quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

ANÁLISES 18 - CURTAS

 

Alexandre de Moraes e o ativismo judicial

            A partir dos anos 2000, em especial no começo da era petista, o grande público passou a prestar mais atenção no STF, em parte tendo simpatia com a atuação do ex-ministro Joaquim Barbosa, uma indicação de Lula que virou nome central no processo do Mensalão... petista.
            Na era Dilma, outra indicação petista fez história: o ministro Edson Fachin, que contribuiu para depor a presidenta e, lavajatista, ser favorável à prisão de Lula. Em sua curta passagem, Temer lançou para o STF o seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, hoje o famoso Xandão.
            Malvisto entre os petistas no seguimento lavajatista, Xandão fica benquisto pelos mesmos ao votar pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e a liberação total de Lula, ao conter os rompantes de Bolsonaro, e prender e desmonetizar dezenas de golpistas. Mas no debate público se percebe uma expressão: ativismo judicial.
            Ativismo judicial- substitui a antiga expressão “politização do judiciário” da era Dilma para definir a interferência supostamente mais incisiva sobre as irregularidades observadas no executivo e no legislativo, o que, para o jurista aposentado Wladimir Freitas, tem gerado confusão dentro do debate público.
            Uma vez observada a confusão, vale esclarecer: os três poderes são independentes entre si, mas há entre os mesmos uma inter-relação necessária a trâmites de processos políticos, como CPIs e denúncias de crimes de responsabilidade e outras irregularidades, por exemplo.
            Freitas ensina que, no direito constitucional essa inter-relação dá equivalência de patamar entre os três poderes e relativiza a liberdade expressiva consolidando e fortalecendo a democracia. Por outro lado, aduz que a nossa Constituição se construiu por influência do Direito Internacional, nos direitos fundamentais e pétreos.
            Vale frisar, também, haver juristas eivados de ética legalista, assertivos, que impõem ações incisivas que despertam diferentes reações no grande mosaico sociopolítico. Eles podem agir por convicções próprias ligadas à interpretação jurídica dos fatos, ou por influência exterior.
            Xandão pode até ser um desses, só que não temos ideia se é externamente influenciado ou segue a sua convicção ética.
            Influências de fora- além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), a CF de 1988 se construiu após interferências dos EUA, em especial pela influência da Suprema Corte, nos caminhos políticos daquele país – e do nosso.
            Isso revela o conservadorismo político da Suprema Corte: a maioria dos magistrados é republicana. O mercado os controla mantendo forte a ala republicana mesmo com derrotas eleitorais. Por isso que as alas mais progressistas não têm a mesma voz que o viés nazista de alas supremacistas ligadas, de alguma forma, ao Partido Republicano.
            Mas também há certa influência europeia, que responde pelas diretrizes de viés social-progressistas que personificam a Constituição Cidadã, em especial antes das profundas alterações da era Bolsonaro, que por seu turno deu uma guinada mais neoliberal na nossa Carta.
            Isso tudo respinga na nossa Justiça. Mesmo permitindo o progressismo petista, algo parece impedir o avanço da esquerda mais ostensiva (e, quiçá, capaz de resolver o grosso dos flagelos sociais) para alçar o ápice do Executivo, se reduzindo historicamente a ações políticas pouco expressivas no Congresso.
            É esse impedimento que tende a indicar algum ativismo judicial, cuja fonte real, implícita, pode não vir obrigatoriamente do ímpeto do magistrado em ação. E aí faz a diferença.
            STF- nessa confusão conceitual se destacam os personagens do STF. Seus jeitos de julgar as condutas dos políticos são distintos. Alguns podem ser mais punitivistas ou garantistas do que outros. E até há seletivos.
            Nos últimos 6 anos, o Xandão é o maior pulso firme. Nesses 4 anos fez políticos, apoiadores e mídias gemer. Nas eleições puniu agentes da PRF e da PF por imporem uma abstenção forçada no Nordeste para derrotar Lula, obstruindo estradas no pretexto de fiscalizar o estado dos pneus dos veículos de passageiros.
            Entre os garantistas está Gilmar Mendes, que teve forte antipatia popular após soltar alguns políticos em contextos polêmicos. E entre os seletivos estão os bolsonaristas André Mendonça e Kássio Nunes. O nome mais controverso é Dias Toffoli: ele teria sugerido a Bolsonaro fugir ao exterior para escapar da prisão.
            Mercado- como já mencionado, a Suprema Corte estadunidense é majoritariamente republicana na política. E muitos políticos republicanos, se não a maioria, são antes empresários milionários ou bilionários, que controlam os caminhos marcadamente capitalistas da política e... da justiça.
            Considerando que nosso judiciário é respingado pela Corte de lá, podemos compreender, em parte, por que a cisão na esquerda é profunda e o viés “radical” nunca alçou o poder. Mesmo minado no resto do Ocidente, o neoliberalismo aqui resiste às investidas transformadoras, ainda que se veja desafiado pelo Lula III, mais "guinado à esquerda".
            O STF tem ministros capitalistas, mas também reiterados constitucionalistas, como Gilmar Mendes, Lewandowsky, Rosa Weber e o assertivo Xandão. E vale frisar que os três poderes são equivalentes em poder de polícia um sobre o outro.
            Xandão: reflexões- até que ponto o Xandão é um ativista judicial ou age como tal, ainda é muito precipitado julgar. Afinal, nem tudo na justiça é agradável: muitas decisões definidas aparentam para nós como injustas ou imorais, mas elas são tomadas por dispositivos legais previstas na própria Carta Magna.
            O fato de ele ter sido lavajatista em 2017 não significa que tenha sido favorável à prisão de Lula. Ativistas podem ter sido os colegas então favoráveis à cadeia que decidiram, em 2019 e 2020, anular as condenações como sabemos, e nos permitir ouvir de William Bonner, no JN, em 2022: "o senhor não deve mais nada à Justiça". 
            Ele foi, essencialmente, um constitucionalista. E como tal, quer agora a cabeça de Bolsonaro. De resto, só o futuro nos revelará.
            
