Alexandre de Moraes e o ativismo judicial
A
partir dos anos 2000, em especial no começo da era petista, o grande público
passou a prestar mais atenção no STF, em parte tendo simpatia com a atuação do
ex-ministro Joaquim Barbosa, uma indicação de Lula que virou nome central no
processo do Mensalão... petista.
Na
era Dilma, outra indicação petista fez história: o ministro Edson Fachin, que
contribuiu para depor a presidenta e, lavajatista, ser favorável à prisão de
Lula. Em sua curta passagem, Temer lançou para o STF o seu ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, hoje o famoso Xandão.
Malvisto
entre os petistas no seguimento lavajatista, Xandão fica benquisto pelos mesmos
ao votar pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e a liberação total de Lula, ao
conter os rompantes de Bolsonaro, e prender e desmonetizar dezenas de
golpistas. Mas no debate público se percebe uma expressão: ativismo judicial.
Ativismo
judicial-
substitui a antiga expressão “politização do judiciário” da era Dilma
para definir a interferência supostamente mais incisiva sobre as
irregularidades observadas no executivo e no legislativo, o que, para o jurista
aposentado Wladimir Freitas, tem gerado confusão dentro do debate público.
Uma
vez observada a confusão, vale esclarecer: os três poderes são independentes
entre si, mas há entre os mesmos uma inter-relação necessária a trâmites de
processos políticos, como CPIs e denúncias de crimes de responsabilidade e
outras irregularidades, por exemplo.
Freitas
ensina que, no direito constitucional essa inter-relação dá equivalência de
patamar entre os três poderes e relativiza a liberdade expressiva consolidando
e fortalecendo a democracia. Por outro lado, aduz que a nossa Constituição se
construiu por influência do Direito Internacional, nos direitos fundamentais e
pétreos.
Vale
frisar, também, haver juristas eivados de ética legalista, assertivos, que
impõem ações incisivas que despertam diferentes reações no grande mosaico
sociopolítico. Eles podem agir por convicções próprias ligadas à interpretação
jurídica dos fatos, ou por influência exterior.
Xandão
pode até ser um desses, só que não temos ideia se é externamente influenciado
ou segue a sua convicção ética.
Influências
de fora-
além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), a CF de 1988 se
construiu após interferências dos EUA, em especial pela influência da Suprema
Corte, nos caminhos políticos daquele país – e do nosso.
Isso
revela o conservadorismo político da Suprema Corte: a maioria dos magistrados é
republicana. O mercado os controla mantendo forte a ala republicana mesmo com derrotas
eleitorais. Por isso que as alas mais progressistas não têm a mesma voz que o
viés nazista de alas supremacistas ligadas, de alguma forma, ao Partido Republicano.
Mas
também há certa influência europeia, que responde pelas diretrizes de viés
social-progressistas que personificam a Constituição Cidadã, em especial antes
das profundas alterações da era Bolsonaro, que por seu turno deu uma guinada
mais neoliberal na nossa Carta.
Isso
tudo respinga na nossa Justiça. Mesmo permitindo o progressismo petista, algo
parece impedir o avanço da esquerda mais ostensiva (e, quiçá, capaz de resolver
o grosso dos flagelos sociais) para alçar o ápice do Executivo, se reduzindo
historicamente a ações políticas pouco expressivas no Congresso.
É
esse impedimento que tende a indicar algum ativismo judicial, cuja fonte real,
implícita, pode não vir obrigatoriamente do ímpeto do magistrado em ação. E aí
faz a diferença.
STF- nessa confusão conceitual se destacam os
personagens do STF. Seus jeitos de julgar as condutas dos políticos são distintos.
Alguns podem ser mais punitivistas ou garantistas do que outros. E até há
seletivos.
Nos
últimos 6 anos, o Xandão é o maior pulso firme. Nesses 4 anos fez políticos,
apoiadores e mídias gemer. Nas eleições puniu agentes da PRF e da PF por imporem uma
abstenção forçada no Nordeste para derrotar Lula, obstruindo estradas no pretexto de fiscalizar o estado dos pneus dos veículos de passageiros.
Entre
os garantistas está Gilmar Mendes, que teve forte antipatia popular após soltar
alguns políticos em contextos polêmicos. E entre os seletivos estão os
bolsonaristas André Mendonça e Kássio Nunes. O nome mais controverso é Dias
Toffoli: ele teria sugerido a Bolsonaro fugir ao exterior para escapar da
prisão.
