Todas as semanas, os institutos de pesquisa retomam suas atividades para levantar nova rodada de dados sobre intenção de votos entre a população. Embora cada instituto tenha método próprio, os dados mostram concordância relativa na situação de cada candidato.
Embora a periodicidade seja tradicional, pesquisar dados de intenção de voto semanalmente ganhou um sentido na sucessão de notícias envolvendo o governo Bolsonaro com interferências em instituições, corrupção, desmonte do Estado, inflação galopante, assassinatos e outros problemas.
Isso nos faz ver como a dança dos números acompanha as notícias e as reações presidenciais seguem. O melhor momento foi entre janeiro e março, mas depois reaparece a distância do constante líder Lula. Os números de Bolsonaro dançam no calor dos fatos, mas não têm mais melhorado nem com o aumento do auxílio a R$ 400 na época.
A aprovação da lei do piso salarial da enfermagem ainda espera sanção de um Bolsonaro em crise. Os escândalos político-pentecostais no MEC e na Saúde, e o eco dos assassinatos de Bruno e de Dom na Amazônia levaram a um aumento da rejeição pública ao presidente, interferindo na intenção de votos.
Mesmo queimado com o escândalo do ex-ministro Milton Ribeiro e em paralelo à reiterada fake sobre urnas eletrônicas que não cola mais e o deixa em crise de nervos, Bolsonaro ainda assim lança mão de sua última cartada: a do moralismo.
A quimérica moral "cheia de Deus"
A chance veio com recentes tendências noticiosas que acenderam a fogueira da opinião pública: a menina estuprada de 11 anos induzida por juíza de SC a manter gravidez; e a atriz Klara Castanho, que doou seu bebê, fruto de um estupro que sofreu.
São notícias envolvendo sexo e reprodução, que atiçam os brios de seus fãs barulhentos e odiosos. O escândalo sexual do presidente da Caixa Pedro Guimarães veio depois, mas não escaparia ao debate.
Os casos da menina e da atriz caem com gosto no bolsonarismo. A escalafobética Damares Alves, se fosse ainda ministra, criaria outro barulho idêntico diante do hospital em SC, como o ocorrido em Recife, onde uma estuprada de 10 anos passou por aborto legal para não morrer.
A catarinense passou por parto induzido1, divulgado na imprensa como aborto legal. Mas seguiu a mesma jurisprudência: salvar a vida da menina. Nesses casos, o tempo da gravidez interrompida não importa. O bebê morreu após nascer, como geralmente acontece a fetos antes de 30 semanas.
Spoiler: a juíza de SC foi ocupar instância superior logo após seu veredicto "pró-vida". Na prática ela já estava promovida, bastando o desfecho moralista para assumir a nova função jurídica.
Já a atriz Klara Castanho foi caso vazado fora de sua vontade. Com isso, ela não teve outra opção senão expor sua experiência traumática e explicar a sua decisão de doar o bebê para adoção. Já estava grávida avançada, mesmo tendo tomado pílula do dia seguinte após o crime.
A exposição não autorizada tem um culpado: Antônia Fontenelle. A influencer bolsominion postou crítica pública à decisão de Castanho de doar seu bebê em vez de criá-lo.
Nota-se que, entre os bolsonaristas, as péssimas implicações do estupro às vítimas não contam, e sim a decisão destas sobre seus corpos e, porventura, os indesejados filhos do crime. Como se vê, vale o pânico moral a julgar e culpar a vítima, e não o criminoso e seu delito.
O escândalo Pedro- amigo pessoal de Bolsonaro, Pedro Guimarães foi nomeado presidente da Caixa, no auge do bolsonarismo. Foi uma gestão polêmica, mas o vazamento dos assédios sexuais veio somente agora, em um ano especialmente crítico para o presidente da República.
Relatos de funcionárias apontam encontros sexuais em praias ou hotel, em viagens de trabalho. O nº 2 da Caixa também foi envolvido. Chorando, uma funcionária relatou na presidência do RH. A par disso, Pedro pediu desculpas e ofereceu promoção, uma visível sessão abafa percebido pela vítima.
Assédios morais pesados vitimaram todos. Homens eram obrigados a fazer flexão. Xingamentos, depreciações e ameaças eram constantes, sobre qualquer hierarquia Os áudios vazados causaram furor entre políticos governistas, que pediram a cabeça de Guimarães para salvar o mandatário.