Para saber mais
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Lula e a herança terrível de Bolsonaro

            O trigésimo dia da terceira era Lula marca um governo bastante ativo, com efeitos positivos sobre a sua popularidade, em torno dos 60%. Destacou-se na revogação de vários decretos do governo anterior, contenção do terror bolsonarista e a primeira etapa internacional para restaurar acordos.
            Nos diálogos iniciais com a América do Sul, Lula conversou com os presidentes La Calle Paul (Uruguai) e Fernández (Argentina). Com este último também tratou sobre o financiamento do BNDES na construção de um gasoduto na bacia sedimentar de Vaca Muerta, ao norte da Patagônia argentina.
            Enquanto redes bolsonaristas ressuscitavam fake News sobre a “ajuda do BNDES no exterior”, Lula e Fernandez discutiam sobre xisto e produção de gás. Vale mencionar sobre a bacia e tecnologias de extração.
            Vaca Muerta- abaixo das rochas sedimentares cretáceas (125-66 m.a¹ atrás) e terciárias, a bacia de Vaca Muerta tem uma camada extensa de xisto, uma rocha metamórfica² e daí mais antiga, sobre a qual estudos comprovaram ser um bom produtor de gás e óleo. Estende-se em boa parte da grande planície a leste dos Andes.
            Parte dessa bacia já é explorada pela estatal argentina YPF. Noticiosos sugerem que, no diálogo entre os dois presidentes se propõe investir no fraturamento hidráulico ou fracking.
            O fracking consiste em perfuração vertical até a rocha produtora, pela qual se horizontaliza em toda a extensão ou em parte por intensa pressão hidráulica no ducto visando gerar falhas (fraturas) artificiais na rocha para facilitar a extração do hidrocarboneto. São usadas várias substâncias químicas no processo.
            EUA, Polônia, Ucrânia e Rússia o usam normalmente. Em menor escala, Argentina e México. Já o Brasil, a Colômbia, o Chile e o Uruguai têm projetos próprios. Mas nestes todos há forte pressão contrária de movimentos organizados e científicos devido ao risco de impactos socioambientais de grande magnitude.
            Impactos- os impactos são físicos (sismos por instabilidade subsuperficial), químicos (contaminação do solo, água e ar), e tóxicos à saúde da fauna, flora e humana, fundamentando as pressões contrárias. Além disso, o gás de xisto é mais poluente do que o de rochas sedimentares encontradas nas bacias produtoras brasileiras.
            Desde junho de 2022, a licença Poço Transparente de Bolsonaro sobre fracking é alvo da pressão dos ambientalistas e cientistas pela sua revogação. Na Argentina, os originários Mapuche, que habitam a região de Neuquén, em cujo subsolo está a ambicionada Vaca Muerta, protestam sobre a proposta Brasil-Argentina.
            A crise brazuca dos Yanomami nos leva a lançar outro olhar sobre a Amazônia. Logo entendemos que em Neuquén devemos considerar inviável tal exploração econômica por ser terra originária. A concretização do fracking, se sair, soará como transferência de uma proposta terrível de Bolsonaro para lá. Os hermanos Mapuche não merecem isso.