Mercado- como já mencionado, a Suprema Corte
estadunidense é majoritariamente republicana na política. E muitos políticos
republicanos, se não a maioria, são antes empresários milionários ou
bilionários, que controlam os caminhos marcadamente capitalistas da política
e... da justiça.
Considerando
que nosso judiciário é respingado pela Corte de lá, podemos compreender, em
parte, por que a cisão na esquerda é profunda e o viés “radical” nunca alçou o
poder. Mesmo minado no resto do Ocidente, o neoliberalismo aqui resiste às
investidas transformadoras, ainda que se veja desafiado pelo Lula III, mais "guinado à esquerda".
O
STF tem ministros capitalistas, mas também reiterados constitucionalistas, como
Gilmar Mendes, Lewandowsky, Rosa Weber e o assertivo Xandão. E vale frisar que
os três poderes são equivalentes em poder de polícia um sobre o outro.
Xandão: reflexões- até que ponto o Xandão é um ativista judicial ou age como tal, ainda é muito precipitado julgar. Afinal, nem tudo na justiça é agradável: muitas decisões definidas aparentam para nós como injustas ou imorais, mas elas são tomadas por dispositivos legais previstas na própria Carta Magna.
O fato de ele ter sido lavajatista em 2017 não significa que tenha sido favorável à prisão de Lula. Ativistas podem ter sido os colegas então favoráveis à cadeia que decidiram, em 2019 e 2020, anular as condenações como sabemos, e nos permitir ouvir de William Bonner, no JN, em 2022: "o senhor não deve mais nada à Justiça".
Ele foi, essencialmente, um constitucionalista. E como tal, quer agora a cabeça de Bolsonaro. De resto, só o futuro nos revelará.
Para saber mais
----
Lula
e a herança terrível de Bolsonaro
O
trigésimo dia da terceira era Lula marca um governo bastante ativo, com efeitos
positivos sobre a sua popularidade, em torno dos 60%. Destacou-se na revogação
de vários decretos do governo anterior, contenção do terror bolsonarista e a primeira
etapa internacional para restaurar acordos.
Nos
diálogos iniciais com a América do Sul, Lula conversou com os presidentes La
Calle Paul (Uruguai) e Fernández (Argentina). Com este último também tratou
sobre o financiamento do BNDES na construção de um gasoduto na bacia sedimentar
de Vaca Muerta, ao norte da Patagônia argentina.
Enquanto
redes bolsonaristas ressuscitavam fake News sobre a “ajuda do BNDES no
exterior”, Lula e Fernandez discutiam sobre xisto e produção de gás. Vale
mencionar sobre a bacia e tecnologias de extração.
Vaca Muerta- abaixo
das rochas sedimentares cretáceas (125-66 m.a¹ atrás) e terciárias, a bacia de
Vaca Muerta tem uma camada extensa de xisto, uma rocha metamórfica² e daí mais
antiga, sobre a qual estudos comprovaram ser um bom produtor de gás e óleo.
Estende-se em boa parte da grande planície a leste dos Andes.
Parte
dessa bacia já é explorada pela estatal argentina YPF. Noticiosos sugerem que,
no diálogo entre os dois presidentes se propõe investir no fraturamento hidráulico
ou fracking.
O fracking
consiste em perfuração vertical até a rocha produtora, pela qual se
horizontaliza em toda a extensão ou em parte por intensa pressão hidráulica no
ducto visando gerar falhas (fraturas) artificiais na rocha para facilitar a
extração do hidrocarboneto. São usadas várias substâncias químicas no processo.
EUA,
Polônia, Ucrânia e Rússia o usam normalmente. Em menor escala, Argentina e
México. Já o Brasil, a Colômbia, o Chile e o Uruguai têm projetos próprios. Mas nestes
todos há forte pressão contrária de movimentos organizados e científicos devido
ao risco de impactos socioambientais de grande magnitude.
Impactos- os impactos
são físicos (sismos por instabilidade subsuperficial), químicos (contaminação
do solo, água e ar), e tóxicos à saúde da fauna, flora e humana, fundamentando
as pressões contrárias. Além disso, o gás de xisto é mais poluente do que o de
rochas sedimentares encontradas nas bacias produtoras brasileiras.
Desde
junho de 2022, a licença Poço Transparente de Bolsonaro sobre fracking
é alvo da pressão dos ambientalistas e cientistas pela sua revogação. Na
Argentina, os originários Mapuche, que habitam a região de Neuquén, em cujo
subsolo está a ambicionada Vaca Muerta, protestam sobre a proposta
Brasil-Argentina.