Bolsonaro não queria demitir o amigo, mas se percebeu apertado pela repercussão do escândalo. Afastou Pedro, que enfim se viu demitido pela campanha presidencial, e não por Jair Bolsonaro.
Abordada pelo UOL News, a conselheira da Caixa Rita Serrano disse ter ouvido rumores sexuais, e confirmou a postura agressiva de Guimarães, como xingamentos de cunho sexual e socos na mesa em reuniões. Ela ainda apontou o estresse atingindo muitos empregados impactados pelos assédios.
O moralismo salva Bolsonaro? Reflexões finais
O pânico moral sempre foi mote central nos movimentos de direita radical que abriram portas para a eleição de cristofascistas (Marco Feliciano, Eduardo Cunha, João Campos), militares (Major Olímpio, Daniel Silveira) e bizarrices como o ruralista Amauri Ribeiro, que tomou posse com a esposa sentada ao seu colo, e o "cloroquina pornográfica"2 Luiz Carlos Heinze. Além da nazifascista família Bolsonaro.
Em essência, o aborto é um tema mais polemizado pelo pânico moral do que pela prática em si. Os moralistas admitem ser difícil encarar a sua realidade, o que torna mais cruel o julgamento moral.
Mesmo na extrema-direita, o Brasil é um dos líderes na prática. A ditadura fez censura, Bolsonaro mente, mas a realidade sempre foi essa. Mulheres de classes mais abastadas eleitoras da direita e cristãs abortam em bons hospitais, enquanto as pobres o fazem em clínicas clandestinas sabe-se lá aonde.
Tais mulheres de classes mais abastadas raramente são punidas por sua prática, sobrando para as populares de quaisquer cores de pele que, tornadas notícias, são julgadas pelo moralismo cristofascista que prega até pena capital às "assassinas de fetos inocentes".
Antônia Fontenelle personifica esse perfil cristofascista que também condena a mãe que doa a sua criança indesejada fruto de um crime hediondo. Mesmo que tenha levado a gravidez adiante para essa missão. Não importa, o alvo do julgamento moralista é a vítima e não o criminoso.
Na mesma linha, o chefe cristofascista é agressivo para os seus subordinados no mundo trabalhista. Com xingamentos, insultos e socos na mesa, ele derrete com puder a dignidade dos empregados, em vez do exemplo supostamente cristão de respeito e urbanidade necessários à boa convivência.
Em nome de Deus, o cristofascista agressivamente atiça a bandeira da intolerância à diversidade religiosa, diz que a fome é válida aos sem trabalho, pratica política antiambiental, encarece o custo de vida e barateia armas abastecendo o crime organizado, odeia índios, negros, mulheres, LGBTQIA+ e muitas outras minorias, e agora cria PEC do Diesel. Uma quimera.
Com slogan "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", é nessa quimera moral que Bolsonaro investe como mote para sua chance de reeleição. Embora não saibamos se isso vai alimentá-la, ele tem nos súditos das carretas e do general cristofascista Silas Malafaia o seu último bastião eleitoral.
Mas, até lá, se for mesmo até lá, o desespero continua.
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. Procedimento de parto prematuro em gravidezes de mais de 3 meses, mas de alto risco comprovado à vida da gestante.
2. Durante a CPI da C19, para desviar o foco, o senador governista Luiz Heinze frequentemente usava a favor da cloroquina alegando estudos à atriz pornô Mia Khalifa.
3. O barateamento de armas e as facilidades impostas pelo governo para a compra delas por cidadãos comuns abastece o crime organizado, tanto o tráfico quanto a milícia tão defendida pelos Bolsonaro.
Para saber mais
- https://www.ofuxico.com.br/polemica/klara-castanho-estupro-gravidez-bebe-adocao/
- https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/06/29/caixa-admite-que-recebeu-relatos-de-assedio-contra-pedro-guimaraes.htm
- https://www.istoedinheiro.com.br/em-audios-pedro-guimaraes-ameaca-e-xinga-funcionarios-da-caixa-mostra-site/
- https://www.youtube.com/watch?v=hhc_PlFHVko (UOL News, entrevista)
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