segunda-feira, 7 de novembro de 2022

ANÁLISE: ATIPICIDADES DA ELEIÇÃO - 2º turno

         Na apuração do 1º turno eleitoral, os lulistas esperavam pela possibilidade de vitória sem ir a novo turno, como desejado pela maioria da população. E, como vimos no artigo anterior, a vitória era muito possível no 1º turno, não fossem as artimanhas de véspera que induziram pesquisas a erro.
        O fechamento da apuração resultando em 2º turno não chegou a ser encarado como derrota para todos os lulistas, que passaram a lutar por maior margem de votos pela migração de votos dos que escolheram os nanicos, para o dia 30/10.
        Mas vimos nova tensão máxima em apuração voto a voto, em meio a fatos bizarros, que aliviou na eleição de Lula reconhecida pelo TSE. Então, bolsonaristas reagiram mal, enquanto lulistas aliviados se perguntavam por que apenas 1,9 milhão de votos puseram Lula à frente.
        É claro que houve cartadas de última hora, que a exemplo do turno anterior, não foram poucas. Sobre essas atipicidades pré e pós-eleições se debruça este artigo.

Assédio eleitoral
        Nós, trabalhadores em geral, públicos ou privados, somos sujeitos a assédio moral ou sexual, tão comum quanto desagradável. Mas neste ano se tornou notório outra forma de assédio: a eleitoral
        Vertical (dos patrões ou chefes para empregados/subordinados) e prévio, o assédio eleitoral se vale de intimidação e chantagem. Apesar de muito midiático neste ano devido a muitas denúncias ao MPT¹, ele já ocorreu em 2018, ainda que não tivesse sido tratado como deveria na época.
        Em 2018 circularam vídeos de funcionários da franquia de lojas Havan perfilados em uma sala ouvindo ordens das chefias de lojas locais. Eles foram obrigados a usar camisas amarelas com a inscrição verde Meu partido é o Brasil, e a votar em Bolsonaro, sob ameaças de demissão sumária.
        A ameaça deve ter sido efetiva, pois a moda pegou no mundo trabalhista, indo adiante neste ano como visto. Na verdade, o assédio eleitoral corporativo é uma nova forma de curral eleitoral, uma conduta muito empregada em algumas igrejas, periferias dominadas por orcrim’s e no campo.

Curral do Auxílio
        O curral do Auxílio foi uma descoberta recente, graças a uma boa reportagem comandada por Caco Barcellos no programa Profissão Repórter, da TV Globo. Na interessante reportagem, a equipe descobriu um esquema de compras de votos em municípios do interior de três Estados brasileiros.
        Trata-se, na verdade, de mais uma forma de curral eleitoral. A diferença é que os prefeitos e vereadores dos municípios cobertos pela equipe colocaram um sistema de cadastro em que populares pobres deveriam prestar voto em Bolsonaro para poder receber auxílios de R$ 600.
        A equipe se atentou ao silêncio comum aos entrevistados, quando se perguntava se o esquema era a favor de eleger presidenciável específico, no caso Bolsonaro, ou de quem partiu o esquema. Os populares apenas se silenciavam, os políticos locais já hostilizavam - o que por si já corrobora o caráter irregular do esquema.

Curral gospel
        As igrejas pentecostais e neopentecostais foram apontadas no artigo anterior como o principal ambiente de alocação de votos dos que escolheram candidatos nanicos não constados na esquerda, em especial Ciro Gomes e Felipe D’Ávila. No 2º turno não foi diferente.
        Como a quase totalidade dos eleitores da emedebista Simone Tebet migrou para Lula quando ela declarou apoio ao petista, os pastores gospels oportunistas miraram fiéis politicamente indecisos em cultos de última hora, ocorridos na noite da véspera ou de manhã bem cedo antes de votar.
        Para isso foi preciso engrossar mais em fake news contra Lula e o PT, obedecendo à cartilha de ódio pregada pelas denominações mais dogmáticas da Assembleia de Deus. Não sabemos da eficiência do feito no 2º turno, mas a fidelidade de eleitores a Bolsonaro se manteve firme.
        Segundo reportagens da BBC News Brasil e The Intercept Brasil, algumas igrejas da Assembleia de Deus chegaram a pregar louvores a Bolsonaro, em cultos idólatras com telões com a imagem do presidente.
        No âmbito religioso, ataques a ambientes católicos foram abordados em textos menores da série Curtas. O problema assumiu tal gravidade que padres foram atacados ao proferirem contra a miséria, a fome e a violência policial contra pobres nas cidades. Uma série de homilias foi cancelada por isso.
        O assédio eleitoral no ambiente de trabalho e os currais gospel e do auxílio foram atipicidades que determinaram uma adesão extra a Bolsonaro, a pouquíssimo tempo antes do pleito final.