A
crise brazuca dos Yanomami nos leva a lançar outro olhar sobre a Amazônia. Logo
entendemos que em Neuquén devemos considerar inviável tal exploração econômica
por ser terra originária. A concretização do fracking, se sair, soará
como transferência de uma proposta terrível de Bolsonaro para lá. Os hermanos
Mapuche não merecem isso.
Notas da autoria
¹
m.a = milhões de anos, abreviatura muito usada na geologia.
²
rocha derivada de reorientação estrutural mineral em uma ou mais etapas. O xisto
resulta da etapa avançada do folhelho, rocha sedimentar de argila e matéria
orgânica.
Para saber mais
-
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vaca_Muerta
-
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/09/27/com-vaca-muerta-argentina-pode-chegar-a-autossuficiencia-energetica-em-2024-diz-governador.ghtml
-
https://www.canalrural.com.br/noticias/internacional/vaca-muerta-gasoduto-e-alvo-de-questionamentos-ambientais/
-
https://www.naofrackingbrasil.com.br/o-que-e-fracking/
-
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fraturamento_hidr%C3%A1ulico
-
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2022/12/curtas-13-analises-rapidas.html
(O fracking de Bolsonaro)
-
https://ibase.br/2015/09/22/mapa-do-fracking-na-america-latina/noticias/
-
https://oeco.org.br/salada-verde/ambientalistas-se-posicionam-contra-o-brasil-financiar-gasoduto-argentino/
-
https://www.poder360.com.br/energia/gas-natural-da-argentina-polui-mais-que-o-do-brasil/
----
Esquerdex e o lulismo
A
extrema-direita de Jair Bolsonaro nos fez conhecer os bolsominions e a sua
conduta em todos esses anos. Percebemos neles uma marca registrada em comum: a
ausência de senso crítico, seja por obliteração mental ou desconhecimento
prévio, que contribui para resultar em fanatismo.
Mas
essa acriticidade vai além dos bolsominions. Pode parecer estranho, mas
o fenômeno também se observa em grupos específicos de esquerda. Pois entre
estes também há os que, pela mesma força convicta daqueles, se recusam a ver
fatos passíveis de crítica em governos progressistas. São os esquerdex.
Esquerdex- esse
termo é calcado por Anderson Pires, formado em Jornalismo pela UFPB e responsável
pelo blog Termômetro da Política. Pires explica mais sobre o fenômeno:
“Assim
como os bolsonaristas, que chamavam seu líder político de mito verificamos,
também, entre os eleitores do Lula aqueles que o idolatram, ao ponto de
perderem a criticidade sobre temas que, de alguma maneira, merecem críticas. As
defesas são sempre pautadas pela lógica das boas intenções, como se tudo que
viesse do ídolo não fosse passível de análise”.
Nesse
grosso modo, mesmo não chamando Lula de mito, os esquerdex lulistas
atuam como espelhos dos bolsominions, pois concordam em tudo que Lula diz e/ou
faz. Numa metáfora melhor, os dois grupos opostos são como os polos positivo e negativo de
uma bateria de pilha.
Mesmo
diametralmente opostos e mutuamente repelindo um ao outro, entre eles “a
escassez de conceitos é absurda em quem adota essa postura de rebanho, porque
não contribui para o debate sobre o modelo de Estado que podemos ter no Brasil”,
explica Pires.
Para
Pires, eles “parecem de esquerda, pensam que são de esquerda, mas não são”.
Pois para ser de esquerda não basta defender os ideais e princípios que a
caracterizam. É apontar pontos críticos, pois se trata de um ideal político,
portanto, humano, e daí, com seus defeitos também.
Afinal, se posicionar como esquerda é, antes de tudo, exercer um olhar atento às entrelinhas dos fatos e ser, portanto, analítico dos mesmos, ainda que sejam inerentes à própria esquerda. Ninguém é imune a incoerências.
A
boa notícia é que, mesmo difícil, a condição esquerdex pode ser reversível,
dada a diferença fundamental de não haver a ideologização religiosa do
bolsonarismo. É possível convencê-lo de que Lula é humano e, portanto, falível,
e não pode impor um governo socialista devido, principalmente, a forças maiores
do sistema.
Para saber mais
----
Nenhum comentário:
Postar um comentário