Notas da autoria
¹ m.a = milhões de anos, abreviatura muito usada na geologia.
² rocha derivada de reorientação estrutural mineral em uma ou mais etapas. O xisto resulta da etapa avançada do folhelho, rocha sedimentar de argila e matéria orgânica.

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Vaca_Muerta
- https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/09/27/com-vaca-muerta-argentina-pode-chegar-a-autossuficiencia-energetica-em-2024-diz-governador.ghtml
- https://www.canalrural.com.br/noticias/internacional/vaca-muerta-gasoduto-e-alvo-de-questionamentos-ambientais/
- https://www.naofrackingbrasil.com.br/o-que-e-fracking/
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Fraturamento_hidr%C3%A1ulico
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2022/12/curtas-13-analises-rapidas.html (O fracking de Bolsonaro)
- https://ibase.br/2015/09/22/mapa-do-fracking-na-america-latina/noticias/
- https://oeco.org.br/salada-verde/ambientalistas-se-posicionam-contra-o-brasil-financiar-gasoduto-argentino/
- https://www.poder360.com.br/energia/gas-natural-da-argentina-polui-mais-que-o-do-brasil/
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Esquerdex e o lulismo

            A extrema-direita de Jair Bolsonaro nos fez conhecer os bolsominions e a sua conduta em todos esses anos. Percebemos neles uma marca registrada em comum: a ausência de senso crítico, seja por obliteração mental ou desconhecimento prévio, que contribui para resultar em fanatismo.
            Mas essa acriticidade vai além dos bolsominions. Pode parecer estranho, mas o fenômeno também se observa em grupos específicos de esquerda. Pois entre estes também há os que, pela mesma força convicta daqueles, se recusam a ver fatos passíveis de crítica em governos progressistas. São os esquerdex.
            Esquerdexesse termo é calcado por Anderson Pires, formado em Jornalismo pela UFPB e responsável pelo blog Termômetro da Política. Pires explica mais sobre o fenômeno:

Assim como os bolsonaristas, que chamavam seu líder político de mito verificamos, também, entre os eleitores do Lula aqueles que o idolatram, ao ponto de perderem a criticidade sobre temas que, de alguma maneira, merecem críticas. As defesas são sempre pautadas pela lógica das boas intenções, como se tudo que viesse do ídolo não fosse passível de análise”.

            Nesse grosso modo, mesmo não chamando Lula de mito, os esquerdex lulistas atuam como espelhos dos bolsominions, pois concordam em tudo que Lula diz e/ou faz. Numa metáfora melhor, os dois grupos opostos são como os polos positivo e negativo de uma bateria de pilha.
            Mesmo diametralmente opostos e mutuamente repelindo um ao outro, entre eles “a escassez de conceitos é absurda em quem adota essa postura de rebanho, porque não contribui para o debate sobre o modelo de Estado que podemos ter no Brasil”, explica Pires.
            Para Pires, eles “parecem de esquerda, pensam que são de esquerda, mas não são”. Pois para ser de esquerda não basta defender os ideais e princípios que a caracterizam. É apontar pontos críticos, pois se trata de um ideal político, portanto, humano, e daí, com seus defeitos também. 
            Afinal, se posicionar como esquerda é, antes de tudo, exercer um olhar atento às entrelinhas dos fatos e ser, portanto, analítico dos mesmos, ainda que sejam inerentes à própria esquerda. Ninguém é imune a incoerências.
            A boa notícia é que, mesmo difícil, a condição esquerdex pode ser reversível, dada a diferença fundamental de não haver a ideologização religiosa do bolsonarismo. É possível convencê-lo de que Lula é humano e, portanto, falível, e não pode impor um governo socialista devido, principalmente, a forças maiores do sistema.

Para saber mais
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