segunda-feira, 11 de julho de 2022

Análise: no Brasil de Lula, o bolsonarismo

 

        A apenas 3 meses das eleições, cresce a expectativa em torno de todos os presidenciáveis. Mas segue-se a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva, que está líder disparado pela terceira vez, e o atual presidente Jair Bolsonaro, que até prova em contrário tentará a reeleição a todo custo.
        Desde meados de agosto de 2021, quando se iniciaram as pesquisas de opinião e de intenção de votos, a liderança constante de Lula impressiona, até o momento imune aos fatos e várias formas de atingi-la, enquanto os dados de Bolsonaro dançam conforme os fatos que ele cria e agora perdem controle.
        Mesmo com o antidemocrático e tradicional voto de cabresto em igrejas e áreas sob o crime organizado, a vitória do petista é certa. Apenas poderão detê-lo meios como golpe militar ou sujo, atentado ou armação judicial com ajudinha de grandes grupos econômicos muito interessados.

Validade das suposições

        Autogolpe- é a suposição mais abordada entre patuleia e a mídia. Neste ano se aventou uma proposta de lei que promovesse um governo de extrema-direita com Bolsonaro no poder até 2035. Um sonho ilegal e inconstitucional numa tarde de sábado.
        O delírio em si foi para o saco, por inconstitucionalidade e falta de apoio suficiente de altos oficiais das FAs, além de armamentos carentes de manutenção (o fumacê daquele tanque em desfile não deixa mentir) e, donos do nosso pré-sal, os EUA não consideram golpe uma boa ideia mais.
        Em 1964, a agressiva instabilidade política contou com movimentos anticomunistas de elite e da TFP1. O golpe militar eclodiu aos olhos públicos sem aviso prévio, num estalo. Vale a velha e boa dica: "se quiser ser bem-sucedido, não diga a ninguém o que fará", seguida pelos milicos de então.
        Hipóteses de golpes sujos restariam a Bolsonaro: incitar fanáticos a destruir urnas eletrônicas no dia do pleito; uma balbúrdia contra o STF e TSE; continuidade das fake news alarmistas; ou deixar uma terra sem lei e cheia de gente faminta e endividada de presente para o sucessor.
        De golpe sujo os Bolsonaro entendem bem: após o lawfare que tirou Lula do caminho, as fake news invadiram milhares de celulares e currais eleitorais pentecostais e milicianos se formaram para eleger o atual mandatário. E continuariam durante o governo todo como clara campanha antecipada ilegal.
        Atentado- outra hipótese  forte, por não ser estranha à história da República e ser sempre exposta como acidente pela mídia. As campanhas estão abertas nas ruas, por sua vez espaço popular comum, no qual um criminoso "eleito" pode se infiltrar. Sua validade talvez seja tão forte quanto a de golpe. Quiçá, até mais.
        Em 2/7, Salvador recebeu quatro candidatos ao mesmo tempo: Simone Tebet (MDB), Ciro (PDT), Jair Bolsonaro (PL) e Lula. Flagrantes dos públicos dos dois últimos renderam piadas em redes sociais e motivaram mais desespero entre o governo. É admirável que não tenha ocorrido nada nas ruas lotadas onde o petista e Alckmin passaram.
        Simultaneamente, Bolsonaro atentou a público a "necessidade" de "resolver o caso Adélio Bispo". Justamente nesses três meses antes das eleições. Se em 2019 o governo quis encerrar o inquérito contra Adélio, por que teria que querer "resolver" isso justamente agora? Vale conjecturar isso como nova possibilidade. Te cuida, Lula! 
        Armação judicial- embora não tenha dado frutos, devido talvez à atenção de tribunais superiores às más condutas dos Bolsonaro, não se descarta a chance de voltarem com processos já anulados pelo STF ou criarem novo lawfare aparentemente bem fundamentado como o de 2015-18. 
        Na Câmara, Eduardo Bolsonaro mencionou fala de Marcos Valério2 sobre suposto acordo entre PT e PCC3 em São Paulo. Na prática, quis insuflar a mídia e a justiça contra o PT para favorecer seu pai. Valério foi convidado a comparecer em comissão na Câmara, mas recusou, por motivos óbvios. 
        A revista Veja divulgou sobre tal acordo como novidade, na verdade uma velha e comprovada fake news, coroando com outra pérola: a de que a delação foi "homologada" pelo ex-STF Celso de Mello. Não bastando a vergonha política e jornalística, um delegado da PF desmentiu a delação.
        Spoiler: isso foi proveito de um acordo real entre a SSP do governo Serra e a facção criminosa no objetivo de arrefecer o clima ligado ao caso Celso Daniel4, bem como, indiretamente, a outro fato, uma explosão planejada no Fórum da Barra Funda, em Sampa, tudo em 2002 e anterior à eleição de Lula.
        O reaparecimento dessa conversa não serviria para uma nova ação judicial contra Lula, dada a sua obviedade e não "colar" como se esperaria. Na prática foi mais cortina de fumaça para criar alarme na população e mudar o cenário. Mas, nem para isso serviu. Caiu mais como golpe sujo mesmo.