Ações policiais ilegais
        Após as eleições houve mais atipicidades, desta vez caracterizadas por atos policiais irregulares em duas linhas: nas estradas e nas zonas eleitorais.
        Nas estradas- devido à questão de recadastramento (digital) ou por morarem fora da comarca eleitoral, milhares de brasileiros cruzam rodovias urbanas, interurbanas e/ou interestaduais. Nelas está a PRF para verificar possíveis irregularidades. Essa rotina em si não é nada demais no dia da eleição.
        Nesse aparente pretexto, houve blitzes demoradas em rodovias nordestinas com revista de condutores e passageiros de coletivos e contenção a supostas caronas proibidas, impedindo o trânsito por horas ameaçando uma mega abstenção artificial, chamando a atenção da mídia e, claro, do TSE.
        O presidente do TSE Alexandre de Moraes exigiu explicações do diretor-geral da PRF Silvinei Marques sobre as blitzes, e determinou a interrupção delas, ameaçando multar em até R$ 100 mil por hora. Mesmo lentamente, a PRF acabou cedendo.
        Discussões renderam nas redes, viralizando vídeos, alguns deles não ligados ao fato. Pesquisas sobre Marques identificaram-no como nomeado por indicação de Flávio Bolsonaro, e com vários atos desabonadores como servidor de carreira.
        Nas seções eleitorais- apesar da segurança ser comum nas seções eleitorais, desta vez houve denúncias de truculência praticada por PMs contra eleitores, como alguns casos em cidades do interior como a flagrada contra eleitores possivelmente petistas no interior paulista.
        O caso do interior paulista flagrado pela equipe do SBT News pode ser apenas um exemplo da dinâmica da coisa, dada a bolsonarização mais dominante entre militares de patentes inferiores, tanto das polícias estaduais e federais como nas Forças Armadas. Mas, a truculência policial nas zonas eleitorais não foi muito longe na mídia.

Atos golpistas pós-eleição
        Os eleitores bolsonaristas reagiram muito mal à derrota de Bolsonaro. O pesar deu lugar à revolta, desabafada em protestos que interditaram rodovias importantes, ocasionando o cancelamento de viagens de passageiros e cargas em vários lugares.
        Os manifestantes protagonizaram bizarrices, como um grupo entoando Hino Nacional em torno de um pneu em meio à estrada, o cara que se agarrou como aranha ao capô de um caminhão e virou meme, e alguns malucos marchando em frente a quarteis militares.
        Orações indicam a influência e participação de líderes evangélicos nos atos golpistas. A distribuição de fake news como a da suposta prisão de Alexandre de Moraes e Lula doente serviu de compensação psíquica para alimentar a realidade paralela contra as emoções negativas da derrota de Bolsonaro.
        As rodovias foram liberadas graças a torcidas organizadas, que afugentaram fanáticos e geraram alívio a caminhoneiros inocentes e motoristas de coletivos, já que policiais chegaram a apoiar os protestos. Mas protestos continuam nos centros de urbes mais bolsonarizadas.

Reflexões finais

        Como vimos, os currais eleitorais se diversificam, apesar de sua origem inicialmente rural, daí o nome do fenômeno. Por terem caráter antidemocrático, eles atentam contra o Estado Democrático de Direito se aproveitando justamente dele para se anunciar.
        São os currais eleitorais os protagonistas de um fenômeno ainda por ser dissecado em seus segredos antigos. É graças a ele que certas famílias se mantêm no poder por gerações, como os ACMs² da Bahia, os Liras, Calheiros e Collors em Alagoas, os Gomes no Ceará. E os Bolsonaro no Rio.
        Embora não seja ilegal, uma família se perpetuar na política por gerações pode ser confundida com indicações nepotistas ilegais, e inibe a liberdade de escolha da geral para votar devido ao poder adquirido para humilhar adversários políticos. O que indica suspeita de curral eleitoral.
        Se os currais violam a liberdade de escolha do eleitor, as demoradas blitzes da PRF nas estradas podem ter induzido a uma abstenção artificial, maior do que a levantada até agora. De qualquer forma, a soma dos fatores responde pela margem estreita entre Lula e Bolsonaro no resultado final.
        Essas atipicidades que se delongaram nas eleições deste ano devem servir para que instituições se refinem em questão de inteligência (por parte do TSE, PGR, MP e STF) e de educação política. A esta última se relacionam os significados do sequestro mental operado pelo bolsonarismo sobre os seguidores.
        Por enquanto a democracia mostrou que venceu e ainda resiste, mesmo debilitada ultimamente. Sabemos que o bolsonarismo deixa a sua marca, e é válido refletir sobre os seus significados, para que medidas educativas efetivas tenham lugar no futuro. Antes tarde do que nunca.

Notas da autoria:
¹ Ministério Público do Trabalho.
 
Para saber mais:
https://www.youtube.com/watch?v=OyCMdTZsQjE (TuboTV – indício de compra de votos flagrados no Profissão Repórter em reprodução completa).
https://www.youtube.com/watch?v=u4CGhG_Xias (PMs atacam eleitores de camisas vermelhas no interior paulista – SBT News Primeiro Impacto).
- https://theintercept.com/notas/pastores-evangelicos-participaram-atos-golpistas-contra-lula/ 
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