom tom nesse sentido estrito.
        Uma zona de guerra não deve ser lugar de aventuras, não importa de qual natureza. Não serve para quem não tem tradição de guerra. A Ucrânia agora virou uma zona da qual sobram órfãos e milhares fogem para os países vizinhos, engrossando o caldo da crise migratória na Europa.
        A guerra ocorrente não é entre direita e esquerda, sistema e antissistema. Os dois líderes têm várias semelhanças políticas, bem como as acusações internacionais contra eles. Aos esquerdistas vale aviso de que Putin tem o mesmo de Biden e outros: a vocação imperial. Sim, a Rússia são os EUA do Leste.
        Bolsonaro já traça conosco uma guerra fria, mas tensa e diuturna, através de suas falas e dos feitos de seus artífices Guedes (economia), Queiroga (saúde) e Victor Godoy (educação). Como Zelensksy e Putin, ele deixa claro que uma guerra é sempre consequente à ganância. E ganância não se ideologiza, se elimina.

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Imagens: Google (fontes diversas)

Notas da autoria
1. Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (o sovietismo, versão local do socialismo).
2. Ideologia populista, contrária ao sistema oficial (instituições sociais, políticas, econômicas e outras). 
3. Sigla de Organização Tratado do Atlântico Norte, surgida por tratado do mesmo nome.

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Putin
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Volodymyr_Zelensky
- https://jornalistaslivres.org/victoria-nuland-ucrania-tem-instalacoes-de-pesquisa-biologica-e-teme-que-sejam-confiscadas-pela-russia/
- https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/putin-laboratorios-armas-biologicas-trump-ucrania/
- https://exame.com/mundo/ucrania-suspende-parte-de-operacoes-de-gasoduto-e-preco-explode/
- https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/16/ciencia/1552710887_506061.html (agente laranja ainda contamina)
- https://www.poder360.com.br/agronegocio/grupo-russo-compra-fabrica-de-fertilizantes-da-petrobras/

        
        
        

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