quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Análise: Genocídio indígena, o nazismo na floresta

 

        No meu governo, indígenas não terão nem 1 cm de terra”. "Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema". “Só a terra Yanomami é 2 vezes o tamanho do estado do RJ, para uns 10 mil índios”. Jair Bolsonaro em campanha e no governo.

        Art. 6º. Genocídio. [...] qualquer um dos atos mencionados a seguir, praticados com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal. Matar membros do grupo; Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física, total ou parcial [...]”
        Art 7º Crimes contra a humanidade [...] qualquer um dos seguintes atos praticados como parte de ataque generalizado ou sistemático contra população civil [...]. Homicídio; Extermínio; Escravidão; Deportação ou transferência forçada de populações; [...] Privação grave de liberdade; Tortura; Estupro, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou outros abusos sexuais [...]; apartheid; desaparecimento forçado”. Estatuto de Roma 2012, que cria o TPI (com adaptações).

        As frases propaladas por Jair Bolsonaro revelavam o seu caráter anti-indígena. Já presidente, ele não demarcou nenhuma nova terra indígena, agradando os seus apoiadores mais fanáticos. Em seu governo promoveu encontros festivos com indígenas para encobrir seus crimes e... disseminar o Corona.
        Agora no governo Lula III, entre os sigilos de Bolsonaro paulatinamente revelados, surgem os números de uma nova tragédia: a dos indígenas. Não que ninguém soubesse das investidas de criminosos campais diversos. Mas de fato, ninguém soube ad dimensão do problema. Até o fim da última semana.
        Fotos de esquálidos Yanomamis severamente famintos e acometidos de doenças diversas pioradas pela fome comoveram internautas brasileiros e lá fora. De imediato, o MS de Nísia Trindade reforçou a Força Nacional do SUS para atender a centenas de desnutridos e doentes. Para aumentar a comoção coletiva, o terrível saldo fatal.
        Dados oficiais apontam 570 infantes mortos pela fome e mais de 130 adultos e crianças com complicações da fome e doenças como pneumonia e outras infecções. Acompanhado dos ministros Wellington Dias, Sonia Guajajara e Joênia Wapichana, Lula foi a Roraima visitar os indígenas e as instalações de saúde.
        Na visita, líderes indígenas relataram a Lula que dragas sugaram crianças Yanomamis e depois as cuspiram ao meio do rio, e que mulheres e adolescentes foram sequestradas para fins sexuais. Nos assassinatos relatados, os números não foram definidos.

Flagelo antigo
        O extermínio de indígenas se deu desde a colonização, com justificativas diferentes. Segundo a FUNAI, dos 3,5 milhões estimados em 1500, a população foi reduzida a 75 mil em 1980. Políticas indigenistas só avançaram após a ditadura militar em 1985. Em 2015 a população ultrapassou 900 mil segundo o IBGE 2021.
        Os motivos variam no tempo. Na colonização, bandeirantes mataram índios insubmissos; no Império, a aquisição de terras e fundação de novas cidades; e na República, o “progresso” na mineração e expansão da elite agrícola.
        Estima-se que nos 21 anos da ditadura militar, ações diversas mataram 8350 indígenas. Daí até 2017, a estimativa diminuiu, até Bolsonaro assumir a presidência da República.
        Detalhe em tempo: o extermínio histórico dos indígenas no Brasil não deve ser visto só fisicamente. Ele também se define como o fim das identidades ancestrais, o embranquecimento sociocultural. A conversão religiosa é um exemplo histórico marcante visto tanto agora quanto na ditadura e no passado longínquo.  

Era Bolsonaro
        O triste revival da ditadura produziu uma cifra inacreditável de mortes indígenas: mais de 2625, fora as subnotificações. Do total estimado, mais de 700 são Yanomami, pelas mais diversas causas evitáveis, inclusive intoxicações¹. O total de homicídios ainda é incerto.  Foram 656 mortes anuais, contra 397 anuais pela ditadura.
        Suspeita de sequestro de bebês indígenas, Damares Alves é investigada por impedir ajuda de água, alimentar e médica, e de financiar, com verba da saúde indígena, uma ONG evangélica ofertando aviões e helicópteros para missionários irem cristianizar povos isolados na Amazônia profunda.
        Exonerado em 2019 por denunciar garimpo ilegal em terra Yanomami, Bruno Pereira, da Funai, foi assassinado junto com Dom Philips ao denunciar caça e pesca ilegais no vale do Javari. A repercussão global dos homicídios ainda ressoa e já sepultou, na época, a reputação resquicial de Bolsonaro.
        Notícia mais recente da UOL revela que a crise humanitária pode revelar um número ainda maior de crianças mortas de fome, doenças evitáveis, malária e intoxicações.