O que esperar do novo governo Lula? Reflexões

        Em meio a gemidos de fome, crescentes sinais de anomia social e ameaças à saúde (C19 e varíola dos macacos), grande parcela da sociedade procura ter esperanças de dias melhores com Lula eleito. Aqueles da era petista, em paralelo à midiática corrupção que virou subsídio para o lawfare posterior.
        Motivo não falta: pelos dados estatísticos mais otimistas, Lula teoricamente tem chance de vencer no 1º turno, e a soma dos inúmeros informes de corrupção da caterva dos Bolsonaro subestima a das eras tucana e petista juntas, e a onda crescente do terror de Estado bolsonarista, fatais ou não, é mais uma boa motivação.
        Com a esperança somam-se expectativas, uma delas traduzida na possível vitória no 1º turno, com redução de chances de golpe no 2º - mas vale ressaltar que Bolsonaro pode golpear até antes, em 7/9. A menos de 80 dias do 1º turno, a animosidade dos fanáticos bolsominions está exaltada, crescendo a chance de mais violência à vista.

        Por outro lado, a esperança não dissolve necessariamente a razão. As militâncias de esquerda em geral concordam que só eleger Lula não será suficiente para a governabilidade efetiva necessária para recuperar em parte o país. Torna-se válida a eleição de um congresso mais progressista para chancelar essa governabilidade. 
        Lula tem astúcia naturalmente pronunciada, mas os congressistas também a têm. Como sabemos, na vida política as benesses convidam para más intenções.  No Congresso houve e há exemplos de mal-intencionados de sobra. Daí o temor de reeleição de muitos. Como Arthur Lira, braço direito e versão quiçá piorada de Eduardo Cunha.
        Se usar bem sua astúcia com boa política e equipe competente, Lula poderá repetir muito de sua experiência governante, com resultados positivos a partir de 2024. Pois, em 2023, a herança de caos socioeconômico, fruto da política deletéria de Paulo Guedes, pedirá prazo para ser resolvida.
        Segundo Lula, o revogaço5 será o marco inicial para reparar danos internos da politica econômica deletéria de Guedes, com política de geração de empregos, concursos públicos em serviços essenciais, valorização salarial, recuperação do Bolsa Família e melhorar a previdência social.
        Pelo tamanho do estrago, o próprio Lula sabe que os resultados demorarão muito a vir, e até lá receberá uma saraivada de críticas, para as quais ele parece já estar preparado. Mas devemos entender que o pouco que ele fará já será muita coisa, pelo tamanho dos danos que encontrará.
        Mas, de todos os difíceis desafios a serem enfrentados, o mais difícil deles nem está citado acima, e não sabemos se Lula está preparado para enfrentar: o bolsonarismo. Sim, este é o legado mais difícil e custoso de se eliminar. 
        Se Hitler e muitos de seus asseclas se foram em 1945, mas o nazismo permanece até hoje entre diferentes grupos mundo afora, Bolsonaro irá também, mas não sem cravar  de vez o bolsonarismo que, afinal, por que não frisar, é a versão brazuca do próprio nazismo.
        Exatamente: Lula poderá fazer uma mágica de governo, mas terá o bolsonarismo como péssima e frequente companhia.
        
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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1.  Sigla de "Trabalho, Família e Propriedade", grupo católico-elitista e anticomunista. Hoje há uma versão moderna, talvez neopentecostal.
2. Ex-empresário condenado como operador do esquema de corrupção Mensalão em 2005.
3. O acordo foi protagonizado pela SSP-SP do governo Serra, em relação à morte de Celso Daniel, bem como de explosão do Fórum da Barra Funda, em Sampa, planejada pela facção.
4. Ex-prefeito de Campinas, assassinado em 2002. A primeira hipótese foi política, mas depois os assassinos confessaram crime comum por assalto ligado ao PCC.
5. Revogação das reformas trabalhista, previdenciária e teto dos gastos.

Para saber mais
https://www.brasildefato.com.br/2021/10/04/bolsonarismo-tem-raizes-em-um-brasil-construido-a-margem-do-estado-afirmam-pesquisadores
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/bolsonarismo-e-vitorioso-mesmo-se-perder-eleicao-diz-autor-de-limites-da-democracia.shtml
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61185034
- https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/dino-bolsonaro-perdera-mas-precisamos-que-o-bolsonarismo-volte-para-sua-casinha/
- https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/07/07/marcos-valerio-nao-ira-a-camara-para-depor-sobre-delacao-que-liga-pt-ao-pcc.htm
        
        

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