quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Análise: é outra ameaça?

 

        Muito se fala dos avanços sociais ocorridos como destaque na era petista como um todo. De fato, mesmo relativamente tímida diante da agressividade neoliberal iniciada nos anos 1970, tais avanços foram inéditos, com premiação internacional do programa de combate à fome. E, se eleito, Lula espera muito retomar esse avanço no pós-bolsonarismo. 
        Mas, vale apontar outra seara muito elogiada na era petista: a diplomacia. Além dos avanços sociais baseados na política de combate aos flagelos sociais já conhecidos, a diplomacia rendeu ao Brasil petista grande respeito internacional com a equipe liderada por Celso Amorim que, inclusive, já foi premiado como o melhor diplomata do mundo.
        Mas, será que Amorim será chamado novamente para chefiar o Itamaraty? Afinal, ele está com uma idade decerto avançada e já teve o seu lugar no órgão por anos a fio, sendo o chanceler que mais tempo ocupou o cargo na história da nossa República.
        A busca de nomes para compor equipes de governo indica que as propostas de governo estão definidas. Embora pareça previsível, a busca de Lula pode envolver nomes inéditos, o que é chance alta, devido ao envelhecimento dos conhecidos como Celso Amorim.

Velho Lula, algumas novidades

        As mídias já divulgaram as propostas de governo dos candidatos, mas ainda não os nomes para as equipes de governo. Talvez por estarem em fase de definição, ou por não ser momento oportuno. Mas, todos sabem que a grande mídia tende a focar em nomes da economia, dados os interesses do mercado.
        Mas, mesmo aí será necessário alguém habilidoso e com plano de grande potencial efetivo, para tentar mudar o quadro depredado pela política econômica de Guedes. Alguém que tenha visão ampla e radical para "mudar isso aí"¹.
        Alheio ao apelo midiático, Lula sabe que há muito a ser mexido. O aparelhamento institucional imposto por Bolsonaro foi tamanho que tornou impossível governar efetivamente, isolando o Brasil internacionalmente, com direito a hostilidades diplomáticas.
        Foi por isso que Lula aproveitou o tour pela Europa em 2021, ainda que este fosse tratado com escárnio pelos bolsonaristas por aqui. Mas foi um plano diplomático devidamente estratégico, pois o experiente político já sabia até onde foi a má influência do bolsonarismo nas questões internacionais.
        Nessa luta pela recuperação diplomática e diante da possibilidade de recusa de Amorim de voltar a ser chanceler por questão de idade ou opção, uma novidade aparece na seara: Hussein Kalout. Ele foi chamado a partir da indicação do advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin.

Hussein Kalout
        Filho de libaneses, Hussein Ali Kalout é graduado em Ciência Política e Relações Internacionais pela UnB², mestre em Relações Internacionais na mesma universidade e pós-graduado em Economia Política na Universidade Árabe de Beirute. Foi secretário de Assuntos Estratégicos no governo Temer.
        É professor-pesquisador na área internacional na Universidade de Harvard (Chicago, EUA) e secretário de Relações Internacionais no Supremo Tribunal de Justiça. Fala francês, inglês, espanhol e árabe, entre as línguas estrangeiras. Já escreveu para a Folha de S. Paulo e tem vários livros publicados.
        Como se vê, o currículo do cara impõe respeito, causa inveja em alguns e atrai outros. Nessa reta final de campanha para as eleições, ele se reaproximou do PT, mas algo parece incomodar uma parcela dos integrantes do PT. Os informes se baseiam no The Intercept Brasil, através da Folha de S. Paulo.
        Razões do incômodo- em verdade, não é o moço em si que incomoda algumas lideranças petistas, e sim as relações com terceiros. Um caso é outro especialista em Relações Internacionais, Marcos Degaut, que já participou de dezenas de publicações de Kalout. 
        Degaut foi secretário do bilionário setor Produtos de Defesa, do Ministério da Defesa, que compra bens bélicos para as FAs. Nele, milicos lobistas de multinacionais de armamentos transitam livremente, conforme reportagem da Folha de São Paulo. Degaut nega relação com os lobistas.
        Degaut chegou a ser nomeado embaixador do Brasil nos Emirados Árabes, mas o Senado travou. Através dele, representantes da EDGE, empresa de mísseis e programas espiões daquele país visitaram uma base em São José dos Campos, SP. Fundou com Kalout o Instituto Kalout-Degaut de Política Estratégica em 2015, fechada após Kalout viajar com Lula pela Europa em 2021.
        Outra relação incômoda de Kalout é com o vice-presidente Hamilton Mourão. Segundo outra matéria da Folha, ele teria se aproximado do general e de Guedes, com os quais teria participado de um almoço. Kalout nega tais relações, bem como esse encontro.
        Outro fator de incômodo, segundo tais lideranças petistas, é a visão diplomática de Kalout diferir da de Amorim, graças à sua articulação com o colega de Harvard Oliver Sachs, versado em política de combate à miséria, e com o Grupo de Puebla, que reúne líderes progressistas da América Latina.
        Espera-se que, se Lula for eleito, Celso Amorim nomeará para chanceler um diplomata de carreira, o que não seria o caso Kalout. Nesse aspecto, para os incomodados, a articulação ativa deste último seria uma possível ameaça à bandeira diplomática levantada por Amorim.
        Kalout e Degaut hoje- ambos atualmente se afastaram. Segundo Degaut, a proximidade entrou em desgaste ainda em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro e com o citado Instituto ainda aberto. Abordado pelo The Intercept, disse não ter mais relação nenhuma com Kalout, em especial após a aproximação deste com o PT.

Reflexões finais
        Embora não tenhamos provas de sua veracidade, a resposta faz sentido. Foi após a eleição do pai que Eduardo se aproximou de Degaut para atuar nos postos supramencionados. Afinal, nada de fato mais antagônico do que as perspectivas bolsonarista e lulista em si.
        A julgar pelo que parece indicar a resposta de Degaut, tudo indica que, pelo menos politicamente, os dois moços são manifestamente antagônicos, ainda que possam negar suas respectivas afinidades com o bolsonarismo e com o lulismo. De toda forma, os rumos tornariam inviável a continuidade da parceria.
        Por outro lado, fica inconcluso que Kalout seja de fato um contraponto diplomático de Amorim. Ainda que tenha viajado com Lula pela Europa em missão diplomática, não há indícios, até o momento, de que ele seja um nome possível para o Itamaraty. Nem o próprio Kalout deu sinal disso.
        Portanto, resta ao PT e Lula observar a conduta de Kalout nesse tempo. Se ele é mesmo oposto a Amorim e em que sentido isso representa algum risco diplomático. E observar os movimentos também, se ele rompeu mesmo a parceria com Degaut e se não tem outras relações no governo Bolsonaro.
        Resta à equipe, portanto, estar de olho e torcer para que não seja nada além de um alarme falso.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
¹. Paráfrase a uma fala muito comum no discurso de campanha de Bolsonaro em 2018.
² Universidade de Brasília.

Para saber mais
- https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/08/07/programa-de-governo-presidenciavel-luiz-inacio-lula-da-silva.ghtml
- https://www.seudinheiro.com/2022/politica/lula-lista-candidatos-ministro-da-economia-pt-miql-rsgp/
- https://www.escavador.com/sobre/2170186/hussein-ali-kalout
- https://theintercept.com/2022/09/07/hussein-kalout-na-campanha-de-lula/
- https://www.fundacaoastrojildo.org.br/hussein-kalout-imagem-externa-do-brasil-e-irrecuperavel-com-governo-bolsonaro/

        
        
        

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