        A extensa Terra Indígena Yanomami (TIY) abriga 8 povos indígenas. Os 7 outros são os ye’kwana e os isolados da Serra da Estrutura, do Amajari, do Auaris/Fronteira, do Baixo Rio Cauaburis, os Parawa’u e os Surucucu/Kataroa. É uma área de grande riqueza biológica e mineral, alvo de empresários vorazes que agem ao arrepio da lei.
        Para servidores da saúde indígena na Amazônia, a tragédia Yanomami é a maior crise humana regional já vista, e pode engrossar com novas investigações, incluindo demais povos acessados. Liberta da trava de Bolsonaro, a PF levantará mais dados investigativos da crise em breve.
        As revelações dos sigilos de Bolsonaro chancelam novas investigações sobre o total de fatalidades originárias em 4 anos. A média de 656/ano poderá inchar: segundo dados do MapBiomas, o garimpo ilegal aumentou 3.350% na TIY no período 2016-22, das eras Temer e Bolsonaro.
        A live da UOL com a ministra Sonia Guajajara antes da eleição revelou que a terra indígena Guajajara (TIG) no Maranhão sofreu mais invasões por gente dos fazendeiros e PMs desde a era Temer, com pico em 2019-22. Apontou ainda homicídios de líderes no interior nordestino, cuja autoria inclui com maior frequência os PMs.
        Genocídio- a crise humanitária dos Yanomamis materializa desde 2020 a intenção genocida de Bolsonaro, bem como denúncias do gênero já enviadas ao Tribunal de Haia, criado pelo Estatuto de Roma em 2012. Nova denúncia já foi elaborada por advogado indígena incluindo os registros fotográficos e textuais do recente e comovente fato.
        Outras autorias- Bolsonaro é o pior, mas não o único em crimes contra indígenas. No Centro-Oeste, terra do agro, políticos ruralistas protegem crimes do agro. No MS, os Terena foram forçosamente migrados e fragmentados em pequenos grupos refugiados em terras demarcadas e áreas preservadas. Eis os crimes do Art. 7º do Estatuto de Roma.
        Em MG, a mineração ameaça os povos do Norte e do Leste, mesmo em terras demarcadas, pelos relatos dos Krenak e dos Xacriabás. Ricamente financiado por gigantes mineradores, o governo Zema se cala desprezando a triste história da violência campal largamente avalizada pela ditadura militar.
        Vale citar também que a evangelização forçada de indígenas é um velho problema e virou crime contra a CF/1988 e o estatuto da FUNAI. Já relatados nos anos 1990, suicídios ou drogadição são relatos comuns nas unidades de saúde indígena e decorrem de perda de identidade pela evangelização.
        Parte dos indígenas autoevangelizados foi cooptada pelo bolsonarismo e contribuiu para a piora da destruição ambiental e da violência contra povos que mantêm identidade ancestral. Nesse sentido, se tornam cúmplices de uma política genocida. Em tempo: o objeto da cristianização é a tomada de terras.
        Conforme o exposto, o conjunto causal da mortandade é tão complexo quanto antigo, muito avolumada pela omissão das autoridades. A evangelização é usada para domar indígena. Mas nada disso justifica relativizar a prática de Bolsonaro no que chamam de holocausto Yanomami.
        Considerando-se que genocídio é o grande volume fatal implicado sobre grupos populacionais específicos, não há como relativizar um governo que matou mais de 700 mil pela C19 e avalizou chacinas policiais contra pobres periféricos e ceifou mais de 2625 indígenas em apenas 4 anos. É genocídio. Mais claro do que isso não há.

Para saber mais
- http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm (íntegra do Estatuto de Roma, 2012)
- https://www.youtube.com/watch?v=nK2TI28wHmk (UOL, número de crianças Yanomami mortas pode ser pior)
----

        

Um comentário:

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...