“No meu governo,
indígenas não terão nem 1 cm de terra”. "Competente, sim, foi a
cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não
tem esse problema". “Só a terra Yanomami é 2 vezes o tamanho do
estado do RJ, para uns 10 mil índios”. Jair Bolsonaro em campanha e no
governo.
“Art. 6º.
Genocídio.
[...] qualquer um dos atos mencionados a seguir, praticados com a intenção de
destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso como tal. Matar membros do grupo; Causar lesão
grave à
integridade física ou mental de membros do grupo; Submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a
destruição física, total ou parcial [...]”
“Art 7º
Crimes contra a humanidade [...] qualquer um dos seguintes atos praticados como
parte de ataque generalizado ou sistemático contra população civil [...]. Homicídio; Extermínio; Escravidão; Deportação ou transferência forçada de populações; [...] Privação grave de liberdade; Tortura; Estupro, escravidão
sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou outros
abusos sexuais [...]; apartheid; desaparecimento forçado”. Estatuto de Roma 2012, que cria o TPI (com
adaptações).
As frases propaladas por
Jair Bolsonaro revelavam o seu caráter anti-indígena. Já presidente, ele não demarcou
nenhuma nova terra indígena, agradando os seus apoiadores mais fanáticos. Em seu
governo promoveu encontros festivos com indígenas para encobrir seus crimes e... disseminar o Corona.
Agora no governo Lula
III, entre os sigilos de Bolsonaro paulatinamente revelados, surgem os números
de uma nova tragédia: a dos indígenas. Não que ninguém soubesse das investidas
de criminosos campais diversos. Mas de fato, ninguém soube ad dimensão do
problema. Até o fim da última semana.
Fotos de esquálidos
Yanomamis severamente famintos e acometidos de doenças diversas pioradas pela
fome comoveram internautas brasileiros e lá fora. De imediato, o MS de Nísia
Trindade reforçou a Força Nacional do SUS para atender a centenas de
desnutridos e doentes. Para aumentar a comoção coletiva, o terrível saldo
fatal.
Dados oficiais
apontam 570 infantes mortos pela fome e mais de 130 adultos e crianças com
complicações da fome e doenças como pneumonia e outras infecções. Acompanhado
dos ministros Wellington Dias, Sonia Guajajara e Joênia Wapichana, Lula foi a
Roraima visitar os indígenas e as instalações de saúde.
Na visita, líderes
indígenas relataram a Lula que dragas sugaram crianças Yanomamis e depois as
cuspiram ao meio do rio, e que mulheres e adolescentes foram sequestradas para
fins sexuais. Nos assassinatos relatados, os números não foram definidos.
Flagelo antigo
O extermínio de indígenas se deu desde a
colonização, com justificativas diferentes. Segundo a FUNAI, dos 3,5 milhões
estimados em 1500, a população foi reduzida a 75 mil em 1980. Políticas
indigenistas só avançaram após a ditadura militar em 1985. Em 2015 a população
ultrapassou 900 mil segundo o IBGE 2021.
Os motivos variam no
tempo. Na colonização, bandeirantes mataram índios insubmissos; no Império, a
aquisição de terras e fundação de novas cidades; e na República, o “progresso”
na mineração e expansão da elite agrícola.
Estima-se que nos 21
anos da ditadura militar, ações diversas mataram 8350 indígenas. Daí até 2017, a
estimativa diminuiu, até Bolsonaro assumir a presidência da República.
Detalhe em tempo: o extermínio histórico dos indígenas no Brasil não deve ser visto só fisicamente. Ele também se define como o fim das identidades ancestrais, o embranquecimento sociocultural. A conversão religiosa é um exemplo histórico marcante visto tanto agora quanto na ditadura e no passado longínquo.
Era Bolsonaro
O triste revival
da ditadura produziu uma cifra inacreditável de mortes indígenas: mais de 2625,
fora as subnotificações. Do total estimado, mais de 700 são Yanomami, pelas
mais diversas causas evitáveis, inclusive intoxicações¹. O total de homicídios
ainda é incerto. Foram 656 mortes
anuais, contra 397 anuais pela ditadura.
Suspeita de sequestro
de bebês indígenas, Damares Alves é investigada por impedir ajuda de água, alimentar
e médica, e de financiar, com verba da saúde indígena, uma ONG evangélica ofertando
aviões e helicópteros para missionários irem cristianizar povos isolados na
Amazônia profunda.
Exonerado em 2019 por
denunciar garimpo ilegal em terra Yanomami, Bruno Pereira, da Funai, foi
assassinado junto com Dom Philips ao denunciar caça e pesca ilegais no vale do
Javari. A repercussão global dos homicídios ainda ressoa e já sepultou, na
época, a reputação resquicial de Bolsonaro.
Notícia mais recente
da UOL revela que a crise humanitária pode revelar um número ainda maior de
crianças mortas de fome, doenças evitáveis, malária e intoxicações.
A extensa Terra
Indígena Yanomami (TIY) abriga 8 povos indígenas. Os 7 outros são os ye’kwana
e os isolados da Serra da Estrutura, do Amajari, do Auaris/Fronteira, do Baixo
Rio Cauaburis, os Parawa’u e os Surucucu/Kataroa. É uma área de
grande riqueza biológica e mineral, alvo de empresários vorazes que agem ao
arrepio da lei.
Para servidores da
saúde indígena na Amazônia, a tragédia Yanomami é a maior crise humana regional
já vista, e pode engrossar com novas investigações, incluindo demais povos acessados.
Liberta da trava de Bolsonaro, a PF levantará mais dados investigativos da
crise em breve.
As revelações dos
sigilos de Bolsonaro chancelam novas investigações sobre o total de fatalidades
originárias em 4 anos. A média de 656/ano poderá inchar: segundo dados do MapBiomas,
o garimpo ilegal aumentou 3.350% na TIY no período 2016-22, das eras Temer e
Bolsonaro.
A live da UOL com
a ministra Sonia Guajajara antes da eleição revelou que a terra indígena
Guajajara (TIG) no Maranhão sofreu mais invasões por gente dos fazendeiros e
PMs desde a era Temer, com pico em 2019-22. Apontou ainda homicídios de líderes
no interior nordestino, cuja autoria inclui com maior frequência os PMs.
Genocídio- a crise humanitária dos Yanomamis materializa desde
2020 a intenção genocida de Bolsonaro, bem como denúncias do gênero já enviadas
ao Tribunal de Haia, criado pelo Estatuto de Roma em 2012. Nova denúncia já foi
elaborada por advogado indígena incluindo os registros fotográficos e textuais
do recente e comovente fato.
Outras autorias- Bolsonaro é o pior, mas não o único em crimes contra
indígenas. No Centro-Oeste, terra do agro, políticos ruralistas protegem crimes
do agro. No MS, os Terena foram forçosamente migrados e fragmentados em
pequenos grupos refugiados em terras demarcadas e áreas preservadas. Eis os
crimes do Art. 7º do Estatuto de Roma.
Em MG, a mineração
ameaça os povos do Norte e do Leste, mesmo em terras demarcadas, pelos relatos
dos Krenak e dos Xacriabás. Ricamente financiado por gigantes mineradores, o
governo Zema se cala desprezando a triste história da violência campal
largamente avalizada pela ditadura militar.
Vale citar também que
a evangelização forçada de indígenas é um velho problema e virou crime contra a
CF/1988 e o estatuto da FUNAI. Já relatados nos anos 1990, suicídios ou
drogadição são relatos comuns nas unidades de saúde indígena e decorrem de
perda de identidade pela evangelização.
Parte dos indígenas autoevangelizados
foi cooptada pelo bolsonarismo e contribuiu para a piora da destruição
ambiental e da violência contra povos que mantêm identidade ancestral. Nesse
sentido, se tornam cúmplices de uma política genocida. Em tempo: o objeto da
cristianização é a tomada de terras.
Conforme o exposto, o
conjunto causal da mortandade é tão complexo quanto antigo, muito avolumada
pela omissão das autoridades. A evangelização é usada para domar indígena. Mas
nada disso justifica relativizar a prática de Bolsonaro no que chamam de holocausto
Yanomami.
Considerando-se que
genocídio é o grande volume fatal implicado sobre grupos populacionais
específicos, não há como relativizar um governo que matou mais de 700 mil pela
C19 e avalizou chacinas policiais contra pobres periféricos e ceifou mais de 2625
indígenas em apenas 4 anos. É genocídio. Mais claro do que isso não há.
Para saber mais
- https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/estatuto_roma_tpi.pdf (texto do estatuto de Roma)
- https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/acoes-e-omissoes-de-bolsonaro-levam-a-violencia-e-morte-entre-indigenas/
(17/8/2022- 1915 mortes em 2021 + ~700 em 2022 = ~2615)
- http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/esttpi.htm
(íntegra do Estatuto de Roma, 2012)
- https://www.youtube.com/watch?v=nK2TI28wHmk (UOL, número de crianças Yanomami mortas pode ser pior)
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Tudo escandalosamente triste!
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